John Michael Osbourne, mais conhecido como Ozzy Osbourne, não apenas por suas relações interpessoais mais próximas, mas também por uma legião de fãs ao redor do globo, nos deixou oficialmente em 22 de Julho, após uma longa batalha contra diversos problemas de saúde, desde a agravação do Parkinson até as consequências do agravamento de lesões anteriores. Mesmo que não fosse um apreciador do gênero metal e suas diversas abrangências, ou mesmo sendo, mas que não chegado ao seu trabalho que vai desde sua carreira no Sabbath, solo e outras colaborações, é impossível que, a não ser que estivesse morando dentro de alguma caverna, a coexistência dessa ilustre figura tivesse passado por despercebida pelos seus ouvidos. Entretanto, a pergunta que sempre fica é essa, e que talvez, já tenha sido respondia por outros nos últimos dias: ele não era o vocalista mais técnico, não era o melhor exemplo comportamental à vistas de uma sociedade que presa pela etiqueta, talvez em termos de originalidade, muita gente talvez já tenha inventado a roda pouco antes dele em termos de performance, especialmente quando se trata do shockingvalue, algo que Alice Cooper e Arthur Brown dominavam e muito bem no palco e no imaginário da mídia em tempos de Nixon, Guerra Fria e ditaduras na América Latina. Então, o que fazia o Príncipe das Trevas, ser alguém querido e amado por muita gente que sequer o conheciam pessoalmente, assim como infame para certos outros meios?

A resposta para essa pergunta é muito simples: Ozzy nunca quis ser um exemplo, nunca se viu como ou simplesmente teve de mascarar ser. Mesmo que, desde a tenra idade, o bom humor tivesse de ser um mecanismo de defesa contra o ambiente opressor na qual foi imposto, ele conseguiu tornar atitude em uma de suas características principais. Sempre visto como um pária, a vida ao redor era apenas mais um dia Debaixo do Sol, com grupos de pessoas que pregavam quem deveria ser, como se vestir e se comportar, julgando sua autenticidade. Situações bem desconfortáveis nas quais eu e você já passamos em nosso dia-a-dia diante um mundo onde a performance é mais valorizada pelo que há debaixo da máscara, que matam nossas personalidades em prol de nos encaixarmos à um ambiente de hostilidade e elitismo, que perpetua até mesmo no comportamental de grupos do próprio meio e gênero que Osbourne e os Sabbath ajudaram a criar.
Os 4 garotos de Aston, Birmingham, chocaram o mundo com sua música transgressora, vindos do centro industrial da Inglaterra e representando o poder da classe trabalhadora ás massas e uma mídia tradicionalista que sempre deu um jeito de colocar uma coleira em movimentos artísticos para que se adequassem ao horário nobre e as normas sociais impostas por um regime capitalista, na sua constante máquina de moer gente. Suas letras eram um perigo que desviava os jovens da moral e bons costumes, assim como sua imagética obscura que fez o terror dos pais naquela época. Eram constantemente associados ao diabo, embora convenhamos: na obra de Milton, ao ser expulso do paraíso, estava livre das amarras do cristianismo. Sendo que Satã é um símbolo para liberdade, o próprio nome da banda, Black Sabbath, veio da representação apropriada ao valor de choque através da sugestão de Geezer Butler, que se inspirou no título de um filme italiano de terror da primeira metade da década de sessenta. Não eram presos á amarras, não queriam ser catequizados ou muito menos que um bando de nerds com delírios exotéricos dissessem o que fazer: já conheciam tanto as ruas que pisavam quanto à si mesmos para que dissessem à eles como sua música deveria ser e como viverem a vida.

