The Cure: A jornada sombria e melancólica

Marcelo Scherer
81 minutos de leitura
The Cure. Crédito: Tom Sheehan.

Quando Robert Smith subiu ao palco pela primeira vez com seus cabelos desgrenhados e maquiagem borrada, poucos poderiam imaginar que aquele jovem tímido de Crawley se tornaria uma das figuras mais reconhecíveis da música alternativa mundial. The Cure, formado em 1976, transcendeu as barreiras do tempo e dos gêneros musicais, construindo uma carreira que se estende por mais de quatro décadas e influenciou gerações inteiras de músicos e fãs ao redor do globo.

A banda britânica conseguiu algo raro na indústria musical: manter sua relevância artística enquanto explorava territórios sonoros completamente distintos, desde as melodias sombrias do pós-punk até as composições mais acessíveis do pop alternativo. Sua trajetória representa não apenas a evolução de um grupo musical, mas também o reflexo das transformações culturais e sociais que marcaram as últimas décadas do século XX e o início do XXI.

História

1973–1979: Formação e primeiros anos

A história do The Cure começou muito antes de sua formação oficial, nas salas de aula da Notre Dame Middle School em Horsham, West Sussex. Foi lá que Robert James Smith, nascido em 21 de abril de 1959, conheceu Laurence Andrew “Lol” Tolhurst, nascido em 3 de fevereiro de 1959. A amizade entre os dois jovens se desenvolveu rapidamente, alimentada por uma paixão compartilhada pela música que estava emergindo na cena britânica dos anos 1970.

Em 1973, ainda adolescentes, Smith e Tolhurst formaram sua primeira banda, chamada Malice. O grupo incluía também Michael “Mick” Dempsey no baixo e Porl Thompson na guitarra. Durante esses anos formativos, os jovens músicos experimentavam com diferentes sonoridades, influenciados pelo glam rock de David Bowie e pelo punk rock que começava a ganhar força no Reino Unido.

Malice (The Cure) 1976. Imagem: Reprodução Instagram.
Malice (The Cure) 1976. Imagem: Reprodução Instagram.

A transformação de Malice para Easy Cure aconteceu em 1976, quando a banda decidiu adotar um nome inspirado na música “Easy Cure” de Jimi Hendrix. Neste período, Porl Thompson deixou o grupo, e a formação se consolidou com Smith na guitarra e vocais, Tolhurst na bateria e Dempsey no baixo. A mudança de nome representava mais do que uma simples alteração cosmética; simbolizava a busca por uma identidade musical mais definida e madura.

Os primeiros anos da Easy Cure foram marcados por apresentações em pequenos clubes e pubs da região de Crawley. A banda desenvolveu um som que mesclava elementos do punk rock com melodias mais elaboradas, antecipando o que mais tarde seria conhecido como pós-punk. Smith, que inicialmente dividia os vocais com outros membros, gradualmente assumiu o papel de vocalista principal, desenvolvendo o estilo vocal distintivo que se tornaria uma marca registrada do grupo.

Em 1977, a banda gravou suas primeiras demos em um estúdio caseiro, registrando versões primitivas de músicas que mais tarde seriam refinadas e relançadas. Essas gravações iniciais revelavam uma banda ainda em busca de sua identidade, mas já demonstravam a capacidade de Smith para criar melodias cativantes e letras introspectivas.

O ano de 1978 marcou um ponto de virada crucial na história do grupo. Chris Parry, um executivo da Polydor Records que havia trabalhado com bandas como Sham 69, assistiu a uma apresentação da Easy Cure em um pequeno clube em Londres. Impressionado com o potencial da banda, Parry ofereceu um contrato de gravação, mas com uma condição: o grupo deveria encurtar seu nome para simplesmente “Cure”.

A decisão de aceitar a proposta de Parry e adotar o nome The Cure representou o início oficial da carreira profissional da banda. Em setembro de 1978, o grupo assinou com a Fiction Records, uma subsidiária da Polydor que Parry havia criado especificamente para trabalhar com artistas alternativos. Este movimento estratégico proporcionou ao The Cure a liberdade criativa necessária para desenvolver seu som único, sem as pressões comerciais típicas das grandes gravadoras.

O primeiro single oficial do The Cure, “Killing an Arab”, foi lançado em dezembro de 1978. A música, inspirada no romance “O Estrangeiro” de Albert Camus, gerou controvérsia devido ao seu título, que foi mal interpretado por alguns como uma declaração política. Smith posteriormente esclareceu que a canção era uma reflexão literária sobre o existencialismo e a alienação, temas que se tornariam centrais na obra da banda.

1980–1982: Fase gótica inicial

O início da década de 1980 marcou uma transformação radical na sonoridade e na imagem do The Cure. Após o lançamento de seu álbum de estreia “Three Imaginary Boys” em 1979, a banda embarcou em uma jornada musical que a levaria às profundezas do que mais tarde seria conhecido como rock gótico. Esta fase representou não apenas uma evolução artística, mas também uma resposta às mudanças sociais e políticas que caracterizavam a Inglaterra do início dos anos 1980.

A saída de Michael Dempsey em 1979, logo após o lançamento do primeiro álbum, forçou Smith e Tolhurst a repensar a direção musical da banda. Simon Gallup, um jovem baixista de Horley, foi recrutado para preencher a vaga, trazendo consigo uma abordagem mais agressiva e melódica ao instrumento. A chegada de Gallup coincidiu com um período de intensa criatividade para Smith, que começou a explorar temas mais sombrios e introspectivos em suas composições.

O álbum “Seventeen Seconds”, lançado em abril de 1980, representou uma ruptura completa com o som relativamente convencional do disco de estreia. Gravado em oito dias nos Pathway Studios em Londres, o álbum apresentava uma sonoridade minimalista e atmosférica, caracterizada por linhas de baixo hipnóticas, batidas de bateria mecânicas e guitarras etéreas. A produção, realizada pelo próprio Smith em colaboração com Mike Hedges, criava uma sensação de claustrofobia e melancolia que se tornaria a marca registrada da banda.

“A Forest”, o single principal do álbum, exemplificava perfeitamente a nova direção musical do The Cure. A música, com seus mais de cinco minutos de duração, construía uma atmosfera densa e opressiva através de repetições hipnóticas e arranjos minimalistas. A letra, que descrevia uma corrida desesperada através de uma floresta escura, funcionava como uma metáfora para a ansiedade e o desespero existencial que permeavam a obra da banda neste período.

A transformação visual do The Cure durante este período foi igualmente dramática. Smith adotou uma aparência andrógina, com cabelos desgrenhados, maquiagem pesada nos olhos e roupas pretas, criando uma imagem que se tornaria sinônimo do movimento gótico. Esta mudança estética não era meramente superficial; refletia uma filosofia artística que abraçava a melancolia, a introspecção e a exploração dos aspectos mais sombrios da experiência humana.

O sucesso de “Seventeen Seconds” estabeleceu The Cure como uma das principais bandas da emergente cena pós-punk britânica. O álbum alcançou a 20ª posição nas paradas britânicas, um feito notável para uma banda que havia adotado uma sonoridade tão experimental e não-comercial. A crítica musical recebeu o trabalho com entusiasmo, reconhecendo a originalidade e a coragem artística demonstradas pelo grupo.

Em 1981, a banda lançou “Faith”, um álbum ainda mais sombrio e experimental que “Seventeen Seconds”. Gravado novamente com Mike Hedges, o disco explorava territórios sonoros ainda mais extremos, com composições que se estendiam por longos períodos e criavam paisagens sonoras desoladoras. “Charlotte Sometimes”, o single principal do álbum, demonstrava a capacidade da banda de criar melodias memoráveis mesmo dentro de estruturas musicais não-convencionais.

A turnê de “Faith” consolidou a reputação do The Cure como uma das mais poderosas bandas ao vivo da época. As apresentações, caracterizadas por uma iluminação dramática e uma atmosfera teatral, transformavam os concertos em experiências quase rituais. Smith, com sua presença de palco hipnótica e sua entrega emocional intensa, estabeleceu-se como um dos frontmen mais carismáticos de sua geração.

O período culminou com o lançamento de “Pornography” em maio de 1982, um álbum que levou a estética gótica do The Cure ao seu extremo lógico. Considerado por muitos como o trabalho mais sombrio e desafiador da banda, “Pornography” apresentava composições densas e claustrofóbicas que exploravam temas de depressão, alienação e desespero existencial. A produção, mais uma vez realizada por Smith e Hedges, criava uma parede de som opressiva que envolvia o ouvinte em uma atmosfera de desconforto e tensão.

