Steely Dan e Talking Heads: dois jeitos de pensar a música nos anos 1980

Durante a transição dos anos 1970 para os anos 1980, o Steely Dan parecia considerar que a cena musical tomava um rumo diferente. Donald Fagen e Walter Becker, responsáveis por um dos projetos mais meticulosos da década anterior, observavam à distância os novos sons da virada da década.

Em entrevista à Musician Magazine (via Far Out) em 1981, Fagen elogiou o Talking Heads e seu vocalista, David Byrne. “É uma banda de primeira”, afirmou, citando ainda que havia “inteligência por trás dos olhos dele, o que é mais do que se pode dizer da maioria das bandas”.

A admiração pela banda de Nova York contrastava com o desdém geral que Becker nutria pelo que ouvia no rádio. “Tenho tido dificuldades com o rádio ultimamente. É patético”, disse no mesmo ano. O comentário revelava o desalinhamento crescente do Steely Dan com a música popular do período.

Nos anos 1970, a dupla já vinha propondo uma fusão de jazz com rock, sempre filtrada por um olhar literário e técnico rigoroso. O estilo do Steely Dan não buscava espontaneidade — preferia o refinamento de estúdio, algo que os próprios Talking Heads também valorizavam.

Mesmo com uma abordagem mais performática e visual, os Talking Heads também investiam em estruturas musicais complexas. O álbum “Remain in Light”, lançado em 1980, incorporou influências do afrobeat e consolidou uma estética fora dos padrões da new wave comercial.

Para Becker, o desenvolvimento dos Talking Heads não seguia uma lógica de cena. “Eles estão deixando [a cena] para trás”, comentou, reconhecendo no grupo o mesmo tipo de isolamento criativo que marcou o início do Steely Dan nos anos 1970.

Apesar de se originarem no clube CBGB, os Talking Heads nunca se acomodaram às convenções do punk. A origem escolar de seus membros, especialmente na Escola de Design de Rhode Island, ajudou a construir uma identidade ligada à arte contemporânea.

Fagen e Becker, por sua vez, sempre buscaram músicos que funcionassem como peças de uma engrenagem precisa. A rotatividade no estúdio era constante e implacável. Nenhuma gravação era definitiva até alcançar o rigor sonoro pretendido pela dupla.

Essa exigência se refletia em todos os detalhes — das letras aos arranjos. Talvez por isso Fagen tenha simpatizado com a estética visual dos álbuns do Talking Heads. “Gosto das capas da banda”, comentou, deixando transparecer uma admiração mútua.

Enquanto o Steely Dan entrava em hiato após o álbum “Gaucho”, de 1980, os Talking Heads seguiam sua trilha com “Speaking in Tongues” (1983) e outras obras que ampliaram os limites do pop alternativo. Era uma virada no gosto popular, agora dominado por sons mais performáticos e comerciais.

No fim da década, nomes como Mötley Crüe já dominavam a MTV. A introspecção e a crítica social das letras do Steely Dan ou dos Talking Heads se tornavam exceção. David Byrne notaria essa mudança com clareza ao comentar a relação entre forma e conteúdo.

“Forças que você pode pensar serem totalmente alheias à criatividade podem ter grande efeito. A tecnologia, obviamente, mas o ambiente também”, afirmou Byrne. “Até estruturas financeiras podem afetar o conteúdo de uma música.”

Essas palavras, em retrospecto, ajudam a entender como dois grupos distintos — mas igualmente reflexivos — lidaram com o desafio de existir fora do centro, mesmo quando estavam no centro da música feita com atenção à linguagem, ao som e ao contexto.

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