Quando os Beatles se separaram em 1970, a sensação era de que aquela história havia chegado ao fim. Mas essa impressão não se confirmou. Mais de cinquenta anos depois, John, Paul, George e Ringo continuam mais influentes, famosos e adorados do que nunca.
Essa permanência também chama atenção para um capítulo muito explorado da trajetória da banda: suas carreiras solo. Cada um dos quatro seguiu criando música de maneira bastante pessoal. Todos lançaram álbuns celebrados. Todos também cometeram deslizes notáveis.
O universo solo dos Beatles se revela um território bagunçado, intenso e fascinante. Para homenagear esse caminho, nasce a seleção das 100 melhores músicas solo de John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr feita pela Rolling Stone.
A lista inclui grandes sucessos, canções esquecidas, lados B queridos pelos fãs, clássicos cultuados e até regravações. Algumas faixas atravessaram décadas, sendo ouvidas em festas e casamentos. Outras continuam sendo pequenos tesouros conhecidos apenas pelos fãs mais devotos.
E, claro, entre elas está “Uncle Albert/Admiral Halsey”. Como já dizia uma velha canção de Ringo, “it don’t come easy”.
Cada fã montaria uma seleção diferente — é justamente essa discordância que mantém o debate vivo. Durante anos, muitos defenderam, por exemplo, que “Beaucoups of Blues”, álbum country de Ringo lançado em 1970, merece ser visto com mais carinho. A discussão persiste. Inclusive, há quem já tenha tentado convencer o próprio Ringo disso — sem muito sucesso, já que ele pareceu se divertir mais do que levar a sério.
Vale ressaltar: a lista não se baseia em vendas, execuções em rádio ou fama. O único critério é a presença do que poderia ser chamado de “magia beatle”. Por isso, hits consagrados, como “Say Say Say”, sequer aparecem.
Atualmente, o público tem acesso fácil a gravações solo antes difíceis de encontrar. Esse cenário permite discussões mais aprofundadas. Quando “Ram” chegou às lojas em 1971, foi recebido como um desastre. Hoje, é considerado um dos álbuns mais prestigiados de Paul.
Discos como “Mind Games”, de John, e “Living in the Material World”, de George, também passaram a ser redescobertos e valorizados. Essas revisões constantes ajudam a manter a música dos Beatles viva em novas gerações.
A seleção dá espaço para todos os quatro músicos brilharem. Apesar da enorme vantagem numérica de Paul — que segue compondo em plena atividade aos 80 anos —, a proposta é equilibrar as participações. O Top 10, por exemplo, reserva três canções para cada um dos principais compositores, além de um destaque para Ringo.
No fim, todas as 100 músicas escolhidas carregam um pouco daquele espírito que tornou os Beatles inesquecíveis. Afinal, como disse um dia John Lennon, “o sonho nunca acabou”. Separamos abaixo o Top 5. A lista completa pode ser acessada clicando neste link aqui.
5. John Lennon – ‘Mind Games’ (1973)

O ex-beatle traz sua essência à tona na canção “Mind Games”, misturando espiritualidade e humor característico. A faixa revela influências de Bowie e Bolan, mas mantém a voz única de Lennon.
Com letras surrealistas e um vocal que estica sílabas, o artista demonstra seu estilo inconfundível. O slide guitar e o tom lúdico completam a atmosfera do trabalho, típico do início dos anos 1970.
Apesar das passagens abstratas, a emoção crua da performance permanece impactante. A entrega exagerada, marca registrada de Lennon, é o que define a singularidade da música.
4. Ringo Starr – ‘It Don’t Come Easy’ (1971)

Ringo Starr considerava “It Don’t Come Easy” sua maior composição. “George me ajudou a finalizá-la”, revelou durante seu especial de 80 anos. A parceria reflete sua visão da música como trabalho coletivo.
A canção, lançada em 1971 durante a crise dos Beatles, mistura vulnerabilidade e resistência. O ritmo soul e a letra sincera ecoam suas origens: um jovem de Liverpool que superou problemas de saúde na infância.
A influência de Sister Rosetta Tharpe, que Starr viu no Cavern Club, transparece no tom gospel. Mais que um sucesso, a música sintetiza sua trajetória – obstáculos superados com perseverança e ajuda de amigos.
3. George Harrison – ‘Give Me Love (Give Me Peace on Earth)’ (1973)

Uma das canções mais bonitas que os Beatles compuseram, antes ou depois da separação, “Give Me Love” sintetiza sua busca espiritual e musical. Lançada em 1973, a faixa alcançou o primeiro lugar nas paradas.
O arranjo reúne momentos memoráveis: o piano de Nicky Hopkins, o baixo de Klaus Voorman e a guitarra característica de Harrison. O músico definiu a obra como “uma prece pessoal entre mim, o Senhor e quem quiser ouvir”.
A recepção confirmou seu alcance universal – a canção tornou-se um marco na carreira solo do ex-Beatle. Sua mistura de melancolia e esperança continua a ressoar com ouvintes décadas depois.
2. John Lennon – ‘God’ (1970)

A faixa “God”, do álbum “Plastic Ono Band”, apresenta John Lennon em sua performance vocal mais intensa. O ex-Beatle desconstrói crenças em religião, política e até no próprio legado musical, com um misto de fúria e vulnerabilidade.
A mudança de tom no final – quando admite “Eu era o Walrus, mas agora sou John” – revela um artista em reconstrução. A batida precisa de Ringo Starr oferece a base essencial para essa catarse, como fazia nos tempos de Beatles.
A música permanece como testemunho artístico da coragem de recomeçar. Mostra Lennon abandonando identidades pré-fabricadas para assumir sua essência, com Starr provendo o suporte rítmico que sempre encorajou os companheiros a voarem mais alto.
1. Paul McCartney – ‘Maybe I’m Amazed’ (1970)

Em 1970, Paul McCartney compôs “Maybe I’m Amazed” durante o turbulento pós-Beatles. Isolado em sua fazenda escocesa, o músico traduziu em letras sua confusão existencial e o amor inesperado por Linda Eastman.
A canção revela a vulnerabilidade de McCartney: “Talvez eu seja um homem solitário no meio de algo que não compreendo”. Linda, fotógrafa nova-iorquina independente, representava uma parceria atípica para um astro do rock.
O casal permaneceu unido por 29 anos, separando-se apenas durante a prisão de Paul no Japão em 1981. A relação desafiava convenções, gerando estranhamento na indústria musical.
Na voz rouca de McCartney, a música captura o momento decisivo em que ele percebeu sua vida transformada pelo amor. A faixa permanece como testemunho singular dessa história incomum no rock.
Deixe um comentário