1983–1988: Sucesso comercial

A transformação do The Cure de uma banda cult gótica para um fenômeno comercial global começou de forma inesperada em 1983. Após o lançamento do intenso “Pornography”, muitos esperavam que a banda continuasse explorando territórios cada vez mais sombrios. No entanto, Robert Smith surpreendeu a todos ao decidir explorar uma direção musical completamente oposta, abraçando melodias mais acessíveis e uma abordagem mais lúdica à composição.

O single “Let’s Go to Bed”, lançado em novembro de 1982, sinalizou esta mudança radical de direção. A música apresentava uma sonoridade dance-pop contagiante, com sintetizadores brilhantes e uma melodia irresistivelmente cativante. Esta transformação não foi bem recebida inicialmente por parte da base de fãs góticos da banda, que se sentiu traída pela aparente comercialização do som do The Cure. No entanto, a música alcançou sucesso nas paradas de dance clubs e introduziu a banda a um público completamente novo.

A estratégia de Smith de alternar entre diferentes estilos musicais se tornou mais evidente com o lançamento de “The Walk” em 1983, seguido por “The Love Cats” no mesmo ano. Esta última música, em particular, demonstrava a versatilidade composicional de Smith, incorporando elementos de jazz e música latina em uma estrutura pop acessível. O videoclipe de “The Love Cats”, dirigido por Tim Pope, apresentava a banda em uma performance lúdica e teatral que contrastava drasticamente com a seriedade sombria de seus trabalhos anteriores.

O álbum “The Top”, lançado em maio de 1984, representou um momento de experimentação extrema na carreira da banda. Gravado principalmente por Smith e Lol Tolhurst, com contribuições mínimas de outros músicos, o álbum explorava sonoridades psicodélicas e experimentais que confundiram tanto críticos quanto fãs. Músicas como “The Caterpillar” e “Birdmad Girl” apresentavam arranjos complexos e letras surrealistas que demonstravam a disposição de Smith para assumir riscos artísticos.

A verdadeira virada comercial do The Cure veio com o lançamento de “The Head on the Door” em agosto de 1985. Este álbum conseguiu a façanha de combinar a acessibilidade comercial com a integridade artística, apresentando algumas das composições mais memoráveis da carreira da banda. “Close to Me”, com seu videoclipe inovador dirigido por Tim Pope, tornou-se um dos maiores sucessos da banda, alcançando o top 30 nas paradas britânicas e estabelecendo The Cure como uma presença constante na MTV.

“In Between Days”, outro destaque do álbum, exemplificava a capacidade de Smith para criar melodias pop perfeitas sem sacrificar a profundidade emocional que caracterizava o trabalho da banda. A música combinava guitarras jangly reminiscentes do indie pop com a voz distintiva de Smith, criando um som que era simultaneamente familiar e inovador. O sucesso comercial do álbum foi acompanhado por aclamação crítica, com muitos revisores elogiando a habilidade da banda para evoluir sem perder sua identidade essencial.

A formação da banda durante este período também se estabilizou com a adição de membros-chave que contribuiriam significativamente para o som do The Cure. Porl Thompson retornou à banda em 1984, trazendo suas habilidades de guitarrista e sua experiência com instrumentos alternativos. Boris Williams juntou-se como baterista em 1984, substituindo Andy Anderson e trazendo uma abordagem mais dinâmica e versátil ao instrumento.

O álbum “Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me”, lançado em maio de 1987, representou o auge da fase comercial da banda. Este álbum duplo apresentava uma diversidade estilística impressionante, alternando entre baladas melancólicas, rockers energéticos e experimentações psicodélicas. “Just Like Heaven”, o single principal do álbum, tornou-se uma das músicas mais reconhecíveis da banda, combinando uma melodia irresistível com letras romanticamente melancólicas.

O sucesso de “Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me” foi fenomenal, alcançando o top 10 em vários países e estabelecendo The Cure como uma das principais bandas de rock alternativo do mundo. A turnê que acompanhou o lançamento do álbum incluiu apresentações em estádios e festivais importantes, consolidando a reputação da banda como uma das mais poderosas atrações ao vivo da época.

Durante este período, The Cure também se estabeleceu como pioneiro na criação de videoclipes inovadores. A parceria com o diretor Tim Pope resultou em uma série de vídeos visualmente impressionantes que complementavam perfeitamente a música da banda. Estes videoclipes, frequentemente exibidos na MTV, ajudaram a expandir o alcance da banda para audiências internacionais e estabeleceram Smith como um ícone visual reconhecível globalmente.

1989–1993: Disintegration e estrelato mundial

O final da década de 1980 encontrou Robert Smith em um momento de profunda reflexão pessoal e artística. Aos 30 anos, o líder do The Cure enfrentava questões existenciais sobre envelhecimento, mortalidade e o significado da vida, temas que se tornariam centrais no que muitos consideram a obra-prima da banda: “Disintegration”. Este período representou não apenas um retorno às raízes mais sombrias do grupo, mas também sua consagração definitiva como uma das forças mais importantes da música alternativa mundial.

A criação de “Disintegration” foi um processo longo e meticuloso que começou em 1988. Smith, insatisfeito com a direção cada vez mais comercial que a banda havia tomado, decidiu retornar às sonoridades atmosféricas e melancólicas que caracterizaram os primeiros álbuns do The Cure. O processo de composição foi intensamente pessoal, com Smith explorando temas de depressão, isolamento e desilusão que refletiam seu estado mental na época.

O álbum foi gravado nos Hookend Recording Studios em Oxfordshire durante o inverno de 1988-1989, um período que Smith posteriormente descreveu como um dos mais sombrios de sua vida. A produção, realizada por Smith em colaboração com Dave Allen, criava paisagens sonoras expansivas e atmosféricas que serviam como pano de fundo perfeito para as meditações existenciais do vocalista. Cada música foi cuidadosamente construída em camadas, com guitarras etéreas, sintetizadores atmosféricos e seções rítmicas hipnóticas criando uma sensação de imensidão e melancolia.

“Disintegration”, lançado em maio de 1989, foi recebido com aclamação crítica universal. O álbum apresentava oito composições extensas, cada uma explorando diferentes aspectos da condição humana através da lente distintiva de Smith. “Lullaby”, o primeiro single, combinava uma melodia aparentemente inocente com letras perturbadoras sobre pesadelos e ansiedade, criando uma tensão que exemplificava perfeitamente a abordagem artística do álbum.

“Lovesong”, talvez a faixa mais acessível do álbum, demonstrava a capacidade de Smith para criar declarações de amor profundamente emotivas dentro de estruturas musicais relativamente simples. A música, escrita como um presente de casamento para sua esposa Mary, alcançou o segundo lugar nas paradas americanas, tornando-se o maior sucesso comercial da banda nos Estados Unidos. Este sucesso ajudou a introduzir The Cure a uma audiência mainstream americana que anteriormente havia sido resistente ao som mais experimental da banda.

“Pictures of You”, uma épica de mais de sete minutos, representava o The Cure em sua forma mais ambiciosa e emotiva. A música construía lentamente uma atmosfera de nostalgia e perda através de arranjos elaborados e letras evocativas que exploravam temas de memória e saudade. O videoclipe da música, dirigido por Tim Pope, apresentava imagens oníricas que complementavam perfeitamente a natureza cinematográfica da composição.

O sucesso comercial de “Disintegration” foi extraordinário, alcançando o top 10 em vários países e estabelecendo The Cure como uma das principais bandas de rock do mundo. Nos Estados Unidos, o álbum alcançou a 12ª posição na Billboard 200, marcando a primeira vez que a banda penetrou significativamente no mercado americano. A crítica musical foi igualmente entusiástica, com muitos revisores elogiando a profundidade emocional e a sofisticação musical do trabalho.

A turnê mundial que acompanhou “Disintegration” foi uma das mais ambiciosas da carreira da banda. As apresentações, caracterizadas por produções elaboradas e setlists extensos que frequentemente ultrapassavam três horas, estabeleceram novos padrões para shows de rock alternativo. Smith, com sua presença de palco hipnótica e sua entrega emocional intensa, confirmou sua posição como um dos performers mais carismáticos de sua geração.

Em 1990, a banda lançou “Mixed Up”, uma coletânea de remixes que explorava as possibilidades dance das composições do The Cure. O álbum, que incluía reinterpretações radicais de clássicos como “Close to Me” e “A Forest”, demonstrava a versatilidade das composições de Smith e sua capacidade de transcender gêneros musicais. O sucesso de “Mixed Up” nas paradas de dance music introduziu a banda a audiências completamente novas e influenciou uma geração de produtores eletrônicos.

