No verão de 1969, em um porão no sul de Londres, quatro músicos – Ronnie Wood, Ian McLagan, Ronnie Lane e Kenney Jones – se reuniam para tocar. Eles vinham das cinzas dos Small Faces, uma banda que havia deixado sua marca nos anos 60, e agora buscavam um novo caminho. As sessões eram recheadas de covers de ícones da soul americana e algumas composições instrumentais próprias, mas faltava uma voz para dar direção àquele som. Lane e Wood haviam tentado os vocais, mas a solução não parecia ideal.
Ronnie Wood, então, sugeriu um antigo colega do The Jeff Beck Group: Rod Stewart. A princípio, a ideia não foi recebida com grande entusiasmo. Lane, McLagan e Jones ainda sentiam o peso da saída abrupta de Steve Marriott, vocalista carismático e dominante dos Small Faces, que os deixara para formar o Humble Pie. O receio de se machucar novamente com um ego inflado era palpável. Wood, no entanto, garantiu que Rod era diferente. Com cautela, o convite foi feito.
Stewart, em seus primeiros dias com o grupo, era um homem de poucas palavras. Preferia observar do alto da escada ou sentado em silêncio sobre os amplificadores enquanto o quarteto ensaiava. Kenney Jones recorda que já conheciam Rod da época da gravadora Immediate e sabiam de sua voz notável. Por semanas, a rotina se resumiu a ensaios e idas ao pub na Bermondsey Street. Foi em uma dessas idas que Jones, percebendo o potencial, perguntou a Rod se ele estaria interessado em se juntar à banda. A resposta, carregada de incerteza, foi: “Você acha que os outros me deixariam?”.
McLagan lembra-se do momento em que Rod finalmente se levantou e tentou cantar algo do álbum “Live At Newport”, de Muddy Waters. Naquela mesma noite, em uma festa no apartamento de Alvin Lee, Jones fez a proposta formal. A apreensão dos outros membros era compreensível, temiam não encontrar outra figura como Marriott e não queriam alguém que os desapontasse. Mas Jones, convicto, sentia que era a decisão certa. McLagan confirmou: “Assim que ele começou a cantar conosco, ele se tornou a peça que faltava. Era exatamente o que precisávamos. Depois disso, foi tudo muito divertido. E muita bebida.”

Os Faces, como seriam conhecidos, rapidamente se tornaram a personificação da banda de malandros. Com cabelos extravagantes, roupas de cetim e músicas que combinavam com a atitude, eles desfilavam e se exibiam como poucas bandas do início dos anos 70. Subiam ao palco como um grupo de amigos indo para o bar da esquina, e os shows frequentemente terminavam com versões embriagadas de “We’ll Meet Again” ou “When Irish Eyes Are Smiling”, com os cinco reunidos em torno de um único microfone antes de desabarem no chão. Kenney Jones descreve a cena: “Não era só nos shows. Em todo lugar que íamos, a gente caía no chão – aeroportos, restaurantes, hotéis, bares. A gente dizia para as pessoas que não precisavam levar o rock’n’roll tão a sério. Cada show era como ir a uma festa. Os Faces foram, sem dúvida, a banda mais divertida em que já toquei.”
Mas a diversão não ofuscava a musicalidade. Embora seu lar físico fosse o bar mais próximo, seu centro espiritual estava na América, especialmente em Detroit e Memphis, berços da Motown e da Stax. Com um apetite insaciável por blues e folk sulistas, a banda desenvolveu uma mistura única de ritmo e ousadia. No auge, atraíam mais público nos Estados Unidos do que os próprios Rolling Stones. Sua reputação de negligência autoimposta, no entanto, era parte do charme. Slash, fã de longa data, descreveu-os como a banda de festa definitiva, compondo canções de rock ‘n’ roll “regadas a álcool, blues e sêmen”, interpretadas com uma atitude de “uma piscadela e uma gorjeta”.
A banda também despertava admiração entre seus pares. Simon Kirke, baterista do Free, recorda as turnês conjuntas: “Eles estavam no auge e tinham Rod Stewart cantando. Nossa, como ele cantava bem naquela época. Ele é como o Paul Rodgers, na verdade; ele nunca fez um show ruim, só tinha variações de brilhantismo. Eles sempre se divertiam muito no palco.” Andy Fraser, baixista do Free, complementa: “Assistir a um show dos Faces era como cantar em um pub, só que em uma arena. Essa pegada mais crua e um pouco desleixada funcionava muito bem.”

