Na mais recente edição do Redação DISCONECTA, os anfitriões Marcelo Scherer, Luis Fernando Brod e Julio Mauro mergulharam fundo no clássico de Neil Young, “Tonight’s the Night”, que celebra seu quinquagésimo aniversário neste mês de junho. Considerado o terceiro disco da famosa “trilogia fossa” (ou “trilogia dit”), “Tonight’s the Night” tem uma história peculiar de lançamento e gravação. Embora tenha sido o último a ser lançado dessa sequência (depois de “Time Fades Away” e “On the Beach”), foi, na verdade, o primeiro a ser gravado, com a gravadora optando por um lançamento invertido, talvez por não considerá-lo adequado ao momento.
Um Disco de Contrapontos e Emoção Crua
O álbum é descrito como um “discaço” sensacional para quem aprecia música. Ele se destaca por suas letras profundas e depressivas, abordando temas de morte e perda. No entanto, o instrumental é surpreendentemente o oposto: as músicas podem soar alegres, criando um contraponto marcante entre a melodia e o conteúdo lírico. Essa dualidade é uma característica única de Neil Young, que inclusive leva o ouvinte a uma reflexão sobre a depressão, onde a aparência externa de alegria pode mascarar uma profunda dor interna.
Marcelo Scherer, Luis Fernando Brod e Julio Mauro enfatizaram a natureza crua e pura do disco. Ele foi gravado com pouquíssima produção, capturando o som da banda como se fosse ao vivo, com muita espontaneidade e “feeling”. Essa falta de polimento foi, inclusive, um dos motivos pelos quais a gravadora hesitou em lançá-lo, buscando algo mais “limpo” e produzido, como o bem-sucedido “Harvest”. No entanto, essa abordagem “suja” e autêntica de “Tonight’s the Night” antecipou muito do que Neil Young faria em discos posteriores, como “Rust Never Sleeps”, e até mesmo o surgimento do gênero grunge nos anos 80 e 90.
As Perdas Pessoais e a “Fossa”
A melancolia do disco é intrinsecamente ligada a um período extremamente difícil na vida de Neil Young. A “fossa” que o cerca é principalmente devida à morte de dois amigos próximos e colaboradores: Danny Whitten, guitarrista do Crazy Horse, e Bruce Berry, o roadie da banda, ambos falecidos por overdose de drogas em um curto espaço de tempo. A morte de Whitten, em 1973, foi particularmente dolorosa para Young, que carregava o peso da culpa por tê-lo demitido de uma turnê do “Harvest” pouco antes de sua morte, chegando a lhe dar 50 dólares e uma passagem de ônibus para ir para casa. O disco, inclusive, começa e termina com Neil Young chamando por Bruce Berry.
Além das perdas pessoais, os anos 70 também trouxeram uma desilusão generalizada para Neil Young, especialmente com o fracasso do movimento hippie e das lutas sociais, como o movimento anti-guerra, em surtir o efeito desejado, sendo “atropelados por um monte de desgraças”.
O Estilo e a Vida de Neil Young
Os hosts ressaltaram a personalidade e a abordagem artística de Neil Young. Ele é conhecido por sempre lutar contra a fama de “rockstar”, mantendo-se fiel às suas opiniões e convicções, mesmo que fossem “agressivas” para quem pensava diferente. Sua carreira é marcada por nadar “contra a corrente”, não seguindo regras ou tendências da indústria. Ele é descrito como um “cara muito simples” com um “ar interiorano”, vivendo de forma comunitária, uma influência que remonta à sua vivência na cultura hippie dos anos 60.
A discografia de Neil Young é notavelmente confusa para muitos fãs, pois ele frequentemente lança álbuns com gravações de épocas diferentes, não seguindo uma ordem cronológica de gravação. Ele é um artista incrivelmente prolífico, com uma “genialidade ímpar”, que muitas vezes resgata composições antigas para novos lançamentos. Essa liberdade artística, de fazer “o que quiser” em vez de seguir o que o mercado pede, é uma marca registrada de sua carreira. Sua influência é vasta, sendo considerado o “padrinho do grunge” e inspirando artistas como Bruce Springsteen, Lucinda Williams, e até mesmo Nando Reis no Brasil.
Influências Musicais e Detalhes da Gravação
“Tonight’s the Night” exibe uma sonoridade que, apesar de ser “cruza”, possui elementos que remetem aos anos 60, com influências de blues e bandas como Creedence Clearwater Revival. O uso do pedal steel (ou slide guitar) adiciona um “charme” melancólico ao disco, com suas melodias arrastadas que aprofundam o sentimento de tristeza. Curiosamente, Neil Young abertamente “chupou” uma melodia dos Rolling Stones, da música “Lady Jane”, para sua canção “Borrowed Tune”, confessando que estava “muito chapado para escrever a própria melodia”.
A gravação do álbum, que ocorreu no estúdio SIR (Studio Instrument Rentals) por indicação de Bruce Berry, foi tão pouco convencional quanto o artista. Neil Young relatou que a banda começava a beber tequila e fumar maconha por volta das 17h, e só quando atingiam um estado de “totalmente abertos a todo o clima”, por volta da meia-noite, é que se dirigiam a um palco improvisado no porão para “ensaiar” e gravar. Ele descreveu essa experiência como “assustadora” e considerou “Tonight’s the Night” o álbum que mais “sente” de todos que já fez.
“Time Fades Away” e a Desilusão dos Fãs
Luis Fernando Brod lembrou que os três álbuns da trilogia (incluindo “Time Fades Away”, o primeiro a ser lançado) foram inicialmente odiados pelos fãs. “Time Fades Away” era uma gravação ao vivo da turnê de “Harvest”, mas com Neil Young optando por tocar músicas inéditas, totalmente “anti-herói”. Era um disco difícil de ouvir, com a banda sem sincronismo ou química, apenas tentando acompanhar as “loucuras” de Young.
A Arte da Capa
Para encerrar, Julio Mauro trouxe uma curiosidade sobre a capa original de “Tonight’s the Night”: ela era impressa em preto e branco em papel de mata-borrão, o que criava um efeito visual onde a tinta se espalhava, dando uma aparência única e quase desfocada, como um desenho em papel toalha. As primeiras edições também continham uma mensagem enigmática: “Sinto muito, você não conhece essas pessoas, mas isso não significa nada para você”, uma homenagem aos amigos falecidos.
Em suma, “Tonight’s the Night” é um convite à reflexão sobre a vida, a morte e a complexidade do luto, entregue por um artista que sempre trilhou seu próprio caminho, desafiando as expectativas e criando uma obra profundamente pessoal e atemporal.
Deixe um comentário