O período culminou com o lançamento de “Wish” em abril de 1992, um álbum que conseguiu combinar a profundidade artística de “Disintegration” com uma acessibilidade comercial ainda maior. “Friday I’m in Love”, o single principal, tornou-se um dos maiores sucessos da banda, alcançando o top 10 em vários países e estabelecendo-se como um hino pop atemporal. A música demonstrava a capacidade única de Smith para criar melodias irresistivelmente cativantes que permaneciam na mente do ouvinte por dias.

“High”, outro destaque do álbum, apresentava uma energia rock mais direta que contrastava com as baladas atmosféricas pelas quais a banda era mais conhecida. A diversidade estilística de “Wish” refletia a confiança artística que The Cure havia desenvolvido ao longo de sua carreira, demonstrando sua capacidade de explorar diferentes territórios musicais sem perder sua identidade essencial.

1994–1998: Transição

O período de meados dos anos 1990 representou uma fase de profundas mudanças e experimentação para The Cure, marcada por transformações na formação da banda, explorações sonoras em novas direções e uma busca constante por renovação artística. Esta era de transição coincidiu com mudanças significativas na indústria musical e no cenário cultural mais amplo, forçando a banda a repensar sua abordagem tanto criativa quanto comercial.

A primeira grande mudança veio em 1993, quando Lol Tolhurst, membro fundador e figura central na história da banda, foi oficialmente afastado do grupo após anos de tensões crescentes. A saída de Tolhurst, que havia sido gradualmente marginalizado nas decisões criativas da banda, marcou o fim de uma era e forçou Smith a assumir ainda mais controle sobre a direção artística do The Cure. Esta mudança, embora dolorosa pessoalmente, permitiu que a banda explorasse novos territórios sonoros sem as limitações impostas por dinâmicas internas complicadas.

Boris Williams, que havia se juntado à banda como baterista em 1984, assumiu um papel ainda mais proeminente na nova formação. Sua abordagem técnica e versátil ao instrumento proporcionou uma base rítmica sólida que permitiu ao The Cure explorar sonoridades mais complexas e experimentais. A química entre Williams, Simon Gallup no baixo e Porl Thompson nas guitarras criou uma seção rítmica dinâmica que se tornaria fundamental para o som da banda durante este período.

O álbum “Wild Mood Swings”, lançado em maio de 1996, exemplificou perfeitamente o espírito experimental desta fase de transição. O título do álbum refletia acuradamente a diversidade estilística das composições, que alternavam entre baladas melancólicas, rockers energéticos e experimentações eletrônicas. Esta abordagem eclética confundiu alguns críticos e fãs, que esperavam uma continuação mais direta do som estabelecido em “Wish”.

“The 13th”, o single principal de “Wild Mood Swings”, apresentava uma sonoridade mais pesada e guitarrística que contrastava com as melodias pop mais acessíveis dos álbuns anteriores. A música explorava temas de superstição e ansiedade através de arranjos densos e uma produção mais agressiva. Embora não tenha alcançado o sucesso comercial de singles anteriores, “The 13th” demonstrava a disposição da banda para assumir riscos artísticos e explorar novos territórios sonoros.

“Mint Car”, outro destaque do álbum, apresentava uma abordagem mais lúdica e experimental, incorporando elementos de música eletrônica e dance em uma estrutura pop relativamente convencional. A música refletia a influência da emergente cena eletrônica britânica na obra da banda, demonstrando a capacidade de Smith para absorver e reinterpretar influências contemporâneas através da lente distintiva do The Cure.

A recepção crítica de “Wild Mood Swings” foi mista, com alguns revisores elogiando a ambição experimental do álbum enquanto outros criticavam sua falta de coesão estilística. O sucesso comercial também foi mais modesto comparado aos álbuns anteriores, alcançando posições respeitáveis nas paradas mas sem gerar os sucessos massivos que haviam caracterizado os lançamentos dos anos 1980 e início dos 1990.

Durante este período, The Cure também enfrentou mudanças significativas em sua situação contratual. A banda deixou a Fiction Records, sua casa discográfica de longa data, e assinou com a Elektra Records nos Estados Unidos e a Geffen Records internacionalmente. Esta mudança proporcionou novos recursos e oportunidades de marketing, mas também trouxe pressões comerciais diferentes que influenciaram a abordagem da banda à criação e promoção de música.

A turnê de “Wild Mood Swings” revelou uma banda em processo de redefinição de sua identidade ao vivo. As apresentações incorporavam elementos visuais mais elaborados e uma produção técnica mais sofisticada, refletindo os padrões crescentes da indústria de entretenimento ao vivo. Smith, sempre um performer carismático, adaptou sua presença de palco para acomodar as novas sonoridades e a energia diferente das composições mais recentes.

Em 1997, a banda lançou “Galore”, uma coletânea de singles que abrangia o período de 1987 a 1997. O álbum incluía também algumas faixas inéditas, incluindo “Wrong Number”, uma colaboração com a banda de trip-hop Dinosaur Jr. Esta coletânea serviu como uma retrospectiva da fase mais comercialmente bem-sucedida da banda, ao mesmo tempo em que sinalizava uma disposição para explorar colaborações e influências externas.

A inclusão de remixes e versões alternativas em “Galore” refletia a crescente importância da cultura remix na música popular dos anos 1990. The Cure, que havia sido pioneiro nesta área com “Mixed Up” em 1990, continuou a explorar as possibilidades criativas oferecidas pela reinterpretação de suas próprias composições através de diferentes lentes estilísticas.

1999–2005: A Trilogia e mais mudanças na formação

O final do século XX e o início do novo milênio marcaram um período de intensa criatividade e renovação artística para The Cure. Robert Smith, aproximando-se dos 40 anos, embarcou em um projeto ambicioso que resultaria em uma trilogia de álbuns que exploravam diferentes aspectos da experiência humana e da expressão musical. Este período, conhecido pelos fãs como “A Trilogia”, representou uma tentativa consciente de Smith de criar uma declaração artística definitiva que abrangesse toda a gama emocional e estilística que The Cure havia desenvolvido ao longo de sua carreira.

A concepção da trilogia surgiu da frustração de Smith com as limitações impostas pelo formato tradicional do álbum. Ele visualizava um projeto que permitiria à banda explorar completamente diferentes estados emocionais e sonoridades sem as restrições comerciais típicas. A ideia era criar três álbuns distintos: um focado em sonoridades mais sombrias e atmosféricas, outro explorando melodias pop mais acessíveis, e um terceiro dedicado a experimentações e sonoridades mais extremas.

O primeiro álbum da trilogia, “Bloodflowers”, foi lançado em fevereiro de 2000. Concebido como um retorno às raízes góticas e atmosféricas da banda, o álbum apresentava composições longas e meditativas que exploravam temas de mortalidade, perda e reflexão existencial. Smith descreveu o álbum como o terceiro de uma trilogia não-oficial que incluía “Disintegration” e “Pornography”, posicionando-o como uma conclusão natural da exploração da banda de territórios sonoros mais sombrios.

“Out of This World”, a faixa de abertura de “Bloodflowers”, estabelecia imediatamente o tom melancólico e introspectivo do álbum. A composição de mais de seis minutos construía lentamente uma atmosfera de contemplação e nostalgia através de arranjos elaborados e letras evocativas. A produção, realizada por Smith em colaboração com Paul Corkett, criava paisagens sonoras expansivas que serviam como pano de fundo perfeito para as meditações existenciais do vocalista.

“Maybe Someday”, o single principal do álbum, demonstrava a capacidade contínua de Smith para criar melodias memoráveis mesmo dentro de estruturas musicais complexas e atmosféricas. A música combinava elementos familiares do som do The Cure com uma maturidade composicional que refletia a experiência acumulada da banda ao longo de mais de duas décadas de carreira.

A recepção crítica de “Bloodflowers” foi amplamente positiva, com muitos revisores elogiando o retorno da banda a suas raízes mais sombrias e a profundidade emocional das composições. O álbum alcançou posições respeitáveis nas paradas internacionais, demonstrando que ainda existia uma audiência significativa para o som mais experimental e atmosférico do The Cure.

Durante este período, a banda também enfrentou mudanças significativas em sua formação. Porl Thompson deixou o grupo em 2001, citando diferenças criativas e o desejo de explorar outros projetos musicais. Sua saída representou a perda de um colaborador de longa data que havia contribuído significativamente para o desenvolvimento do som da banda desde os anos 1980.

A substituição de Thompson por Perry Bamonte, que havia trabalhado anteriormente como técnico de guitarra da banda, representou uma transição relativamente suave. Bamonte, familiarizado com o repertório e a abordagem musical do The Cure, conseguiu manter a continuidade sonora enquanto trazia suas próprias contribuições criativas para o grupo.

