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Os Replicantes mostrou porque é uma das maiores bandas do punk rock nacional

“Quero uma festa em que eu possa dançar, Wildner, Gerbase, Tomasi, e toda a banda para detonar!”

Algo inimaginável aconteceu, especialmente para um cidadão como eu, que vos escreve: poder presenciar ao vivo um show de uma das principais bandas de punk rock brasileiro em toda sua história, com um dos integrantes da formação clássica. Infelizmente, nunca consegui ir a um show dos Replicantes na fase da volta do Wander Wildner nos anos 2000 ou no período do Carlos Gerbase, baterista que assumiu os vocais no início dos anos 90, logo após a saída do Wander, que gravou os álbuns lendários “O Futuro é Vórtex” (1986), “Histórias de Sexo e Violência” (1987) e “Papel de Mau” (1989).

Até que em 2024, a banda anunciou uma série de comemorações pelos seus 40 anos de história (fundada em 1983), entre elas, o documentário “Seja Punk Mas Não Seja Burro” e a exposição “Os Replicantes 1984/2024”, realizada no Museu do Trabalho, no Centro de Porto Alegre, que acabou sendo interrompida por conta das enchentes ocorridas em maio. Para melhorar ainda mais, e isso me alegrou enormemente, veio o anúncio do show comemorativo com todos os integrantes que passaram pela banda: Wander Wildner, Carlos Gerbase e Luciana Tomasi. A comemoração, que seria realizada em maio, no clássico Bar Opinião, o Circo Voador do Rio Grande do Sul, foi reagendada para o dia 16 de agosto, devido aos estragos causados pelas intensas chuvas que afetaram todo o estado e, consequentemente, as condições físicas do Opinião, que teve partes de sua estrutura inundadas.

Surgiu uma grande e única oportunidade para eu curtir o show da banda com todos os integrantes presentes. Dificilmente terei outra chance como essa, por ser uma data tão importante, que integrará o documentário, e por ter todos os músicos na mesma noite, algo que não acontecia há muitos anos.

A Importância dos Replicantes

A banda tem um significado imenso para mim. Eles me mostraram que é possível fazer grandes realizações sem grandes recursos. O canal que idealizei há dois anos, Na Ponta da Agulha, foi inspirado diretamente nas inúmeras empreitadas musicais lideradas pelos guerreiros incansáveis do selo Vórtex, fundado pela própria banda, que foi essencial para sua história e para a cena do rock brasileiro, difundindo a produção fonográfica independente na capital gaúcha e lançando outras bandas como Os Cascavelletes, além de lançar seus próprios trabalhos, como o compacto duplo que contém faixas que viriam a compor “O Futuro é Vórtex“, como “Nicotina”, “Rockstar”, “Surfista Calhorda” e a faixa-título. Sem mencionar os inúmeros exemplos em que a banda serviu de inspiração para outros projetos e bandas, como os Engenheiros do Hawaii, que foram estimulados pela atitude deles, como destaca a vocalista atual, Julia Barth, e o baixista-fundador Heron Heinz, na entrevista concedida ao canal.

O Dia do Show

Chegou o grande dia: casa lotada, todos os ingressos vendidos, em uma noite agradável, longe do frio gaúcho e das chuvas intensas, elementos perfeitos para um show de grande importância, que prometia grandes emoções. Outro fator que reforça a grandiosidade da noite foi a presença especial do saxofonista King Jim, dos Garotos da Rua, que gravou discos com a banda, como o quarto álbum “Andróides Sonham com Guitarras Elétricas” (1991), o primeiro com Carlos Gerbase nos vocais.

Pouco depois das 22h, horário marcado, as luzes se apagam, e o telão que exibia propagandas do evento passa a mostrar imagens registradas que irão compor o documentário que a banda está produzindo, com depoimentos especiais, como o do comunicador e escritor Mauro Borba, figura importante para a cena musical do Rio Grande do Sul, que ajudou a divulgar muitas bandas. Os Replicantes são apenas um grande exemplo entre várias bandas e artistas que ele apoiou e ajudou a revelar para o rock brasileiro. O comunicador, baixista e vocalista do Devotos da Nossa Senhora Aparecida, Luis Thunderbird, prestou seu relato pessoal sobre como a banda o impactou musicalmente e influenciou na construção de sua própria banda, assim como Clemente, a voz do Inocentes, outra banda de grande importância para o punk brasileiro, que deixou suas palavras para o registro, sob gritos ensurdecedores da galera presente, e eu, bem na frente do palco, pronto para vivenciar cada minuto do show que estava por vir.

