Uma reunião para a história: trinta anos do “Unplugged” de Kiss

Luis Fernando Brod
9 minutos de leitura
Kiss MTV Unplugged. Foto: Getty Images.

Em 9 de agosto de 1995, nos estúdios da Sony Music em Nova Iorque, uma noite singular se desenrolava. Kiss, a banda que havia construído sua carreira sobre a grandiosidade do espetáculo e a potência do rock amplificado, preparava-se para um formato que, à primeira vista, parecia contradizer sua própria essência: o “MTV Unplugged”. Contudo, o que se revelaria naquela noite não seria apenas um concerto acústico, mas um reencontro que reescreveria a trajetória de uma das maiores forças do rock.

A década de 1990 encontrou Kiss em um período de transição. Após o sucesso estrondoso dos anos 1970, a banda havia passado por diversas formações e experimentações musicais. A era sem maquiagem, iniciada em 1983, trouxe hits e manteve a banda relevante, mas a aura mística dos primórdios parecia distante. Álbuns como “Revenge” (1992) mostraram uma banda ainda capaz de entregar rock pesado, mas o público clamava por algo mais.

O conceito “Unplugged” da MTV havia se consolidado como um palco para artistas se despirem de seus artifícios elétricos, revelando a alma de suas canções. De Nirvana a Eric Clapton, o formato proporcionou momentos de vulnerabilidade e genialidade musical. Para o Kiss, a proposta de tocar acusticamente era um desafio direto à sua identidade. Paul Stanley e Gene Simmons, os pilares da banda, inicialmente resistiram.

Stanley, em particular, via a ideia com ceticismo. “Não, não, não, não. Não vamos fazer isso. Não é disso que se trata esta banda”, teria dito, refletindo a preocupação de descaracterizar o grupo. Kiss era sinônimo de pirotecnia, guitarras distorcidas e maquiagens teatrais. Um show acústico parecia ir contra tudo o que eles representavam.

No entanto, a pressão da MTV e, mais importante, o anseio dos fãs, começou a moldar a visão do projeto. A ideia de trazer de volta os membros originais, Ace Frehley e Peter Criss, começou a ganhar força. Frehley, o “Space Ace”, e Criss, o “Catman”, haviam deixado a banda no final dos anos 1970 e início dos 1980, respectivamente. Suas saídas foram marcadas por tensões e problemas pessoais.

A possibilidade de vê-los novamente no palco com Stanley e Simmons era um sonho antigo para muitos admiradores. Gene Simmons, conhecido por sua pragmatismo, também tinha suas ressalvas. Ele expressava preocupação com o estado musical e pessoal de Frehley e Criss. “Eles não eram as mesmas pessoas. Não eram os mesmos músicos”, ele observaria mais tarde, lembrando as dificuldades do passado.

Apesar das hesitações, a oportunidade de um reencontro histórico era forte demais para ser ignorada. A formação da banda na época, com Bruce Kulick na guitarra e Eric Singer na bateria, era sólida e respeitada. Ambos eram músicos talentosos que haviam contribuído significativamente para a fase “sem maquiagem” de Kiss.

A decisão de incluir Frehley e Criss para algumas canções foi um gesto de reconhecimento à história da banda. Kulick e Singer demonstraram uma notável profissionalismo e generosidade, aceitando que, por alguns momentos, o palco seria dos membros originais. Essa atitude pavimentou o caminho para o que viria a ser um dos momentos mais comentados na história de Kiss.

Os ensaios para o “Unplugged” foram, como esperado, repletos de desafios. A dinâmica entre os quatro membros originais era complexa, marcada por anos de separação e ressentimentos. A química musical, que um dia fora tão natural, precisava ser redescoberta. Houve momentos de tensão, especialmente com Criss e Frehley, que precisavam se reajustar ao ritmo e às expectativas.

Apesar das dificuldades nos bastidores, a noite de 9 de agosto de 1995 chegou. O palco estava montado de forma simples, com instrumentos acústicos e uma iluminação suave, um contraste gritante com os cenários grandiosos a que Kiss estava acostumado. A plateia, composta por fãs e convidados, aguardava ansiosamente.

A primeira parte do concerto contou com a formação da época: Paul Stanley, Gene Simmons, Bruce Kulick e Eric Singer. Eles apresentaram versões acústicas de clássicos como “Comin’ Home” e “Plaster Caster”, mostrando que a essência das músicas de Kiss podia brilhar mesmo sem a distorção e o volume. A performance era crua, honesta, e permitia que as letras e melodias se destacassem.

O momento mais aguardado da noite, no entanto, estava reservado para a segunda metade. Quando Paul Stanley anunciou a entrada de Ace Frehley e Peter Criss, a reação da plateia foi imediata e estrondosa. A energia no estúdio mudou. Era como se o tempo tivesse voltado, e os quatro rostos que definiram uma geração estivessem juntos novamente.

A reunião no palco foi carregada de emoção. Frehley e Criss, embora visivelmente mais velhos, pareciam à vontade em seus antigos papéis. A banda tocou “2,000 Man”, com Frehley nos vocais, e a performance capturou a melancolia e a sabedoria da canção. Em seguida, Peter Criss assumiu os vocais para “Beth”, uma balada que se tornou um dos maiores sucessos de Kiss. A voz de Criss, embora mais rouca, ainda transmitia a ternura e a vulnerabilidade da canção.

A interação entre os quatro era palpável. Havia sorrisos, olhares e gestos que falavam de uma história compartilhada, de anos de altos e baixos. A tensão dos ensaios parecia dissipar-se no calor daquele reencontro. A plateia cantava junto, muitos com lágrimas nos olhos, testemunhando um momento que parecia improvável até pouco tempo antes.

O setlist continuou com “Nothin’ to Lose”, com Criss e Simmons dividindo os vocais, e culminou com uma versão acústica de “Rock and Roll All Nite”, que, mesmo sem a explosão elétrica, conseguiu manter sua energia contagiante. O público se levantou, cantou e celebrou, mostrando que a força de Kiss residia não apenas em seus artifícios, mas na conexão com seus admiradores.

A transmissão do “MTV Unplugged” ocorreu em 27 de outubro de 1995, e o impacto foi imediato. O concerto foi aclamado pela crítica e pelos fãs, que viram ali não apenas um show, mas um evento histórico. A performance mostrou uma faceta diferente de Kiss, mais íntima e despojada, mas igualmente poderosa.

O sucesso do “Unplugged” teve consequências profundas para a banda. A química e a recepção calorosa da reunião dos membros originais plantaram a semente para algo muito maior. Em março de 1996, o álbum “Kiss Unplugged” foi lançado, solidificando o momento e permitindo que mais pessoas pudessem reviver a magia daquela noite.

O que se seguiu ao “Unplugged” foi a “Alive/Worldwide Tour” de 1996. Pela primeira vez em mais de quinze anos, Paul Stanley, Gene Simmons, Ace Frehley e Peter Criss estavam juntos novamente, com suas maquiagens e figurinos clássicos, em uma turnê mundial que arrastou multidões. O “Unplugged” não foi apenas um show, foi o catalisador que reacendeu a chama de Kiss e o trouxe de volta ao topo do cenário musical.

Aquele concerto acústico provou que a banda era mais do que apenas maquiagem e efeitos especiais. Era sobre as músicas, as personalidades e a história que eles haviam construído juntos. O “MTV Unplugged” de Kiss é um testemunho da capacidade de uma banda de se reinventar, de confrontar seu passado e de, finalmente, abraçar a totalidade de sua própria jornada. Foi um momento de reconciliação, não apenas entre os membros, mas também com a própria história de Kiss e seus admiradores.

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