Em 2004, a banda lançou “The Cure”, um álbum que representava o segundo volume da trilogia planejada por Smith. Este trabalho explorava sonoridades mais acessíveis e melodias pop, contrastando deliberadamente com a atmosfera sombria de “Bloodflowers”. O álbum apresentava uma produção mais limpa e direta, com ênfase em melodias cativantes e arranjos mais convencionais.

“The End of the World”, o single principal do álbum, exemplificava perfeitamente a abordagem mais direta adotada pela banda neste trabalho. A música combinava uma melodia irresistivelmente cativante com letras que exploravam temas de amor e perda através de uma lente mais otimista que as composições anteriores. O sucesso comercial moderado da música demonstrou que The Cure ainda possuía a capacidade de criar hits pop eficazes quando desejava.

“Taking Off”, outra faixa destacada do álbum, apresentava uma energia rock mais direta que havia estado ausente do trabalho da banda por vários anos. A música demonstrava a versatilidade contínua do grupo e sua capacidade de explorar diferentes territórios estilísticos sem perder sua identidade essencial.

A turnê que acompanhou o lançamento de “The Cure” foi notável por sua produção elaborada e pela inclusão de um repertório que abrangia toda a carreira da banda. As apresentações, frequentemente estendendo-se por mais de três horas, permitiam ao grupo explorar tanto as novas composições quanto os clássicos estabelecidos, criando experiências ao vivo que satisfaziam tanto fãs antigos quanto novos.

2006–2015: 4:13 Dream e Reflections

A primeira década do século XXI trouxe novos desafios e oportunidades para The Cure, à medida que a indústria musical passava por transformações radicais impulsionadas pela revolução digital. Durante este período, a banda navegou cuidadosamente entre a manutenção de sua relevância artística e a adaptação às novas realidades do mercado musical, resultando em alguns dos trabalhos mais reflexivos e experimentais de sua carreira.

O álbum “4:13 Dream”, lançado em outubro de 2008, representou uma síntese das diferentes fases criativas pelas quais The Cure havia passado ao longo de sua carreira. O título, uma referência ao tempo exato em que Smith frequentemente acordava durante o período de composição, refletia a natureza onírica e introspectiva das composições. Este trabalho foi concebido como o terceiro e final volume da trilogia iniciada com “Bloodflowers”, explorando territórios sonoros que combinavam elementos experimentais com melodias mais acessíveis.

A criação de “4:13 Dream” foi um processo particularmente colaborativo, com Smith trabalhando mais estreitamente com os outros membros da banda do que havia feito em projetos anteriores. Esta abordagem resultou em composições que refletiam as contribuições individuais de cada músico, criando uma sonoridade mais orgânica e dinâmica que contrastava com o controle mais rígido exercido por Smith em álbuns anteriores.

“The Only One”, o single principal do álbum, exemplificava perfeitamente a abordagem mais colaborativa adotada pela banda. A música apresentava uma melodia cativante construída sobre uma base rítmica sólida fornecida por Simon Gallup e Jason Cooper, que havia substituído Boris Williams na bateria em 1996. A produção, realizada por Keith Uddin em colaboração com Smith, criava um som mais imediato e direto que contrastava com as paisagens sonoras mais atmosféricas dos álbuns anteriores.

“Freakshow”, outra faixa destacada do álbum, demonstrava a disposição contínua da banda para explorar territórios sonoros mais experimentais. A música incorporava elementos de música eletrônica e industrial em uma estrutura rock relativamente convencional, criando uma tensão interessante entre familiaridade e inovação. As letras, que exploravam temas de alienação e espetacularização da sociedade contemporânea, refletiam as preocupações de Smith com as mudanças culturais e tecnológicas do início do século XXI.

A recepção crítica de “4:13 Dream” foi geralmente positiva, com muitos revisores elogiando a energia renovada da banda e a qualidade das composições. No entanto, o sucesso comercial foi mais modesto, refletindo as mudanças na indústria musical e os desafios enfrentados por bandas estabelecidas em um mercado cada vez mais fragmentado e dominado por artistas mais jovens.

Durante este período, The Cure também embarcou em uma série de turnês retrospectivas que celebravam marcos específicos de sua carreira. Em 2004, a banda realizou a “Trilogy” tour, apresentando os álbuns “Pornography”, “Disintegration” e “Bloodflowers” em sua totalidade durante três noites consecutivas em várias cidades. Esta abordagem inovadora permitiu aos fãs experimentar estes trabalhos conceituais como foram originalmente concebidos, criando experiências ao vivo únicas e memoráveis.

A “Reflections” tour de 2011 levou este conceito ainda mais longe, com a banda apresentando sua discografia completa ao longo de múltiplas noites em cada cidade. Este projeto ambicioso demonstrou não apenas a profundidade e qualidade do catálogo do The Cure, mas também a dedicação da banda em proporcionar experiências ao vivo excepcionais para seus fãs. As apresentações foram meticulosamente planejadas, com cada álbum recebendo uma produção visual específica que complementava sua atmosfera musical particular.

The Cure: Da esquerda pra direita Roger O’Donnell, Robert Smith, Simon Gallup eJason Cooper na Reflections tour em Beacon Theater. Crédito: Chad Batka/NY Times.

Em 2012, The Cure foi induzido ao Rock and Roll Hall of Fame, um reconhecimento oficial de sua influência e importância na história da música popular. A cerimônia de indução, realizada em Cleveland, Ohio, apresentou apresentações de algumas das músicas mais conhecidas da banda e discursos que destacaram sua contribuição para o desenvolvimento do rock alternativo e sua influência em gerações subsequentes de músicos.

Durante este período, a banda também enfrentou mudanças adicionais em sua formação. Porl Thompson retornou ao grupo em 2005, trazendo de volta sua contribuição guitarra distintiva e sua experiência com instrumentos alternativos. Sua volta foi bem recebida pelos fãs, que apreciavam a química musical que ele havia desenvolvido com Smith ao longo dos anos.

A crescente importância das mídias sociais e plataformas digitais durante este período forçou The Cure a adaptar suas estratégias de comunicação e promoção. Smith, tradicionalmente relutante em relação à exposição midiática excessiva, gradualmente abraçou estas novas ferramentas como meios de manter contato direto com os fãs e promover os projetos da banda.

2017–presente: Songs of a Lost World

Após um hiato de mais de uma década sem lançar material inédito, The Cure retornou em 2024 com “Songs of a Lost World”, um álbum que muitos críticos e fãs consideraram um retorno triunfal à forma artística que havia estabelecido a banda como uma das forças mais importantes da música alternativa. Este período representou não apenas uma renovação criativa, mas também uma reflexão madura sobre temas de mortalidade, perda e o significado da arte em um mundo em constante transformação.

A gestação de “Songs of a Lost World” foi um processo longo e meticuloso que refletiu a abordagem perfeccionista de Robert Smith à criação musical. Durante os anos que antecederam o lançamento, Smith trabalhou em dezenas de composições, refinando constantemente as letras e arranjos até alcançar o padrão de qualidade que considerava apropriado para um novo álbum do The Cure. Esta dedicação à excelência artística, embora resultasse em longos períodos entre lançamentos, garantiu que cada novo trabalho da banda mantivesse a relevância e o impacto que os fãs esperavam.

O álbum foi gravado nos Rockfield Studios no País de Gales, o mesmo local onde bandas como Queen e Black Sabbath haviam criado alguns de seus trabalhos mais memoráveis. A escolha do estúdio refletiu o desejo de Smith de criar um ambiente que favorecesse a concentração e a criatividade, longe das distrações da vida urbana moderna. A produção foi realizada pelo próprio Smith em colaboração com Paul Corkett, uma parceria que havia provado ser frutífera em projetos anteriores.

“Alone”, a faixa de abertura do álbum, estabelecia imediatamente o tom contemplativo e melancólico que permeava todo o trabalho. A composição, que se estendia por mais de seis minutos, construía lentamente uma atmosfera de isolamento e reflexão através de arranjos elaborados e letras que exploravam temas de solidão e alienação na era digital. A música demonstrava que, mesmo após décadas de carreira, Smith mantinha sua capacidade de criar paisagens sonoras emotivamente poderosas.

“A Fragile Thing”, o primeiro single do álbum, exemplificava perfeitamente a maturidade artística que The Cure havia alcançado. A música combinava elementos familiares do som da banda com uma sofisticação composicional que refletia a experiência acumulada ao longo de mais de quatro décadas de carreira. As letras, que exploravam a fragilidade das relações humanas e a natureza efêmera da existência, ressoavam particularmente com uma audiência que havia envelhecido junto com a banda.

