Em 1980, o mundo da música pop estava em plena efervescência, digerindo as últimas reverberações do punk e abraçando as novas ondas eletrônicas que varriam o cenário. Foi nesse contexto que uma banda de Akron, Ohio, com uma visão singular e uma estética inconfundível, lançou um single que se tornaria um hino inesperado. “Whip It”, do DEVO, completa 45 anos de seu lançamento, e sua trajetória é um testemunho da capacidade da arte de subverter expectativas e se infiltrar no imaginário popular.
O DEVO não era uma banda comum. Formada no início dos anos 70 pelos irmãos Mark e Bob Mothersbaugh, e Gerald e Bob Casale, além de Alan Myers, o grupo cultivava uma filosofia peculiar: a “devolução”. Para eles, a humanidade, em vez de evoluir, estava regredindo, e sua música e performances eram uma sátira mordaz a essa decadência. Vestidos com uniformes industriais, óculos de proteção e, mais tarde, os icônicos “Energy Domes”, eles eram uma anomalia visual e sonora.
Antes de “Whip It”, o DEVO já havia conquistado um culto de seguidores com álbuns como “Q: Are We Not Men? A: We Are Devo!” e “Duty Now for the Future”. Sua música era uma fusão de new wave, post-punk e eletrônica, caracterizada por ritmos sincopados, sintetizadores angulares e vocais robóticos. Eles eram intelectuais disfarçados de operários, usando a ironia e o absurdo para comentar a sociedade de consumo e a conformidade.
“Whip It” surgiu no álbum “Freedom of Choice”, lançado em 1980. A canção, com sua linha de sintetizador hipnótica e a batida propulsiva, era uma peça de pop eletrônico que, à primeira vista, parecia mais acessível do que seus trabalhos anteriores. No entanto, a letra, escrita por Gerald Casale, era uma colagem de frases de autoajuda e slogans motivacionais, descontextualizadas para criar um efeito de paródia sobre a resiliência e a superação.

A verdadeira explosão de “Whip It” veio com seu videoclipe. Em uma era em que a MTV estava apenas começando a moldar o panorama musical, o vídeo do DEVO era uma obra-prima de estranheza e controvérsia. Filmado em um rancho na Califórnia, ele mostrava Mark Mothersbaugh chicoteando a roupa de uma mulher enquanto os outros membros da banda observavam, vestidos com seus trajes de fazendeiro. A cena, embora alegórica e satírica, foi mal interpretada por muitos, gerando debates e até mesmo proibições em algumas emissoras.
Apesar da controvérsia, ou talvez por causa dela, o vídeo de “Whip It” se tornou um grampo na programação da MTV. A exposição massiva catapultou o single para o Top 20 da Billboard Hot 100, transformando o DEVO de uma banda cult em um fenômeno mainstream. De repente, milhões de pessoas estavam expostas à sua estética peculiar e à sua música vanguardista, mesmo que nem todas compreendessem a profundidade de sua mensagem.
O sucesso de “Whip It” foi um divisor de águas para o DEVO. Por um lado, trouxe-lhes reconhecimento global e uma plataforma maior para sua arte. Por outro, gerou uma percepção de que eles eram apenas a “banda do chicote”, ofuscando a complexidade de sua discografia e a seriedade de sua crítica social. Eles lutaram para replicar o mesmo nível de sucesso comercial, mas a canção garantiu seu lugar na história da música pop.
Quarenta e cinco anos depois, “Whip It” continua a ser uma canção que desafia categorizações fáceis. Sua melodia é inegavelmente cativante, mas sua essência é subversiva. Ela representa um momento em que a música pop estava disposta a abraçar o experimental e o conceitual, mesmo que isso significasse chocar e confundir o público. O DEVO, com seu chicote de estranheza, abriu caminho para que a música eletrônica e as performances visuais se tornassem elementos centrais da cultura pop.
A canção permanece um lembrete de que a arte mais impactante muitas vezes reside naquilo que é diferente, naquilo que nos força a questionar e a ver o mundo sob uma nova ótica. “Whip It” não é apenas uma canção; é um manifesto sonoro e visual que, mesmo após quase meio século, ainda nos convida a chicotear a conformidade e a abraçar a nossa própria estranheza.