Mesmo com sua carreira em ruínas, já expulso do Sabbath, ele foi exemplo de resiliência, mas não pelos mesmos padrões que reconhecemos, que visam uma redenção ao invés de nos permitir sermos quem somos. Ele era quem era, e foi pelas mãos de Sharon Osbourne, que isso nele apreciou, que ajudaram-no a sair do abismo na qual estava afundado, inúmeras vezes, para que se reerguesse e mostrasse sua verdadeira faceta, mais uma vez, ao público e diversos outros jovens que precisavam se esconder diante de suas ditas “imperfeições”, ou talvez pela forma como a sociedade da performance os fizeram se olhar no espelho dessa maneira. Foi a pessoa certa, na hora certa, e que diante de alguém tão caótico, nunca desistiu de lidar com a situação presente, sempre acreditando no potencial de quem amava genuinamente. Relação essa, que na saúde e na doença, coletou tanto seus louros como seus tormentos, mas que durou até até seu último momento em Julho desse ano. A dor do luto, expressa por Sharon durante o funeral aberto de seu amor, demonstra como alguém tão peculiar pode fazer uma diferença enorme em nossa vida, enquanto no dia-a-dia, essas mesmas figuras são rejeitadas de nossos espaços e forçadas a serem “pessoas melhores” ou jogadas ao infinito ostracismo.

Ele não queria mudar o mundo, muito menos queria que esse o mudasse, ele era um símbolo, uma inspiração positiva, e já sabia de seu próprio legado permanente cravados nas páginas da história da arte e humanidade. Todos os shows de sua carreira solo eram bem animados, e mesmo em seus últimos anos de apresentações ao vivo antes do agravamento do seu estado de saúde, já com avançada idade, demonstrava a mesma energia de outrora nos palcos, pulando e correndo pra lá e pra cá, atiçando o público ao sempre estar ligado no 220, mostrando que diante do envelhecimento, o espírito jovem ainda era o mesmo. Os tempos mudavam e eram estranhos, porém, continuava sendo o mesmo, na qual também tal situação pode ser dita sobre seus colegas de banda de velha guarda com o Sabbath, à cada show de reunião feito aqui e ali, diante à novas audiências, novos equipamentos para apresentações ao vivo que faziam jus a sonoridade setentista, sem que desvirtuassem a alma do que antes era gravado sem nenhuma pretensão em busca de uma autenticidade forçada ou perfeccionismo delirante que destroem a cabeça de gerações mais novas nascidas da metade da década de 80 em diante.
Já eu, o que teria a dizer à Ozzy? Primeiro, nem a pau que te chamaria de John se te conhecesse pessoalmente, sei que o máximo que me daria seria as costas na rua e que apenas sua ex-esposa, Thelma, tinha dessa liberdade. Segundo, que se orgulhasse: meu batismo de fogo em meu primeiro e único show do Black Sabbath foi com um cara mais velho servindo LSD à um moleque de 20 anos na qual eu era, para que, segundo esse mesmo xarope, curtisse aquela apresentação sabática a partir da experiência mais psicodélica possível e adequada. Nunca mais vi esse cara na minha vida, mas à ele, só tenho que agradecer, caso esteja lendo isso agora. Terceiro? Obrigado por ter sido um símbolo de resistência à mim diante tantas adversidades vindas de um cenário que presa mais pelo intangível das relações do que pelo real tangível.

Sim, ele perdeu muitas vezes o controle, foi o vilão e fez muitos homens crescidos chorarem ao ser essa figura ordinária na qual todos nós ainda amamos, e cujo o luto, tem sido difícil de processar. Não aguentava chororô e gostaria que fosse lembrado através do seu bom humor distorcido, algo que a partir da notícia mais recente, a banda com temática de humor, vejam só a ironia, Green Jellÿ não entendeu ao expulsarem um membro apenas por postarem um meme seu segurando uma placa com a edição “Um dia sóbrio”. Não ironicamente, tínhamos certas figuras postando fotos de John Lennon acoplados de textos em sua homenagem nas semanas que se passavam, e assim espero, que na onda de biopics sangue-sugas, sempre com interpretação e genuinidade de fatos tão alinhados com a realidade quanto à previsões de futuros ganhos na mega-sena, os engravatados contemplem as habilidades de atuação de Denzel Washington (que recebeu a luz verde para tal de nosso querido e saudoso) interpretando o próprio madman para a escalação de um promissor elenco, ou na indisponibilidade de agenda, que os talentos de Michael B Jordan sirvam para tal importante feito.