A recepção crítica de “Songs of a Lost World” foi extraordinariamente positiva, com muitos revisores elogiando o retorno da banda a suas raízes mais atmosféricas e a profundidade emocional das composições. O álbum foi descrito por vários críticos como o melhor trabalho da banda desde “Disintegration”, um elogio significativo considerando o status quase mítico daquele álbum na discografia do The Cure.

O sucesso comercial do álbum também foi notável, alcançando o primeiro lugar nas paradas britânicas e posições elevadas em vários outros países. Este sucesso demonstrou que ainda existia uma audiência significativa para o som distintivo do The Cure, mesmo em um mercado musical dominado por gêneros e artistas completamente diferentes.

A turnê que acompanhou o lançamento de “Songs of a Lost World” foi uma das mais ambiciosas da carreira da banda. As apresentações, caracterizadas por produções visuais elaboradas e setlists que abrangiam toda a carreira do grupo, atraíram audiências multigeneracionais que incluíam tanto fãs de longa data quanto descobridores mais recentes da música da banda. Smith, agora com mais de 60 anos, demonstrou que mantinha toda a energia e carisma que haviam feito dele um dos performers mais carismáticos de sua geração.

Durante este período, The Cure também embarcou em vários projetos especiais que celebravam marcos específicos de sua carreira. Em 2019, a banda realizou uma série de concertos no Hyde Park em Londres para comemorar o 40º aniversário de sua carreira profissional. Estas apresentações, que atraíram mais de 65.000 pessoas, demonstraram a capacidade contínua da banda de atrair grandes audiências e sua relevância duradoura na cultura popular britânica.

A formação atual da banda, estabilizada ao longo dos anos 2010, inclui Smith nos vocais e guitarra, Simon Gallup no baixo, Jason Cooper na bateria, Roger O’Donnell nos teclados e Reeves Gabrels na guitarra. Esta formação combina veteranos de longa data com adições mais recentes, criando uma dinâmica musical que honra a tradição da banda enquanto permite espaço para novas influências e abordagens criativas.

Estilo musical

A evolução estilística do The Cure ao longo de mais de quatro décadas representa uma das jornadas musicais mais fascinantes e diversificadas da música popular contemporânea. Desde suas origens no pós-punk até sua posição atual como uma das bandas mais influentes do rock alternativo, o grupo conseguiu a façanha rara de manter uma identidade sonora distintiva enquanto explorava territórios musicais vastamente diferentes.

A base do som do The Cure reside na abordagem única de Robert Smith à composição e arranjo musical. Smith desenvolveu uma linguagem musical distintiva que combina melodias memoráveis com atmosferas densas e emotivas, criando composições que funcionam simultaneamente como canções pop acessíveis e como paisagens sonoras complexas. Esta dualidade tornou-se uma marca registrada da banda, permitindo que suas músicas alcançassem tanto audiências mainstream quanto nichos mais especializados.

A guitarra de Smith é caracterizada por um uso extensivo de efeitos, particularmente chorus, delay e reverb, que criam as texturas atmosféricas que se tornaram sinônimo do som do The Cure. Sua abordagem ao instrumento privilegia a criação de ambientes sonoros sobre a virtuosidade técnica, resultando em partes de guitarra que servem mais como elementos texturais do que como linhas melódicas convencionais. Esta filosofia influenciou profundamente o desenvolvimento do rock alternativo e do shoegaze nas décadas seguintes.

O baixo de Simon Gallup desempenha um papel fundamental na definição do som da banda. Sua abordagem melódica ao instrumento, influenciada tanto pelo punk rock quanto pelo dub reggae, cria linhas de baixo que frequentemente funcionam como elementos melódicos principais nas composições. A química musical entre Gallup e Smith, desenvolvida ao longo de décadas de colaboração, tornou-se um dos aspectos mais distintivos do som do The Cure.

A seção rítmica da banda evoluiu significativamente ao longo dos anos, refletindo as diferentes fases criativas pelas quais o grupo passou. Durante o período inicial com Lol Tolhurst, a bateria apresentava uma abordagem mais minimalista e mecânica que complementava perfeitamente as atmosferas sombrias dos primeiros álbuns. A chegada de Boris Williams trouxe uma dinâmica mais versátil e técnica, permitindo à banda explorar territórios sonoros mais complexos e variados.

O uso de teclados e sintetizadores sempre foi um elemento importante na sonoridade do The Cure, embora sua proeminência tenha variado ao longo dos diferentes períodos da banda. Durante a fase gótica inicial, os teclados forneciam texturas atmosféricas sutis que complementavam as guitarras. Na era comercial dos anos 1980, eles assumiram papéis mais proeminentes, criando as melodias cativantes que caracterizaram sucessos como “Just Like Heaven” e “Close to Me”.

A abordagem vocal de Smith é outro elemento distintivo do som da banda. Sua voz, caracterizada por um timbre único e uma entrega emocional intensa, consegue transmitir uma ampla gama de emoções, desde a melancolia profunda até a alegria exuberante. Smith desenvolveu várias técnicas vocais distintivas, incluindo o uso de falsetes etéreos e sussurros íntimos, que se tornaram marcas registradas de sua performance.

As letras de Smith constituem um aspecto fundamental da identidade artística do The Cure. Seus textos exploram temas universais como amor, perda, mortalidade e alienação através de uma linguagem poética que combina imagens concretas com metáforas abstratas. A capacidade de Smith para articular experiências emocionais complexas de forma acessível contribuiu significativamente para o apelo duradouro da banda.

A produção musical sempre foi uma prioridade para The Cure, com Smith assumindo frequentemente o papel de produtor ou co-produtor de seus álbuns. Esta abordagem permite um controle criativo total sobre o som final, resultando em gravações que refletem precisamente a visão artística da banda. A atenção aos detalhes na produção, desde a escolha de microfones até o uso de efeitos específicos, contribui para a qualidade sonora distintiva que caracteriza os álbuns da banda.

Videoclipes

A contribuição do The Cure para a arte do videoclipe representa um capítulo fundamental na história da música visual, estabelecendo padrões estéticos e narrativos que influenciaram profundamente o desenvolvimento do medium. A parceria de longa data entre a banda e o diretor Tim Pope resultou em uma série de vídeos que transcenderam sua função promocional original para se tornarem obras de arte visual por direito próprio.

A colaboração entre The Cure e Tim Pope começou em 1982 com o videoclipe de “Let’s Go to Bed”, marcando o início de uma das parcerias mais frutíferas entre uma banda e um diretor na história da música popular. Pope, com sua formação em arte e design, trouxe uma sensibilidade visual única que complementava perfeitamente a música atmosférica da banda. Sua abordagem cinematográfica aos videoclipes elevou o padrão da produção visual na indústria musical.

O videoclipe de “The Love Cats” (1983) exemplificou perfeitamente a química criativa entre a banda e Pope. O vídeo apresentava os membros da banda em uma performance teatral e lúdica que contrastava dramaticamente com a seriedade sombria de seus trabalhos anteriores. A direção de Pope incorporava elementos de comédia física e surrealismo visual que criavam uma experiência visual única e memorável.

“Close to Me” (1985) representou um marco na evolução dos videoclipes do The Cure. O conceito, que apresentava a banda performando dentro de um armário que eventualmente cai de um penhasco, demonstrava a disposição de Pope para explorar narrativas não-convencionais e metáforas visuais complexas. A produção elaborada e os efeitos especiais inovadores estabeleceram novos padrões para a qualidade técnica dos videoclipes da época.

O videoclipe de “Just Like Heaven” (1987) consolidou a reputação do The Cure como pioneiro na criação de vídeos musicais inovadores. A direção de Pope criava uma atmosfera onírica que complementava perfeitamente a natureza romântica e melancólica da música. O uso de técnicas cinematográficas avançadas, incluindo câmera lenta e efeitos de iluminação elaborados, resultou em um vídeo que funcionava tanto como peça promocional quanto como obra de arte visual independente.

“Lullaby” (1989) representou talvez o auge da colaboração criativa entre The Cure e Tim Pope. O vídeo, que apresentava Smith sendo perseguido por uma criatura aracnídea gigante, explorava temas de pesadelos e ansiedade através de uma narrativa visual perturbadora e fascinante. A produção elaborada, que incluía efeitos especiais inovadores e cenários surrealistas, criou uma experiência visual que permanece impressionante décadas após seu lançamento original.

