Em 21 de março de 1994, Bruce Springsteen subiu ao palco do Dorothy Chandler Pavilion, em Los Angeles, para receber o Oscar de Melhor Canção Original. Ele foi premiado pela música Streets of Philadelphia, composta para o filme Filadélfia, lançado em 1993. Aquela foi a primeira vez que Bruce ganhou uma estatueta do Oscar e, para muitos, representou o reconhecimento de um trabalho que ultrapassou os limites da música popular e encontrou espaço em um debate social urgente para a época.
No início dos anos 1990, os Estados Unidos ainda enfrentavam uma profunda crise de saúde pública provocada pela epidemia de HIV/Aids. Naquele período, o preconceito social, o estigma e a desinformação moldavam a percepção pública sobre a doença. Pessoas vivendo com HIV eram frequentemente marginalizadas, tanto no ambiente familiar quanto no profissional. Além disso, o cinema comercial de Hollywood ainda tratava o tema de forma esporádica e, na maior parte dos casos, superficial. Foi nesse cenário que surgiu Filadélfia, dirigido por Jonathan Demme.
A história de Filadélfia
Demme já havia alcançado reconhecimento internacional com O Silêncio dos Inocentes (1991). No entanto, com Filadélfia, decidiu contar uma história mais íntima. O filme acompanha Andrew Beckett, um advogado de sucesso vivido por Tom Hanks. Após os sócios do escritório descobrirem que ele tem Aids, Beckett é demitido. Determinado a buscar justiça, ele contrata Joe Miller (Denzel Washington), um advogado que, inicialmente, reluta devido aos próprios preconceitos. Com o tempo, Miller muda de postura ao longo do caso.
O convite para Bruce Springsteen criar a canção
Durante a pós-produção do filme, Jonathan Demme buscava uma música para abrir a narrativa. A intenção era que a canção funcionasse como um prólogo, preparando o espectador para a jornada de Beckett. Por isso, Demme recorreu a Bruce Springsteen, cuja obra sempre abordou temas ligados às lutas individuais e à dignidade das pessoas comuns. Springsteen leu o roteiro e aceitou o convite. Em seu estúdio caseiro, o Thrill Hill Recording, em Nova Jersey, ele compôs Streets of Philadelphia em poucos dias.
A música rompeu com o formato tradicional das composições de Springsteen até aquele momento. Em vez da força das guitarras ou do peso da E Street Band, ele escolheu uma produção minimalista. Uma batida eletrônica repetitiva, linhas de teclado sutis e vocais abafados criaram um clima de distanciamento e introspecção. A letra, escrita em primeira pessoa, narra o esgotamento físico e emocional de alguém que caminha sem rumo, tentando se manter de pé em meio ao abandono e à deterioração.
O videoclipe nas ruas da Filadélfia
O videoclipe, dirigido por Jonathan Demme e seu colaborador Ted Demme, foi filmado nas ruas da Filadélfia. Bruce caminha pela cidade enquanto canta, passando por prédios deteriorados, becos vazios e espaços públicos quase sem movimento. As imagens, gravadas em tempo real e com vocais ao vivo, reforçaram a proposta documental da canção.
Streets of Philadelphia foi lançada oficialmente como single em 2 de fevereiro de 1994. A resposta do público foi imediata. A canção entrou no Top 10 das paradas dos Estados Unidos, alcançando a nona posição na Billboard Hot 100. No cenário internacional, o desempenho foi ainda melhor. A música ficou em primeiro lugar em países como Alemanha, França e Canadá. Já no Reino Unido, alcançou a segunda colocação.
Os prêmios recebidos por Streets of Philadelphia
No Oscar de 1994, Streets of Philadelphia conquistou a estatueta de Melhor Canção Original. O filme Filadélfia também foi importante para a carreira de Tom Hanks, que levou o prêmio de Melhor Ator. Além disso, a música de Bruce Springsteen recebeu quatro prêmios no Grammy Awards de 1995: Canção do Ano, Melhor Canção de Rock, Melhor Performance Vocal de Rock e Melhor Canção Composta para Mídia Visual. Foi a primeira vez que Bruce recebeu o principal troféu da premiação.
O espaço da música e do filme na discussão sobre HIV/Aids
A importância de Streets of Philadelphia vai além das premiações. A música se tornou uma espécie de referência sonora em um momento de mudança na forma como o HIV/Aids era discutido no espaço público. Antes do filme, poucas produções com grande alcance comercial abordavam o tema com seriedade e respeito. Após Filadélfia, houve uma maior abertura para o debate, que se intensificou ao longo da década.
Para Bruce Springsteen, a faixa também representou um ponto de virada. Após o lançamento simultâneo de Human Touch e Lucky Town em 1992, dois discos que dividiram a crítica e os fãs, ele optou por se afastar dos holofotes e da E Street Band. Streets of Philadelphia foi a primeira música que ele gravou nesse período e que obteve aclamação generalizada. O sucesso antecipou um retorno mais sólido com The Ghost of Tom Joad, lançado em 1995.
Filadélfia e Streets of Philadelphia hoje
Atualmente, o filme Filadélfia está disponível nas principais plataformas digitais. A obra segue sendo uma referência para quem deseja entender como o tema foi tratado no cinema daquela época. Já Streets of Philadelphia permanece entre as canções mais conhecidas de Bruce Springsteen, destacando-se não pela grandiosidade sonora, mas pela forma como expressa um sentimento de perda, dignidade e resistência silenciosa.
Deixe um comentário