Ser um compositor como Nick Cave deve ser difícil. Ao mesmo tempo em que narra contos ficcionais com personagens muito característicos, e invariavelmente trágicos, por ser uma figura pública, é difícil desassociar seus trabalhos recentes das perdas que sofreu. Ou seja, por mais impessoal que tentasse ser, seus discos não teriam como escapar dos vínculos com o calvário que o cantor australiano passou nos últimos anos.
Ao optar por permanecer em plena atividade, Nick Cave parece ter abraçado o inevitável, e vem expondo em público, tal qual um livro aberto, o processo de luto que atravessou com a perda de dois filhos, um em 2015 e o outro em 2022. Mas se o luto existiu, e as memórias estarão sempre lá, parece ter chegado o momento de encontrar um pouco de luz. Afinal, se não há bem que sempre dure, também não há mal que não se acabe.
Mas foi uma Longa Noite (..a week, Maybe a year), e elas deixam marcas, então naturalmente não espere por um disco pop e festivo de alguém que, mesmo antes das tragédias recentes, já tinha a dor como matéria-prima para os seus trabalhos.
A diferença aqui, em comparação com discos embrenhados no luto como Ghosteen (2019), é que entendemos, não sem algum espanto, que é possível sobreviver aos piores momentos, como Nick canta em “Frogs” (Amazed of love and amazed of pain, amazed to be back in the water, back again) e, ao final, encontrar um pouco de paz (peace and good tidings to the land), não por acaso na curta canção de encerramento “As The Waters Covers The Sea”. Já em músicas como “O Wow O Wow (How Wonderful She Is), o que fica são os bons momentos vividos, em detrimento de toda a mágoa e ressentimento que as relações invariavelmente nos trazem. A música contém, no seu final, um áudio nostálgico de outra de suas perdas recentes: Anita Lane (1960 – 2021), que em diferentes momentos, foi sua parceira tanto na arte quanto na vida.
O álbum, musicalmente falando, segue as tonalidades gospel dos últimos álbuns lançados pelo bardo (especialmente nos momentos em que os coros aparecem), porém abre mão dos drones de Skeleton Tree (2016), em prol de uma participação mais efetiva de seus Bad Seeds, deixando tudo mais orgânico.
No fim das contas, “Wild God” não traz nada de muito novo à discografia do artista. Porém, ver alguém tão importante conseguindo encontrar momentos de alegria, depois de tanto sofrimento, além dos conselhos e histórias deixados ao longo destes 44 minutos, vale mais que muito disco inovador por aí.
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