A técnica cinematográfica empregada em “Lullaby” demonstrava a evolução da parceria entre Pope e a banda. O diretor utilizou uma combinação de filmagem em estúdio e locações externas para criar uma atmosfera claustrofóbica que espelhava perfeitamente o conteúdo lírico da música. A performance de Smith, alternando entre vulnerabilidade e terror, estabeleceu novos padrões para a atuação em videoclipes musicais.

“Pictures of You” (1990) apresentou uma abordagem mais contemplativa e artística, com Pope criando uma narrativa visual que explorava temas de memória e nostalgia. O vídeo incorporava elementos de cinema experimental, incluindo sobreposições de imagens e técnicas de montagem não-lineares que criavam uma experiência visual complexa e emotivamente ressonante. A direção de fotografia, caracterizada por uma paleta de cores dessaturadas e iluminação atmosférica, complementava perfeitamente a natureza melancólica da composição.

O videoclipe de “Friday I’m in Love” (1992) marcou uma mudança significativa na abordagem visual da banda, apresentando uma estética mais colorida e lúdica que refletia a natureza otimista da música. Pope criou uma narrativa simples mas eficaz que apresentava os membros da banda em diferentes cenários ao longo de uma semana, culminando na celebração romântica da sexta-feira. A produção, embora menos elaborada que alguns vídeos anteriores, demonstrava a versatilidade criativa da parceria entre a banda e o diretor.

Durante os anos 1990 e 2000, The Cure continuou a produzir videoclipes inovadores, embora com menos frequência que durante seu período de maior sucesso comercial. “The 13th” (1996) apresentou uma estética mais sombria e industrial que refletia a direção musical mais pesada do álbum “Wild Mood Swings”. A direção, realizada por Sophie Muller, trouxe uma perspectiva feminina à visualização da música da banda, resultando em uma abordagem estética diferente mas igualmente eficaz.

“Cut Here” (2001) representou um retorno à colaboração com Tim Pope após um hiato de vários anos. O vídeo, que explorava temas de perda e luto através de uma narrativa visual tocante, demonstrava que a parceria criativa entre a banda e o diretor mantinha sua relevância e poder emocional mesmo após décadas de colaboração. A produção mais modesta refletia as mudanças na indústria musical e os orçamentos reduzidos para videoclipes, mas a qualidade artística permanecia inalterada.

A influência dos videoclipes do The Cure estendeu-se muito além da música popular, influenciando diretores de cinema, artistas visuais e criadores de conteúdo digital. A abordagem cinematográfica de Tim Pope, caracterizada por narrativas não-convencionais e técnicas visuais inovadoras, estabeleceu precedentes que continuam a influenciar a produção de conteúdo visual musical contemporâneo.

Influência e importância

A influência do The Cure na música popular e na cultura contemporânea transcende amplamente suas conquistas comerciais, estabelecendo a banda como uma das forças mais transformadoras e duradouras do rock alternativo. Ao longo de mais de quatro décadas, o grupo conseguiu moldar não apenas o desenvolvimento de gêneros musicais inteiros, mas também influenciar aspectos visuais, estéticos e culturais que se estenderam muito além da música.

O papel pioneiro do The Cure no desenvolvimento do rock gótico e do pós-punk não pode ser subestimado. Os álbuns “Seventeen Seconds”, “Faith” e “Pornography” estabeleceram muitos dos elementos sonoros e estéticos que definiram estes gêneros, incluindo o uso de atmosferas sombrias, letras introspectivas e uma abordagem minimalista à instrumentação. Bandas como Bauhaus, Siouxsie and the Banshees e Joy Division compartilhavam território similar, mas The Cure desenvolveu uma linguagem musical distintiva que influenciou diretamente centenas de bandas subsequentes.

The Cure. Crédito: Ebet Roberts

A capacidade da banda de alternar entre diferentes estilos musicais sem perder sua identidade essencial estabeleceu um precedente importante para artistas alternativos. Esta versatilidade estilística, demonstrada através da transição de álbuns sombrios como “Pornography” para trabalhos mais acessíveis como “The Head on the Door”, provou que bandas alternativas poderiam alcançar sucesso comercial sem comprometer sua integridade artística. Este modelo influenciou profundamente o desenvolvimento do rock alternativo dos anos 1990.

A influência visual do The Cure foi igualmente significativa, com Robert Smith tornando-se um ícone de estilo que transcendeu a música. Sua aparência distintiva, caracterizada por cabelos desgrenhados, maquiagem pesada e roupas pretas, estabeleceu um template estético que foi adotado por incontáveis fãs e músicos. Esta influência estendeu-se à moda, arte e cultura popular, com elementos do “look Cure” aparecendo regularmente em passarelas e publicações de moda.

O impacto da banda no desenvolvimento do shoegaze e do dream pop foi particularmente pronunciado. Bandas como My Bloody Valentine, Slowdive e Cocteau Twins citaram frequentemente The Cure como uma influência fundamental, particularmente em relação ao uso de efeitos de guitarra e à criação de paisagens sonoras atmosféricas. A abordagem de Smith ao uso de pedais de efeito, especialmente chorus e delay, tornou-se um elemento padrão na paleta sonora do rock alternativo.

A influência da banda estendeu-se também ao indie rock e ao rock alternativo mainstream dos anos 1990 e 2000. Bandas como Radiohead, Interpol e The National reconheceram publicamente a influência do The Cure em seu desenvolvimento artístico. Thom Yorke, do Radiohead, descreveu “Disintegration” como um dos álbuns mais importantes de sua formação musical, enquanto Paul Banks, do Interpol, citou a abordagem vocal de Smith como uma influência direta em seu próprio estilo.

O modelo de carreira estabelecido pelo The Cure também influenciou profundamente a indústria musical. A decisão da banda de manter controle criativo total sobre sua música, mesmo quando isso significava períodos prolongados entre lançamentos, estabeleceu um precedente para artistas que priorizavam a integridade artística sobre considerações comerciais. Esta abordagem tornou-se particularmente relevante na era digital, quando artistas ganharam maior controle sobre a distribuição e promoção de sua música.

A longevidade da carreira do The Cure demonstrou que bandas alternativas poderiam manter relevância artística e comercial ao longo de múltiplas décadas. Esta durabilidade inspirou incontáveis músicos a perseguir carreiras de longo prazo focadas na evolução artística contínua, em vez de buscar sucessos comerciais de curto prazo. O modelo estabelecido pela banda tornou-se particularmente influente para artistas que emergiram durante a era da internet.

A abordagem da banda às apresentações ao vivo também estabeleceu novos padrões para a indústria. Os concertos do The Cure, frequentemente estendendo-se por três horas ou mais, demonstraram que audiências estavam dispostas a investir tempo e energia em experiências musicais mais profundas e imersivas. Esta abordagem influenciou uma geração de artistas que priorizaram a qualidade e a duração de suas apresentações ao vivo.

Membros da banda

A história dos membros do The Cure reflete não apenas a evolução musical da banda, mas também as complexidades das dinâmicas interpessoais que caracterizam grupos musicais de longa duração. Ao longo de mais de quatro décadas, a formação da banda passou por numerosas mudanças, cada uma trazendo novas influências criativas e desafios organizacionais que moldaram o desenvolvimento artístico do grupo.

Robert James Smith permanece como a única constante na história do The Cure, servindo como vocalista principal, guitarrista, compositor principal e líder criativo desde a formação da banda. Nascido em 21 de abril de 1959, em Blackpool, Inglaterra, Smith desenvolveu sua paixão pela música durante a adolescência, influenciado inicialmente pelo glam rock de David Bowie e pelo punk rock emergente. Sua abordagem à composição, caracterizada por melodias memoráveis combinadas com letras introspectivas e arranjos atmosféricos, tornou-se a força motriz por trás do som distintivo da banda.

Foto: Robert Smith do The Cure. Crédito: Ross Marino.
Foto: Robert Smith do The Cure. Crédito: Ross Marino.

A evolução de Smith como performer e compositor pode ser traçada através dos diferentes períodos da banda. Durante a fase gótica inicial, ele desenvolveu uma presença de palco hipnótica e uma abordagem vocal que alternava entre sussurros íntimos e declarações emocionais intensas. Sua capacidade de transmitir vulnerabilidade e força simultaneamente estabeleceu-o como um dos frontmen mais carismáticos de sua geração.

Laurence Andrew “Lol” Tolhurst, nascido em 3 de fevereiro de 1959, foi membro fundador da banda e desempenhou papéis cruciais em sua formação inicial. Começando como baterista, Tolhurst forneceu a base rítmica para os primeiros álbuns da banda, desenvolvendo um estilo minimalista e mecânico que complementava perfeitamente as atmosferas sombrias das composições de Smith. Sua transição para os teclados no final dos anos 1980 refletiu tanto sua versatilidade musical quanto as necessidades evolutivas da banda.