A Grã-Bretanha demorou a abraçar os Faces, mas nos Estados Unidos, eles forjaram sua reputação. Em março de 1970, uma turnê de 28 datas revelou um público receptivo a esses irreverentes que, ao contrário de outras bandas, estavam ali para se divertir e levar a plateia junto. Detroit foi o primeiro ponto de virada, em um pequeno local chamado East Town Theatre. Kenney Jones relata: “Depois que os Faces estouraram em Detroit, a notícia se espalhou como fogo em palha seca. Quando chegávamos à próxima cidade, a notícia já havia se espalhado. O poder do boca a boca era fantástico.”
As turnês americanas se tornaram lendárias, marcadas por quartos de hotel vandalizados, festas na piscina, consumo de cocaína e álcool, e uma fila interminável de groupies. Ian McLagan descreve a América da época como “muito mais aberta”, com muitas garotas atrás deles. A banda foi banida da rede Holiday Inn, contornando a situação ao fazer check-in como Fleetwood Mac. Em uma turnê, chegaram a dividir o palco com malabaristas, acrobatas e uma stripper chinesa, em um verdadeiro “Circo de Rock’n’Roll”. Kenney Jones ri ao lembrar: “Fomos os primeiros a fazer muita coisa. Tínhamos um palco branco e insistíamos que o Chuch Magee, que era nosso roadie, usasse calças pretas, camisa branca e colete, para parecer um barman. Era tudo muito exagerado. A gente tirava sarro de nós mesmos, mais do que qualquer outra coisa.”
A atmosfera era de camaradagem, tanto no palco quanto fora dele. Fotos da época mostram a banda cercada por invasores de palco, tocando alegremente sob o olhar da polícia. McLagan confirma: “Era uma atmosfera incrível. Algumas pessoas costumavam nos seguir de show em show nos Estados Unidos.” Ronnie Wood recorda os tempos de pouco dinheiro, quando ele e Rod pediam carona para casa a garotas da plateia, muitas vezes as “gordinhas de óculos”, e usavam seus telefones para ligações de longa distância.
Com a popularidade crescente, os Faces passaram a viajar em jatos particulares e a se apresentar em grandes casas de shows. Músicos convidados, como Tina Turner e Bobby Womack, juntavam-se a eles no palco em Detroit. Los Angeles, com o infame Hyatt House (apelidado de Riot House), era o epicentro da festa, atraindo estrelas de cinema e músicos famosos. Kenney Jones lembra de Ryan O’Neal, que adorava os Faces e, em Los Angeles, assumia o papel de seu roadie, entregando toalhas e bebidas.
A discografia da banda, no entanto, teve um início irregular. Os dois primeiros álbuns, “First Step” (1970) e “Long Player” (1971), eram inconsistentes, alternando baladas reflexivas como “Sweet Lady Mary” com faixas descartáveis. Foi com “A Nod’s As Good As A Wink… To A Blind Horse”, lançado no final de 1971, que a banda se entregou por completo em estúdio. O álbum era a quintessência dos Faces: alto, estridente, com brincadeiras como “Miss Judy’s Farm” e canções melancólicas como “Ronnie Lane’s Debris”, além do sucesso “Stay With Me”.
“Stay With Me” se tornou o primeiro single da banda a entrar no Top 10 do Reino Unido. Nessa época, Rod Stewart já desfrutava de sucesso solo com “Every Picture Tells A Story” e “Maggie May”, chegando a liderar as paradas de singles e álbuns em ambos os lados do Atlântico. Rumores de que Stewart guardava suas melhores músicas para si cresciam, alimentados pelo fato de seu álbum seguinte, “Never A Dull Moment” (1972), incluir “True Blue”, gravada durante uma sessão com os Faces.
O quarto álbum da banda, “Ooh La La”, lançado em abril de 1973, acentuou as tensões. Rod Stewart demonstrou desinteresse, faltando às primeiras semanas de gravação e deixando Wood assumir os vocais principais na faixa-título. Stewart chegou a descartar o álbum como “uma bagunça completa”. McLagan o chamou de “disco de Ronnie Lane”, já que Lane havia escrito ou coescrito mais da metade das músicas. O álbum era mais introspectivo e com influências folk, embora ainda contasse com faixas de rock como “Silicone Grown” e “Borstal Boys”, e o sucesso “Cindy Incidentally”. McLagan recorda que “Cindy Incidentally” surgiu rapidamente, com Rod perguntando sobre um riff de piano que era uma versão invertida de “Memphis, Tennessee”.
