Em toda história da música brasileira, nos seus mais diversos períodos, tiveram importantes e intensas ações e movimentações de infinitas classes artísticas. Moldaram toda uma cadeia musical que difundiram diversos movimentos como a bossa nova, tropicália, manguebeat, punk rock, entre outros. Entre os agitos sócio-musicais, digamos assim, tiveram os selos fonográficos, que atuavam de forma independente e desvinculadas das gravadoras multinacionais. Com a finalidade de lançar artistas novos e renomados artistas anticomerciais, fazendo sonoridades que desvirtuam do pop.
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Mas afinal, o que é um selo fonográfico?
Falamos tanto em selo, mas muitas pessoas no estão acostumadas com o conceito e por isso, acabam não sabendo exatamente qual a finalidade e importância social. Selos, portanto, ao contrário das grandes gravadoras, são um tipo de marca utilizada no lançamento de fonogramas, em mídias físicas/digitais, no âmbito da indústria fonográfica. São alternativas para lançar trabalhos musicais, atuando de forma mais direta geograficamente em determinada região. São portanto, meios de pequenas concentrações musicais em certos lugares de lançar determinados artistas da região que muitas vezes ao decorrer da história alcançam um reconhecimento, gerando grandes impactos na indústria fonográfica.
Diversos selos fizeram muita história, virando do avesso os rumos musicais, como a Cogumelo Records que lançou o Sepultura, ou ainda, a Banguela Records, do saudoso e marcante produtor musical Carlos Eduardo Miranda em parceria com os Titãs, que lançou os Raimundos. Mas além destes, os anos 90 e 2000, tivemos um selo muito importante pra a música do Rio Grande do Sul que é pouco comentada nas mídias digitais e físicas, no qual você saberá um pouco mais dela aqui.
O selo Antídoto
Para título de contexto, o eixo Rio-São Paulo concentra a indústria fonográfica e é cobiçado por todos artistas pelos quatro cantos do país. Parafraseando Humberto Gessinger em sua canção, Longe Demais Das Capitais, inserir-se no principal mercado musical, históricamente sempre foi difícil. Isso envolve diversos elementos como a expressão regional, conexão social ou ainda ser alternativo ou mais urbano são fatores que se levam em conta para conquistar o espaço nesse eixo. Ainda assim, nem sempre o artista consegue se estabelecer artisticamente e profissionalmente. Para suprir essa gap no mercado do sul, surgiu a idéia de criar um selo para lançar bandas e artistas, visando o mercado musical do rock e pop, que estava bem aquecido nesta década, através da gravadora Acit.
A Acit é uma gravadora gaúcha, fundada na cidade de Caxias do Sul pelo saudoso produtor Edison Campagna. Atualmente, reconhecida como uma das maiores e melhores estruturadas empresas fonográficas independentes do Brasil. Tem em seu casting os grandes nomes da música do Sul em todos os segmentos.
Surgiu como proposta de lançar artistas da música folclórica gaúcha, cresceu imensamente, lançando muitos deles e conquistando espaço nacional. Nos anos 90, manteve a produção de álbuns de música tradicional, trabalhando pra conquistar mercados mais altos. A gravadora teve a visão de lançar bandas gaúchas de rock. Era um período muito efervescente, existia muitas bandas de ótima qualidade, com um cenário local intenso como a extinta rádio Ipanema FM., uma das principais do Brasil, situado em Porto Alegre, desde os anos 80 lançava bandas locais e nacionais como a Camisa de Vênus e Jota Quest. Além de lugares físicos que abriam espaços para as bandas tocarem como o extinto Porto de Elis.
Pois este cenário fez que a gravadora tomasse á frente e abriu um espaço em seu casting, e assim a Antídoto nasceu.