Lol Tolhurst. Crédito: Astrid Stawiarz/Getty Images.
Lol Tolhurst. Crédito: Astrid Stawiarz/Getty Images.

A relação entre Smith e Tolhurst, que se estendeu desde a adolescência até o início dos anos 1990, foi fundamental para o desenvolvimento inicial do The Cure. Sua amizade de longa data proporcionou uma base estável durante os períodos mais experimentais da banda, embora tensões crescentes relacionadas a diferenças criativas e problemas pessoais eventualmente levassem à saída de Tolhurst em 1989.

Simon Johnathon Gallup, nascido em 1 de junho de 1960, juntou-se à banda em 1979 como baixista e rapidamente estabeleceu-se como um dos membros mais importantes do grupo. Sua abordagem melódica ao baixo, influenciada tanto pelo punk rock quanto pelo dub reggae, criou um estilo distintivo que se tornou fundamental para o som do The Cure. A química musical entre Gallup e Smith desenvolveu-se ao longo de décadas de colaboração, resultando em uma parceria criativa que permanece no centro da identidade musical da banda.

Simon Gallup. Crédito: Per Ole Hagen/Redferns via Getty Images
Simon Gallup. Crédito: Per Ole Hagen/Redferns via Getty Images

Gallup deixou temporariamente a banda em 1982 devido a tensões internas, mas retornou em 1984 e permaneceu como membro estável desde então. Sua presença proporcionou continuidade durante períodos de mudanças significativas na formação, e sua contribuição para o desenvolvimento das composições da banda foi consistentemente reconhecida por Smith e outros membros.

Michael Stephen Dempsey foi o baixista original da banda, participando da formação inicial como Easy Cure e contribuindo para o primeiro álbum “Three Imaginary Boys”. Sua abordagem mais convencional ao instrumento refletia as influências punk rock da banda durante seus primeiros anos, embora sua saída em 1979 tenha aberto espaço para a evolução estilística que caracterizou os álbuns subsequentes.

 Micharl Sempsey. Crédito: Pete Still/Redferns.
Micharl Sempsey. Crédito: Pete Still/Redferns.

Porl Thompson (mais tarde Pearl Thompson) desempenhou múltiplos papéis na banda ao longo de várias décadas, contribuindo com guitarras, teclados e instrumentos diversos. Sua primeira passagem pela banda ocorreu durante os anos formativos, seguida por um retorno significativo nos anos 1980 que coincidiu com o período de maior sucesso comercial do grupo. Thompson trouxe uma abordagem experimental aos arranjos, incorporando instrumentos não-convencionais e texturas sonoras únicas que enriqueceram significativamente a paleta musical da banda.

Boris Peter Bransby Williams serviu como baterista principal da banda de 1984 a 1994, período que incluiu alguns dos álbuns mais aclamados e comercialmente bem-sucedidos do grupo. Sua abordagem técnica e versátil ao instrumento permitiu à banda explorar territórios sonoros mais complexos e dinâmicos, contribuindo significativamente para o sucesso de álbuns como “The Head on the Door”, “Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me” e “Disintegration”.

Jason Toop Cooper assumiu as funções de bateria em 1995 e permanece como membro ativo da banda. Sua chegada coincidiu com um período de experimentação musical que caracterizou os álbuns dos anos 1990 e 2000. Cooper trouxe uma abordagem mais moderna e tecnicamente sofisticada ao instrumento, adaptando-se às necessidades evolutivas da banda enquanto mantinha a sensibilidade rítmica que caracteriza o som do The Cure.

Roger O’Donnell juntou-se à banda como tecladista em 1987, contribuindo significativamente para o som dos álbuns “Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me” e “Disintegration”. Sua formação clássica e experiência com diferentes estilos musicais trouxeram uma sofisticação harmônica que enriqueceu as composições da banda. Após uma ausência durante os anos 1990, O’Donnell retornou à formação nos anos 2000 e continua como membro ativo.

Reeves Gabrels juntou-se à banda como guitarrista em 2012, trazendo uma extensa experiência musical que incluía colaborações com David Bowie e seu próprio trabalho como líder de banda. Sua adição à formação proporcionou uma nova dimensão guitarra ao som do grupo, contribuindo para a criação de “Songs of a Lost World” e as turnês subsequentes.

Discografia

A discografia do The Cure representa uma das coleções mais consistentes e influentes da música popular contemporânea, abrangendo mais de quatro décadas de evolução artística e experimentação musical. Cada álbum da banda reflete não apenas o desenvolvimento criativo do grupo, mas também as mudanças culturais e tecnológicas que moldaram a indústria musical ao longo dos anos.

Capa do álbum Three Imaginary Boys do The Cure.

“Three Imaginary Boys” (1979) marcou a estreia oficial da banda, apresentando um som que combinava elementos do punk rock com melodias mais elaboradas que antecipavam o desenvolvimento do pós-punk. O álbum, gravado rapidamente e com orçamento limitado, capturava a energia crua dos primeiros anos da banda enquanto demonstrava a capacidade composicional emergente de Robert Smith. Faixas como “10:15 Saturday Night” e “I’m Cold” estabeleceram temas de alienação urbana e introspecção que se tornariam centrais na obra da banda.

“Seventeen Seconds” (1980) representou uma transformação radical na sonoridade da banda, introduzindo as atmosferas sombrias e minimalistas que definiriam a fase gótica do The Cure. A produção esparsa e os arranjos repetitivos criavam paisagens sonoras hipnóticas que influenciaram profundamente o desenvolvimento do rock gótico. “A Forest”, o single principal, tornou-se um dos clássicos mais duradouros da banda, demonstrando a capacidade de Smith para criar tensão dramática através de estruturas musicais relativamente simples.

Capa do álbum Seventeen Seconds do The Cure.

Capa do álbum The Faith do The Cure.

“Faith” (1981) aprofundou a exploração de territórios sonoros sombrios, apresentando composições ainda mais atmosféricas e experimentais. O álbum funcionava quase como uma peça conceitual, com cada faixa contribuindo para uma atmosfera geral de melancolia e introspecção. A produção, caracterizada por reverbs extensos e dinâmicas sutis, criava uma sensação de espaço e isolamento que complementava perfeitamente o conteúdo lírico.

“Pornography” (1982) levou a estética gótica da banda ao seu extremo lógico, resultando em um dos álbuns mais intensos e desafiadores de sua carreira. As composições densas e claustrofóbicas exploravam temas de depressão e desespero existencial através de arranjos que privilegiavam a criação de atmosferas opressivas sobre melodias convencionais. O álbum, embora comercialmente menos bem-sucedido que trabalhos posteriores, é frequentemente citado como uma das realizações artísticas mais puras da banda.

“The Top” (1984) apresentou uma mudança radical de direção, incorporando elementos psicodélicos e experimentais que confundiram muitos fãs e críticos. O álbum refletia o desejo de Smith de explorar novos territórios sonoros após a intensidade de “Pornography”, resultando em composições que alternavam entre acessibilidade pop e experimentação avant-garde. Embora inicialmente mal compreendido, o álbum ganhou reconhecimento retrospectivo como um trabalho corajoso e inovador.

“The Head on the Door” (1985) conseguiu a síntese perfeita entre experimentação artística e acessibilidade comercial, apresentando algumas das composições mais memoráveis da carreira da banda. Músicas como “Close to Me” e “In Between Days” demonstravam a capacidade de Smith para criar melodias pop irresistíveis sem sacrificar a profundidade emocional que caracterizava o trabalho da banda. O álbum estabeleceu The Cure como uma força comercial significativa enquanto mantinha sua credibilidade artística.

“Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me” (1987) expandiu ainda mais a paleta musical da banda, apresentando um álbum duplo que explorava uma diversidade estilística impressionante. Desde a euforia pop de “Just Like Heaven” até as experimentações mais sombrias de “The Kiss”, o álbum demonstrava a versatilidade composicional de Smith e a capacidade da banda de alternar entre diferentes humores e estilos dentro de um único trabalho coeso.

“Disintegration” (1989) é amplamente considerado a obra-prima da banda, combinando a profundidade emocional de seus trabalhos mais sombrios com uma sofisticação musical que refletia a maturidade artística do grupo. As oito composições extensas exploravam temas de mortalidade, amor e perda através de arranjos elaborados que criavam paisagens sonoras de beleza melancólica impressionante. O sucesso crítico e comercial do álbum estabeleceu The Cure como uma das principais bandas de rock do mundo.

Capa do álbum Disintegration do The Cure.

