Sabe aquela história de podcast que de repente vira um comercial de 15 minutos? Pois é, isso não é coisa de agora. Lá nos primórdios do rádio, a coisa já era assim, e foi justamente essa mistura de música com propaganda que abriu as portas pra muita gente boa. Artistas que, de outra forma, talvez nunca tivessem saído das esquinas de suas cidades ou dos juke joints mais escondidos, encontraram nas ondas do rádio um caminho para o reconhecimento.
Era um tempo diferente, onde a voz que saía da caixa mágica na sala de estar podia mudar o destino de um músico. As rádios não eram apenas veículos de entretenimento; eram plataformas de lançamento, moldando a cultura e revelando talentos em um ritmo que hoje nos parece quase mágico, sem a pressa e a saturação da internet.
E o programa mais famoso dessa época? O “King Biscuit Time”, lá de Helena, Arkansas. Começou em 1941 e, acredite se quiser, tá no ar até hoje! É um dos programas de rádio mais antigos da história, uma verdadeira instituição. Em suas primeiras décadas, o “King Biscuit Time” se tornou um dos primeiros palcos para a galera do blues americano, com o mestre da gaita, Sonny Boy Williamson, comandando a festa.

Quem estava grudado no rádio, ouvindo tudo com atenção de sobra? Um moleque do Mississippi, um adolescente sonhador e aspirante a cantor chamado Riley B. King. Sim, o futuro B.B. King, que ainda não sabia a dimensão da lenda que se tornaria, mas já sentia a música correndo nas veias.
B.B. King contou em 1993, numa conversa com a Scripps Howard News, que o programa era patrocinado pela “King Biscuit Flour”. E ele fez questão de frisar, com um sorriso, que não tinha nada a ver com o sobrenome dele! Sonny Boy era a estrela, no ar 15 minutos por dia, de segunda a sexta, levando o blues para os lares do Sul.
Pra B.B. e um monte de outros jovens músicos daquela região, o “King Biscuit Time” era tipo um farol. De repente, a ideia de ser ouvido por mais gente, de ter a música alcançando além da própria comunidade, parecia real, palpável. Pra King, o programa foi uma baita inspiração enquanto ele lapidava a voz e o estilo lá em Indianola, Mississippi, nos seus dias mais humildes.
Naquela época, o jovem Riley sentava nas esquinas da cidadezinha dele pra tocar. Ele trabalhava duro na plantação, ganhando uns vinte e dois dólares por semana. Mas pensa só na reviravolta: numa tarde de sábado, tocando na rua, ele tirava cinquenta, sessenta, às vezes até cem dólares! Era uma fortuna para os padrões da época, um sinal claro de que a música tinha um poder diferente.
Nesta época ele cantava de tudo. Inclusive um monte de gospel antigo, que ele adorava. Mas logo sacou uma coisa que mudaria o rumo da sua vida: quem pedia gospel, na maioria das vezes, dava um elogio em vez de uma gorjeta. Um “que voz linda, meu filho” não pagava as contas.
Ele mesmo disse, com aquele jeito direto que só ele tinha: “Eles nunca davam gorjeta. Mas quem pedia blues, ah, esses davam uma gorjeta, ou até uma cerveja. Dá pra entender a motivação, né?” Com essa “motivação” bem clara em mente, King decidiu focar no blues, percebendo onde estava o verdadeiro retorno, tanto financeiro quanto de alma.
Com o blues no coração e a esperança de um futuro melhor, King partiu pra Memphis. Lá, conseguiu uma ponta no novo programa do Sonny Boy Williamson, o tal “King Biscuit” que tinha um spin-off na rádio KWEM. Essas aparições chamaram tanta atenção que logo ele ganhou um programa só dele na WDIA de Memphis.
O novo show era patrocinado por um tônico de saúde chamado Pepticon. Pra dar um “up” no programa e torná-lo mais atrativo, os produtores acharam que Riley King precisava de um nome mais marcante, algo que grudasse na cabeça do ouvinte. Foi aí que ele começou a se apresentar como “Beale Street Blues Boy” King.
Era uma homenagem direta à “Beale Street”, a rua mais famosa de Memphis, o coração pulsante da cena do blues da cidade. Um nome que carregava a essência do lugar e do som que ele fazia. Mas, como tudo na vida, o nome foi se adaptando.

O apelido foi encurtado pra “Blues Boy” e, por fim, virou só “B.B.”. Simples, direto e inesquecível. Assim nascia a lenda, o nome que o mundo inteiro aprenderia a amar e a reverenciar.
Nos cinquenta anos seguintes, o “Blues Boy” virou o bluesman mais respeitado e conhecido de todos. Ele não era apenas um músico; era uma força da natureza, um embaixador do blues. Ele influenciou desde a galera do rock britânico, que o ouvia com devoção, até os músicos que cresceram ouvindo ele no rádio em Memphis, sonhando em seguir seus passos.
Em 1995, B.B. resumiu o blues com uma sabedoria que só a vida pode dar: “Pra mim, blues é sobre gente, lugares e coisas. É um jeito de viver. O jeito que a gente viveu, o jeito que a gente vive e o jeito que eu acho que vamos viver. A gente sempre se preocupa com alguma coisa. A gente fala sobre isso. E muitas vezes, no fundo, é sobre um amor… Mas, no geral, é sempre algo que a gente quer expressar, quer deixar claro.” Uma definição que transcende a música e toca a própria alma humana.



