O rock and roll e a soul music nasceram do blues e compartilharam influências ao longo das décadas. Enquanto a invasão britânica redefinia o cenário do rock nos anos 1960, a Motown já moldava as paradas de sucesso com produções refinadas e arranjos inovadores.
Criada por Berry Gordy em Detroit, em 1959, a gravadora se tornou um centro criativo que impulsionou carreiras de nomes como The Supremes, Marvin Gaye e Stevie Wonder. O selo foi apelidado de “fábrica de sucessos” por sua capacidade de transformar composições em clássicos, combinando melodias envolventes com letras acessíveis.
A musicalidade da Motown também chamou a atenção de artistas do rock. O baixista James Jamerson, integrante da banda de estúdio Funk Brothers, ajudou a redefinir o papel do instrumento em gravações como “My Girl”, dos Temptations. Suas linhas sofisticadas influenciaram músicos como John Entwistle, do The Who, e Paul McCartney, dos Beatles.
Além dos grooves marcantes, a Motown trouxe harmonias vocais elaboradas e arranjos orquestrados que ampliaram as possibilidades dentro da música pop. Faixas como “Ain’t No Mountain High Enough”, de Marvin Gaye e Tammi Terrell, mostraram como o soul poderia ter um impacto emocional comparável ao das grandes baladas do rock.
Sem a influência da Motown, o rock poderia ter seguido um caminho mais rígido, preso às raízes do blues sem explorar novas sonoridades. A conexão entre os estilos ajudou a expandir os limites da música popular, provando que, independentemente do rótulo, o que importa é a capacidade de uma canção alcançar o ouvinte.
Abaixo, 5 músicas da Motown que ajudaram a moldar o Rock, segundo a Far Out.
5. You Really Got A Hold On Me – Smokey Robinson and the Miracles
Enquanto os números acelerados faziam o público dançar, as baladas eram o teste definitivo para qualquer banda de rock. E, embora The Miracles nunca faltassem com sinceridade, foi Smokey Robinson quem estabeleceu o padrão com “You Really Got a Hold on Me”. Lançada em 1962, a canção se tornou um marco, misturando doçura e melancolia em uma narrativa de amor e dependência emocional.
A letra de Robinson, que fala sobre um relacionamento conturbado e a incapacidade de deixá-lo, repercutiu profundamente. A balada não apenas conquistou o público, mas também influenciou grandes nomes do rock. Os Beatles, por exemplo, gravaram uma versão quase idêntica em 1963, mostrando o impacto duradouro da obra. Outros artistas também se inspiraram no tema, explorando a complexidade do amor e da dor em suas próprias composições. Embora canções de amor sejam um clássico universal, Robinson provou que as histórias de desilusão têm um apelo único. “
4. I Want You Back – Jackson 5
Uma das lições mais valiosas para qualquer banda é entender seu papel na mixagem. Embora muitos artistas se sintam tentados a se exibir no palco, o excesso de virtuosismo pode confundir o público. A arte de ser musicalmente equilibrado, no entanto, parece cada vez mais rara. Ao ouvir álbuns clássicos do Jackson 5, como “I Want You Back”, fica claro como cada integrante contribuiu para o todo sem roubar a cena.
Michael Jackson, é claro, era o centro das atenções com sua voz poderosa. Mas o baixista Wilton Felder demonstrou que a linha de baixo pode ser tão cativante quanto o vocal. A batida sincopada que ele criou, sempre próxima do ritmo sem nunca cair exatamente nele, é um exemplo magistral de como a simplicidade pode ser funky e envolvente.
O Jackson 5 não apenas se destacou por suas harmonias vocais, mas também pela capacidade de criar grooves memoráveis. Para qualquer roqueiro atento, essa foi uma aula de como transformar uma base rítmica em algo único e contagiante, provando que, às vezes, menos é mais.
3. Papa Was A Rolling Stone – The Temptations
Nem toda canção lançada pela Motown foi feita para ser um sucesso instantâneo. Algumas precisam de espaço para respirar, mesmo que isso signifique fugir do formato tradicional de três minutos. No caso de “Papa Was a Rolling Stone”, dos The Temptations, a abordagem foi diferente. Já consagrados com hits na década de 1970, o grupo mergulhou em texturas rock, criando uma fusão que marcou época.
A versão single da música foi editada para cerca de seis minutos, mas a gravação original no estúdio ultrapassava os 12 minutos. Sem solos espetaculares ou momentos de virtuosismo, o foco estava em um riff hipnótico, repetido e explorado enquanto mantinha sua essência. Essa estrutura, embora pouco convencional para o rádio, mostrou como uma ideia simples pode ser expandida de maneira cativante.
A influência de “Papa Was a Rolling Stone” foi além do soul e do funk, inspirando bandas de jam session a explorar a dinâmica de grupo e a interação entre os músicos.
2. Sir Duke – Stevie Wonder
Stevie Wonder sempre explorou a soul music com sofisticação, mas “Sir Duke” levou essa abordagem a outro nível. Lançada em 1977 no álbum “Songs in the Key of Life”, a faixa não apenas se tornou um sucesso, mas também celebrou grandes nomes do jazz, como Duke Ellington, Count Basie e Louis Armstrong.
A estrutura musical da canção traz elementos ousados. O pré-refrão inclui acordes jazzísticos pouco comuns no pop, enquanto o refrão surpreende ao inserir uma harmonia fora da tonalidade principal sem comprometer a fluidez. Esse cuidado nos arranjos reflete a influência de músicos que dominaram a teoria e a improvisação.
O sucesso de “Sir Duke” mostrou que a soul music podia unir complexidade e apelo popular. Se Stevie Wonder conquistou as paradas com essa sonoridade, abriu caminho para que bandas como Steely Dan e Mahavishnu Orchestra também levassem arranjos sofisticados ao grande público.
1. What’s Going On – Marvin Gaye
No final dos anos 1960, o clima na música era mais sombrio do que antes. O chamado “Verão do Amor” acontecia enquanto a guerra do Vietnã seguia devastando vidas. Jovens voltavam para casa em caixões, e a ideia de paz parecia cada vez mais distante. Se os Beatles defendiam o amor como resposta, Marvin Gaye mostrava que enfrentar a realidade era a forma mais direta de protesto.
Curtis Mayfield também abordava questões sociais com precisão, mas “What’s Going On” trouxe uma mensagem clara e acessível. Em vez de apontar políticos específicos, Gaye preferiu expor o problema de forma universal. Já “Inner City Blues” tem um tom mais incisivo, mas foi “What’s Going On” que ajudou a ampliar a percepção de muitos roqueiros sobre o papel da música.
Mais do que apenas intérpretes, artistas tinham o poder de comunicar mensagens sociais e provocar mudanças. Marvin Gaye soube usar sua voz para questionar e sensibilizar, consolidando sua posição como uma das vozes mais importantes de seu tempo.
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