“Wish” (1992) manteve o momentum criativo de “Disintegration” enquanto incorporava elementos mais acessíveis que resultaram em alguns dos maiores sucessos comerciais da banda. “Friday I’m in Love” tornou-se um hino pop atemporal, enquanto outras faixas exploravam diferentes aspectos da experiência emocional humana através da lente musical distintiva da banda.

“Wild Mood Swings” (1996) representou um período de experimentação extrema na carreira da banda, explorando uma diversidade estilística que alternava entre sonoridades pesadas, pop experimental e elementos eletrônicos. O álbum refletia as tensões internas e mudanças na formação que caracterizaram os anos 1990, resultando em composições que desafiavam as expectativas dos fãs. “The 13th” apresentava uma abordagem mais agressiva e guitarrística, enquanto “Mint Car” incorporava elementos dance e eletrônicos em uma estrutura pop não-convencional. A produção, mais densa que trabalhos anteriores, criava uma sensação de urgência e inquietação que espelhava o estado mental da banda durante este período de transição.

“Bloodflowers” (2000) marcou um retorno consciente às raízes atmosféricas e melancólicas da banda, sendo concebido por Smith como o terceiro volume de uma trilogia não-oficial que incluía “Pornography” e “Disintegration”. O álbum explorava temas de mortalidade e reflexão existencial através de composições longas e meditativas que recriavam a atmosfera sombria dos trabalhos clássicos da banda. “Out of This World” e “Maybe Someday” demonstravam a maturidade composicional desenvolvida pela banda ao longo de duas décadas, combinando a profundidade emocional característica com uma sofisticação musical que refletia sua experiência acumulada. A produção privilegiava espaços amplos e texturas atmosféricas que serviam como pano de fundo perfeito para as contemplações melancólicas de Smith.

“The Cure” (2004) apresentou uma abordagem mais direta e acessível, explorando sonoridades pop que contrastavam deliberadamente com a atmosfera sombria de “Bloodflowers”. O álbum funcionava como o segundo volume da trilogia planejada por Smith, demonstrando a versatilidade contínua da banda em alternar entre diferentes estados emocionais e estilos musicais. “The End of the World” combinava melodias cativantes com letras que exploravam temas de amor e perda através de uma perspectiva mais otimista, enquanto “Taking Off” apresentava uma energia rock mais direta que havia estado ausente do trabalho da banda por vários anos. A produção limpa e focada em melodias evidenciava a capacidade duradoura de Smith para criar composições pop eficazes quando desejava.

Capa do álbum 4:13 Dream do The Cure.

“4:13 Dream” (2008) completou a trilogia iniciada com “Bloodflowers”, sintetizando as diferentes fases criativas pelas quais The Cure havia passado ao longo de sua carreira. O título, referenciando o horário em que Smith frequentemente acordava durante o período de composição, refletia a natureza onírica e introspectiva das músicas. “The Only One” exemplificava a abordagem mais colaborativa adotada pela banda, com contribuições mais proeminentes dos outros membros resultando em uma sonoridade mais orgânica e dinâmica. “Freakshow” incorporava elementos eletrônicos e industriais em estruturas rock convencionais, demonstrando a disposição contínua da banda para experimentação. A produção equilibrava familiaridade com inovação, criando um som que honrava a tradição da banda enquanto explorava novos territórios sonoros.

“Songs of a Lost World” (2024) representou um retorno triunfal após um hiato de dezesseis anos, apresentando algumas das composições mais maduras e emotivamente poderosas da carreira da banda. O álbum explorava temas de mortalidade, perda e reflexão sobre o significado da arte em um mundo em transformação, refletindo a perspectiva de Smith aos 65 anos. “Alone” estabelecia imediatamente o tom contemplativo que permeava todo o trabalho, construindo atmosferas de isolamento e introspecção através de arranjos elaborados e letras profundamente pessoais. “A Fragile Thing” demonstrava que a banda mantinha sua capacidade de criar paisagens sonoras emotivamente devastadoras, combinando elementos familiares de seu som com uma sofisticação composicional que refletia décadas de experiência. A produção, realizada nos históricos Rockfield Studios, capturava tanto a intimidade quanto a grandeza das composições, resultando em um álbum que muitos críticos consideraram o melhor trabalho da banda desde “Disintegration”.

Capa do álbum Songs of a Lost World do The Cure.

Prêmios e indicações

O reconhecimento oficial da contribuição do The Cure para a música popular veio através de numerosos prêmios e indicações ao longo de sua carreira, refletindo tanto seu sucesso comercial quanto sua influência artística duradoura. Estes reconhecimentos abrangeram diferentes aspectos do trabalho da banda, desde conquistas comerciais específicas até reconhecimento de sua importância histórica na evolução da música popular.

A indução do The Cure ao Rock and Roll Hall of Fame em 2019 representou o reconhecimento mais prestigioso de sua carreira, confirmando oficialmente sua posição entre os artistas mais importantes da história da música popular. A cerimônia, realizada no Barclays Center em Brooklyn, Nova York, apresentou apresentações de algumas das músicas mais conhecidas da banda e discursos que destacaram sua influência no desenvolvimento do rock alternativo.

Durante a cerimônia de indução, Trent Reznor do Nine Inch Nails serviu como apresentador, descrevendo The Cure como “uma banda que provou que você pode ser popular e underground ao mesmo tempo, comercial e artístico, acessível e desafiador”. Este reconhecimento por parte de um artista da geração seguinte demonstrou a influência contínua da banda em músicos contemporâneos.

O The Cure recebeu múltiplas indicações ao Grammy Awards ao longo de sua carreira, embora nunca tenha conquistado o prêmio principal. As indicações incluíram categorias como Melhor Performance de Rock Alternativo e Melhor Videoclipe Musical, reconhecendo tanto suas conquistas musicais quanto suas contribuições inovadoras à arte do videoclipe.

No Reino Unido, a banda recebeu reconhecimento através dos BRIT Awards, incluindo indicações para Melhor Grupo Britânico e contribuições para a música britânica. Embora nem sempre tenha conquistado os prêmios principais, as indicações consistentes demonstraram o reconhecimento da indústria musical britânica pela importância duradoura da banda.

A MTV reconheceu as contribuições visuais inovadoras da banda através de múltiplas indicações ao MTV Video Music Awards. Os videoclipes do The Cure, particularmente aqueles dirigidos por Tim Pope, estabeleceram novos padrões para a produção visual na música popular e influenciaram profundamente o desenvolvimento do medium.

Reconhecimentos internacionais incluíram prêmios de publicações musicais especializadas, organizações de direitos autorais e instituições culturais que reconheceram a influência global da banda. Estes prêmios refletiram não apenas o sucesso comercial do grupo, mas também sua importância como força cultural e artística.

A banda também recebeu reconhecimento através de inclusões em listas de “melhores álbuns” e “artistas mais influentes” compiladas por publicações musicais respeitadas. “Disintegration” apareceu consistentemente em listas dos melhores álbuns de todos os tempos, enquanto Robert Smith foi reconhecido como um dos vocalistas e compositores mais importantes de sua geração.

Prêmios de vendas, incluindo discos de ouro e platina em múltiplos países, confirmaram o sucesso comercial duradouro da banda. Estes reconhecimentos abrangeram tanto álbuns individuais quanto vendas cumulativas ao longo da carreira, demonstrando a capacidade da banda de manter relevância comercial ao longo de múltiplas décadas.

O reconhecimento acadêmico veio através de estudos universitários e análises críticas que examinaram a contribuição da banda para o desenvolvimento de gêneros musicais específicos e sua influência na cultura popular contemporânea. Estes estudos posicionaram The Cure como um objeto legítimo de investigação acadêmica, confirmando sua importância cultural além do entretenimento popular.

Reconhecimentos especiais incluíram prêmios por contribuições à caridade e causas sociais, refletindo o envolvimento da banda em questões que transcendiam a música. Estes reconhecimentos demonstraram o compromisso do grupo com responsabilidade social e sua disposição para usar sua plataforma para promover causas importantes.

A longevidade da carreira do The Cure e sua capacidade de manter relevância artística e comercial ao longo de mais de quatro décadas representam, em si mesmas, uma forma de reconhecimento. Poucos artistas conseguem sustentar carreiras de tal duração mantendo tanto integridade artística quanto sucesso comercial, posicionando a banda como um modelo para artistas que buscam longevidade criativa.

O reconhecimento contínuo através de covers, samples e citações por parte de artistas contemporâneos demonstra a influência duradoura da banda na música popular atual. Esta forma de reconhecimento peer-to-peer frequentemente prova ser mais significativa que prêmios oficiais, confirmando a relevância contínua do trabalho da banda para novas gerações de músicos e fãs.

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