Poucos anos da história recente pareceram tão deslocados quanto 1975. Nos Estados Unidos, o cenário político, cultural e social passava por uma transformação profunda — e a música não ficou de fora desse turbilhão.
Naquele mesmo ano, o filme Tubarão redefiniu os padrões do cinema comercial, enquanto o Saturday Night Live estreava na televisão, mudando o humor norte-americano. Nas rádios, “Love Will Keep Us Together”, de Captain and Tennille, dominava as paradas, enquanto sons mais ousados se espalhavam pelo subsolo musical.
O rock tradicional dividia espaço com novas ondas que ganhavam força, como o punk em gestação, o reggae vindo da Jamaica, o disco entrando nas pistas e o metal ampliando suas bases. Paralelamente, a psicodelia, o jazz e o country também buscavam novos caminhos, com álbuns que cruzavam fronteiras estilísticas e surpreendiam pela ousadia.
Stevie Nicks e Lindsey Buckingham, recém-chegados ao Fleetwood Mac, moldavam uma sonoridade que mudaria a trajetória da banda. O Parliament Funkadelic levava o funk para o espaço sideral. Willie Nelson reformulava o country com “Red Headed Stranger”. Enquanto isso, o Kiss gravava “Alive!”, álbum ao vivo que colocava a banda no radar global.
Freddie Mercury desafiava os padrões com “Bohemian Rhapsody”, empilhando versos operísticos e guitarras em camadas. Bruce Springsteen lançava “Born to Run”, disco que buscava capturar o espírito dos sonhos e derrotas da juventude americana. Neil Young, Joni Mitchell, Led Zeppelin e Bob Dylan também assinaram álbuns que atravessaram gerações.
O mundo fora das caixas de som também seguia em ebulição. A Guerra do Vietnã chegava ao fim. O boxe entrava para a história com a luta entre Muhammad Ali e Joe Frazier, no chamado Thrilla in Manila. E a televisão norte-americana apresentava séries como Starsky and Hutch e Welcome Back, Kotter, que se tornariam referência cultural.
Até os itens mais triviais refletiam o espírito da época. O anel de humor ganhava cor conforme o humor de quem o usava. Os “Pet Rocks” viravam febre. E o cinema oferecia títulos como “Nashville”, “Dog Day Afternoon” e “The Rocky Horror Picture Show”, este último ganhando culto nos anos seguintes.
Com base nesse recorte histórico e musical, críticos e entusiastas têm revisitado os discos lançados em 1975, montando listas que misturam clássicos absolutos e joias escondidas. Dos trabalhos de bandas alemãs de art rock a raridades do afrobeat, passando por dub jamaicano e psicodelia brasileira, o ano revelou uma diversidade que ainda impressiona.
Em meio a tesouros de vendas modestas e álbuns celebrados mundialmente, há algo em comum: muitos desses trabalhos, quando revisitados, parecem dialogar diretamente com 2025. E talvez seja por isso que, ao colocar a agulha no vinil ou apertar o play na playlist certa, a frase do Rocky Horror ainda faça sentido.
Abaixo, listamos os 5 primeiros da lista da Rolling Stone. Clicando neste link aqui, você vê a lista completa, com os 75 melhores álbuns de 1975.
Bruce Springsteen – Born To Run

Ao ouvir pela primeira vez as gravações de “Born to Run”, Bruce Springsteen jogou o álbum numa piscina. “Tinha medo de lançar aquilo e dizer ‘este sou eu’”, confessou anos depois à Rolling Stone. O disco, que salvou sua carreira em 1975, capturava sua vulnerabilidade e ambição em pleno conflito.
Entre “Thunder Road” e “Jungleland”, o artista selou sua identidade musical. Mas o verdadeiro triunfo de “Born to Run” está em como sua honestidade brutal ajuda os ouvintes a se reconhecerem. Quase 50 anos depois, a obra permanece um espelho inescapável.
Neil Young – Tonight’s the Night
Último disco da chamada “trilogia do desespero” de Neil Young, “Tonight’s the Night” mergulha em luto e dor. Gravado após as mortes do guitarrista Danny Whitten (Crazy Horse) e do roadie Bruce Berry, o álbum captura a raw emotion de Young e sua banda em sessões cruas.
Com participações póstumas de Whitten na faixa “Come on Baby Let’s Go Downtown”, o trabalho mistura baladas dilacerantes como “Albuquerque” com rock pesado e confessional. “Tired Eyes” surge como continuação direta de “The Needle and the Damage Done”, reforçando o tom autobiográfico.
Engavetado por dois anos antes do lançamento em 1975, o álbum permanece como um dos mais intensos e pessoais da carreira de Young. Sua influência ainda ressoa, décadas depois.

Parliament – Mothership Connection

O conceito de afrofuturismo deve muito ao Parliament, e “Mothership Connection” (1975) permanece como seu pilar. A obra imaginativa de George Clinton misturava ficção científica com funk, apresentando astronautas negros em encontros alienígenas no espaço.
Inspirado por “Star Trek”, “2001: Uma Odisseia no Espaço” e álbuns conceituais como “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, o disco criou uma mitologia única. Clinton assumia o papel de DJ da nave-mãe, transmitindo da “Via Láctea de Chocolate” – em um dos trabalhos mais inventivos do funk.
Além de influenciar gerações, o álbum gerou o hit “Give Up the Funk (Tear the Roof Off the Sucker)”, primeiro single do grupo a vender um milhão de cópias. A nave-mãe se tornou símbolo dos shows da banda nos anos 1970, enquanto suas batidas ecoariam por décadas no hip-hop.
Patti Smith – Horses
Nenhum álbum começou de forma tão marcante quanto “Horses”, estreia de Patti Smith em 1975. A então desconhecida artista fundiu punk rock com poesia, criando um disco que redefiniu gêneros.
Com uma banda excepcional e produção de John Cale (Velvet Underground), Smith reinventou clássicos como “Gloria” e explorou temas sociais em “Free Money”. A épica “Land” mostrou sua narrativa literária em 10 minutos de pura revolução sonora.
A capa andrógina, clicada por Robert Mapplethorpe, tornou-se símbolo de rebeldia. “Sou uma mulher fazendo o que homens costumavam fazer”, disse à Rolling Stone. Com “Horses”, Smith não só cumpriu essa missão como inspirou gerações.

Bob Dylan – Blood on the Tracks

Em 1975, Bob Dylan surpreendeu o mundo com “Blood on the Tracks”, um disco cru sobre amor perdido e desilusão. Gravado durante o colapso de seu casamento, o trabalho revelou uma intensidade que muitos julgavam perdida.
Canções como “Tangled Up in Blue” e “Idiot Wind” trouxeram de volta a veia lírica do artista, após anos de projetos menos impactantes. A dor transformou-se em versos afiados, entregues com uma voz áspera e confessional.
O álbum foi um sucesso instantâneo, embora Dylan estranhasse o fato de o público “apreciar aquele tipo de sofrimento”. Cinco décadas depois, permanece como refúgio para corações partidos – prova de que a grande arte nasce da verdade, mesmo quando ela dói.
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