O Sul invadiu o Brasil
A Antídoto foi criada, concentrada para atingir principalmente o mercado local, e assim começaram a pesquisar as bandas e lançá-las, capitaneado pelo diretor Raul Albornoz, um dos mais importantes nomes da indústria fonográfica, figura fundamental para o surgimento de diversas bandas. A Tequila Baby foi uma delas a serem lançadas, em 1996, com punk rock poderoso, cru, intenso, honrando a herança sonora punk dos Ramones. Agitaram a cena local, fazendo a Ipanema FM tocar diversas vezes ao dia o clássico Sexo, Algemas e Cinta-liga, acredite, sem nenhum jabá!
Contudo, com o sucesso da banda, foram surgindo outras bandas que tiveram mesma explosão radiofônica, cultural, social e musical, como Maria do Relento com seu rock extrovertido. O álbum Movido a Gás, teve lançamento mais adiante pela Abril Music.
Nei Van Soria, Papas da Língua, Reação em Cadeia, Acústicos e Valvulados, Bidê ou Balde e Júpiter Maça também efervesceram o Rio Grande do Sul. Chamando muito a atenção do centro do país. E assim, a Polygram fez parceria com a Antídoto para lançar e distribuir em todo o Brasil estes e outros artistas. Talvez o mais emblemático deles seja o lançamento de A Sétima Efervescência , do Júpiter Maça, um dos melhores álbuns da música brasileira, eleito pela revista Rolling Stone.
Bandas pelo Brasil afora fizeram carreira pelo estado
O Rio Grande do Sul, historicamente, sempre teve seu mercado independente. Muitas bandas nacionais começaram aqui suas carreiras como já mencionadas Jota Quest e Camisa de Vênus. Uma época onde o estado era autossustentável, fazendo com que as bandas não previsassem sair em direçao ao eixo Rio-São Paulo. Assim, se tinha uma cadeia fonográfica que girava de forma sólida, rádios, imprensa, casas de shows, profissionais, bandas, difundiam todo o movimento musical e muitas bandas de fora agregavam a cena, fortalecendo cada vez mais.
Bandas de outros selos também agitavam intensamente a cena local e depois ganhavam espaço pelo Brasil como Ultramen, do selo Rock It de propriedade de Dado Villa Lobos. Outra banda que ganhou reconhecimento nacional e pertencia a outro selo, a extinta Stop Records, foi a banda Cachorro Grande que colocou abaixo o rock brasileiro com seu som setentista alimentado pelo britpop do Oasis e Blur e assim, atraiu a atenção da Deckdisc e a fez estourar de vez com álbum Pista Livre. No mesmo ritmo, o fenômeno Reação em Cadeia com seu rock melódico ingressou no Rio-São Paulo com álbum Febre Confessional. E o que dizer da Fresno, com seu trabalho independente constrúido pela internet, tornando-se uma das maiores referências no movimento Emo e foram contratados pela Universal, com álbum Redenção, firmando de vez como uma das principais do rock brasileiro.
Porém, o Antídoto se perdeu…
Quantas bandas e artistas com características tão próprias com muita originalidade fizeram acontecer no cenário musical brasileiro, lançadas por apenas um único selo. Poucos na música brasileira conseguiram tamanha dimensão. Muitas delas seguem firmes no centro do país, outras voltaram para o underground, reflexo de todo rock nacional, com seus próprios mercados de atuação.
Todavia, a internet foi uma grande ferramenta de criação e divulgação de bandas, por outro lado, muitas não souberam se atualizar em seus trabalhos. Inclusive, os selos ficaram pra trás, a Antídoto foi um deles, não souberam se reinventar em meio ao cenário tecnológico, encerram suas atividades no final dos anos 2000. Algumas bandas se perderam junto com selo, encerraram seus trabalhos.
Porém, seu valor histórico é imenso, ajudaram a levar uma nova linguagem para música brasileira, revelando diversas bandas que impactaram movimentos e comportamentos, em uma época que o rock ainda tinha uma certa relevância no mainstream e os espaços para esse movimento musical eram mais amplos. Foi um grande case de sucesso de movimento cultural fora do eixo Rio-São Paulo a conquistar o país, a Antídoto foi longe demais das capitais.
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