Citar bons momentos que nós, como meros mortais, vimos através das lentes de nossos aparelhos televisores proporcionados pela MTV com Os Osbournes, reality-show que visava mostrar o dia-a-dia de Ozzy, Sharon e sua prole para uma audiência diversificada, e que fez torcer o nariz de um certo mesmo público que se leva a sério demais para um movimento de contra cultura a qual pertencem, ou de diversos relatos na mídia especializada ou geral aqui e ali, tem de vários. Vai desde a mordida que fez um morcego compartilhar o mesmo destino que grandes figuras tiveram na revolução francesa até mesmo histórias de necessidades feitas no Àlamo, em Santo Antônio (TX), que lhe gerou banimento na cidade por um bom tempo ao arruinar tal patrimônio. Entretanto, uma que me enaltece bem a memória pela sua particularidade e ironia é um relato de longa data vindo de Zakk Wylde, seu guitarrista da carreira solo, que tinha o príncipe das trevas como um melhor amigo e irmão mais velho, vinda do livro Barulho Infernal de Katherine Turman e Jon Wiederhorn:
“Quando estávamos fazendo o disco Ozzmosis em 1995, gravamos uma parte em Nova York, e havia lá uma livraria especializada em ocultismo chamada Magickal Childe. Eu estava recebendo material ligado a Aleister Crowley e ocultismo de forma geral porque Jimmy Page era dono do castelo onde Crowley viveu, a Boleskine House, e os outros caras se interessavam por ele. Fui lá e comprei um pôster do Crowley e o cara no balcão, ao perguntar à ele o preço, me respondeu com uma puta cara de peixe-morto “6,66 dólares”. Eu pendurei o pôster e ao Ozzy vê-lo perguntou “Zakk, quem é esse cara na parede?”, e eu chorando de rir: “Ozz, você não sabe quem é?”; “Que merda, eu sei lá, quem é?”; “Você tem cantado sobre ele nos últimos anos”; e ele “Quem, quem diabos é esse maluco?”; “Cara, é o Aleister Crowley”, e então ele respondeu: “Ah, então essa é a porra da cara do careca”! – Não é nenhum segredo ao público ou os mais letrados no assunto de que Ozzy também era disléxico, e que possivelmente possuía um TDAH não diagnosticado. Muito além do estereótipo do que é a neurodivergência em si, ele forçou o chute em portas que se fechavam por conta de suas particularidades e a visão capacitista de uma própria sociedade extremamente regrada e punitivista.

“Ele era um cara meio normal, teve uma vez nos bastidores na Suécia em que ele me perguntou ‘onde estamos’ e não fazia nem ideia de onde estava. Gostei disso, era bem Rock N’ Roll da parte dele”, lembra Max Cavalera. “Quando fui expulso do Sepultura por volta de Janeiro de ’97, fomos convidados pelo Ozzy e a Sharon à casa deles pois ele queria me encorajar a continuar”; “Foda-se eles, foda-se esses caras, você precisa fazer alguma coisa para se reerguer. Foi incrível ouvir isso dele, e eu precisava ouvir”. O músico também menciona que o casal havia também mostrado suas verdadeiras cores ao emprestarem o jatinho deles para voltarem ao Arizona, para se despedirem de seu filho/enteado Dana Wells, que faleceu aos 21 anos de idade após um acidente automobilístico, durante o meio da turnê do Sepultura no ano de 1996, em divulgação ao álbum Roots. Sobrevoaram o outro lado do mundo enquanto o resto da banda apresentou o set no festival Monsters Of Rock em Donington como um powertrio. “Outra pessoa teria dito ‘sinto muito pela sua perda’, mas não fizeram isso. Eles nos colocaram no avião deles, nos deram dinheiro e um crucifixo para a Glória, foi incrível!”, menciona o músico brasileiro ao 12 News.
Descanse em paz, Madman, fica aqui um registro de como você queria ser lembrado: Astoria Theatre, atividades encerradas e logo demolido em 2009, com capacidade de duas mil pessoas. O ano era 1999, e mesmo que o tamanho do público salte os olhos à uma audiência atual acostumada apenas com grandiosidades de um estádio e lanches de valores astronômicos vindos de seus quiosques, a presença da audiência vinda de casa, totalmente leal e desprendida da dependência de celulares e cultura de internet pseudo-moralista, já fazia valer cada minuto daquele show, próximo da data que encerraria um milênio e daria às caras à um outro, incerto, e cercado de Paranoia.
Mande um abraço à Randy e Dio por nós!