Mas o estilo de vida agitado, as turnês incessantes e os atritos crescentes começaram a cobrar seu preço. Em maio de 1973, Ronnie Lane anunciou sua saída. Ronnie Wood descreve o momento como “uma piada ruim que deu errado”, pois a saída de Lane, que fugiu com a esposa de um amigo, foi levada a sério. Lane cumpriu sua palavra, formando sua nova banda, Slim Chance. Kenney Jones resumiu o impacto: “Quando Ronnie Lane saiu da banda, o espírito dos Faces também se foi. Ronnie era parte essencial da banda. Era a formação completa quando ele estava lá. Depois disso, nunca mais foi a mesma.”
A tentativa de preencher a lacuna com o baixista japonês Tetsu Yamauchi, que havia substituído Andy Fraser no Free, não foi bem-sucedida. McLagan admite: “Não foi culpa dele, mas ele era um festeiro e achava que ia beber muito e se divertir um pouco, enquanto nós buscávamos mais criatividade e bem menos bebida.” A verdade é que ninguém poderia substituir Ronnie Lane, que era a “cola que unia os Faces” e um compositor genial.

A banda continuou por mais 18 meses, mas com poucos resultados além de alguns singles, como “Pool Hall Richard” e “You Can Make Me Dance, Sing Or Anything”, e um álbum ao vivo mal mixado, “Coast To Coast: Overture And Beginners”. Em janeiro de 1975, Ronnie Wood recebeu a proposta de se juntar aos Rolling Stones. Kenney Jones lembra: “Todos nós dissemos: ‘Sim, Woody, vá em frente, sem problemas. Só se comporte, porque nossa turnê começa logo depois da deles’.” Mas quando Wood retornou, ele já era um Rolling Stone. Rod e Jones sabiam que o fim estava próximo, especialmente com Rod se mudando para os Estados Unidos. A saída de Wood foi a gota d’água. Em dezembro, os Faces haviam chegado ao fim.
Ronnie Lane, diagnosticado com esclerose múltipla, faleceu em 1997. Ao longo dos anos, rumores de uma reunião dos membros remanescentes eram frequentes, mas pareciam improváveis devido às carreiras bem-sucedidas de Stewart, Wood, Jones e McLagan. Houve encontros ocasionais, mas nada de longo prazo. Em 2008, Stewart mencionou a possibilidade de tocarem juntos novamente, e o quarteto chegou a ensaiar em Londres, mas o silêncio se seguiu.
No entanto, os outros seguiram em frente. Em outubro de 2009, Wood, McLagan e Jones realizaram um show beneficente no Royal Albert Hall, com Mick Hucknall (Simply Red) nos vocais e Bill Wyman no baixo. Foi um sucesso surpreendente. Uma reunião oficial foi anunciada em maio de 2010, com Glen Matlock (Sex Pistols) substituindo Wyman. Embora não houvesse novas gravações, os shows ao vivo foram espetaculares. Hucknall, fã dos Faces desde criança, expressou sua humildade: “Não vejo minha posição como a de substituí-lo. Estou completamente disposto a ceder meu lugar sempre que Rod quiser subir naquele palco com eles.”
Kenney Jones reflete sobre o “negócio inacabado” da banda: “É uma pena que tenhamos nos separado da maneira que nos separamos. Deveríamos ter continuado por mais tempo. E essa é uma das razões pelas quais queríamos voltar a tocar juntos – para terminar da maneira correta.” McLagan compartilha o sentimento: “Esperei muito tempo por isso. Venho tentando isso há anos e anos. Temos shows marcados, mas eu gostaria de mais.” Ele conclui com uma ponta de nostalgia: “Eu tinha 24 anos quando estava nos Faces. Eu era jovem, estava apaixonado, tinha um filho pequeno, estava ganhando dinheiro, estava tocando música com a melhor banda do mundo. Éramos cinco personagens que se davam muito bem. Sempre dou risada quando leio sobre bandas que brigavam entre si – The Who, The Kinks e outras – mas nós nunca tivemos isso. Era diversão ou nada. Era mesmo.”
Matéria original publicada na edição 162 da revista Classic Rock (julho de 2011)