O telão sobe, e a festa punk se inicia com Gerbase na bateria e Julia Barth nos vocais subindo ao palco, enquanto o povo, empolgado, responde com intensidade ao som da clássica “Nicotina”, que abre a noite com tudo. Percebi que o som da guitarra estava um pouco abafado, mas foi se ajustando ao longo do show.

Após a abertura, um dos grandes momentos da noite e um dos mais aguardados foi a entrada de Wander Wildner ao palco, formando a configuração dos três primeiros álbuns, com as clássicas “Sandina”, “Surfista Calhorda” e “O Futuro é Vórtex”, incendiando o público com intensas rodas punk, que tornavam impossível não se animar e querer fazer parte dessa energia contagiante, como eu, que compartilho com você, caro leitor, a experiência social que senti na pele e que me fez interagir com a galera ao meu redor.

Outro momento marcante foi a entrada de Luciana Tomasi e King Jim, com a música “Negócios à Parte”, do álbum “Papel de Mau”, que completa 35 anos em 2024, um dos álbuns preferidos de Julia Barth, como ela menciona na entrevista ao Na Ponta da Agulha. Há coisas que são próprias de cada músico: Luciana fazendo suas danças new wave, como nos tempos de B-52’s ou na icônica banda Urubu Rei, uma das mais importantes da cena alternativa do rock brasileiro, fundada pelo saudoso Carlos Eduardo Miranda. São elementos únicos e charmosos nos shows oitentistas da banda, e que o tempo não conseguiu apagar; Luciana não perdeu sua essência performática no palco. Assim como os solos de Cláudio Heinz, com notas musicais tão simples, mas que sonoramente rasgam os pulmões pela sua agressividade crua e pesada, que nenhum grande guitarrista, por mais técnico e aprimorado que seja, jamais conseguirá replicar. Poder ouvi-lo performar seus riffs e solos é testemunhar ao vivo um dos guitarristas que mais influenciou o punk rock brasileiro. São momentos únicos e marcantes, todos transmitidos no palco sob grandes emoções, onde os olhares dos músicos não deixavam dúvidas sobre a intensidade da performance.

Ouvir Gerbase cantando “Hippie, Punk e Rajnesh”, com seu macacão clássico, que marcou a performance e o estilo do vocalista, fez a galera enlouquecer e ovacionar sua presença. Após cantar, ele se misturou com a gente na roda punk, um final que, por si só, fecharia a noite em grande estilo.

O grand finale da apresentação incendiária foi quando todos os integrantes presentes subiram ao palco para cantar “Surfista Calhorda”, “Sandina” e “Festa Punk”, provocando grandes jatos de cerveja sobre nossas cabeças suadas, com camisetas grudadas em nossos corpos, enquanto a roda punk parecia aumentar cada vez mais, tornando o Opinião pequeno para tanta energia.

Foi uma noite épica. Todos os presentes saíram com as almas lavadas, assim como eu, que testemunhei um dos principais shows da história do punk rock brasileiro, que foi registrado para posteriormente ser lançado em vinil pela Made In Soul Records e pela E-Discos. Todos ficaram muito satisfeitos, especialmente os xiitas que criticam a performance de Julia Barth por ser uma voz feminina, que na verdade são os “viúvos” de Wander Wildner ou Gerbase, presos no passado e incapazes de abrir suas mentes para o presente. Há muito tempo, Julia Barth provou, com competência e talento, seu papel como vocalista da banda, função que exerce há 18

anos, como no bom álbum “2010” (2018), que tem o clássico “Maria Lacerda”. Além disso, há relatos de bandas femininas que foram inspiradas pela entrada de Julia. Ela vem sendo fundamental na história da banda, e todos esses eventos comemorativos têm as mãos da vocalista, o que traduz sua liderança nos Replicantes.

Por fim, uma pequena reflexão desta noite memorável: a faixa etária dos presentes era majoritariamente de 45 anos, com pouquíssimos jovens na faixa de 18 anos. Fiquei pensando: as bandas clássicas estão conseguindo renovar seu público? O que está acontecendo com o público de rock no Brasil? Não se viu muita juventude no show dos Replicantes, assim como em outros shows de bandas com mais de 30 anos. Fica uma questão para ser debatida, para que esse fator sociocultural possa melhorar.

Como dizia uma frase… Go Ahead Replicantes!

Fotos: Chico Lisboa

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