O dia em que a Bose fez a música morrer

Julio Mauro
5 minutos de leitura

The day the music died…” Don McLean cantou essa frase em American Pie para falar do fim de uma era na música, quando o som parecia ter perdido sua alma. Mais de cinquenta anos depois, ela volta a fazer sentido, não por causa de um acidente de avião, mas por causa de um botão desligado em algum servidor.

Em fevereiro de 2026, uma linha inteira de produtos da Bose vai perder a voz. Os alto-falantes SoundTouch, lançados em 2013 como o futuro do áudio conectado, deixarão de funcionar como foram pensados. O aplicativo que controla o sistema será desativado, os serviços de streaming vão parar e as funções smart desaparecerão. Vai sobrar o som puro e uma lembrança incômoda sobre o que significa realmente possuir algo na era digital.

A decisão da Bose não é um caso isolado. É mais um exemplo de como produtos caros e em perfeito estado deixam de funcionar porque o software foi abandonado. O hardware continua bom, mas o que o tornava “inteligente” dependia de servidores e aplicativos que já não existirão.

Quando o suporte acabar, os SoundTouch ainda poderão tocar música via Bluetooth ou entrada auxiliar. Mas, para quem comprou o sistema pelo conforto de controlar tudo pelo app e ouvir músicas em várias salas da casa, a perda é grande. O que antes era um sistema conectado vira apenas uma caixa de som comum.

A explicação da Bose é conhecida: manter a infraestrutura da nuvem custa caro e o software envelhece. Pode até fazer sentido para a empresa, mas escancara o quanto os produtos dependem de um suporte que tem data para acabar. Uma caixa de som pode durar décadas. O aplicativo que a controla, não.

Bose sem conexão com a internet

A empresa ainda tenta amenizar a insatisfação oferecendo um crédito de troca, mas o valor é simbólico perto do investimento que muitos fizeram. Modelos da linha custavam entre 200 e 1.500 dólares, e a proposta soa mais como um lembrete de que o consumidor precisa se adaptar ao ciclo acelerado das novas gerações de produtos.

A obsolescência programada mudou de forma. Antes, era uma peça que quebrava ou um componente que deixava de existir. Agora, basta um servidor desligado para transformar um aparelho caro em sucata. É uma obsolescência silenciosa, disfarçada de atualização tecnológica.

Essa dependência do digital se tornou tão natural que muita gente nem percebe mais. Hoje, para ouvir música, é preciso conexão, login e autorização. As músicas que compramos nas plataformas não são nossas. São alugadas. Se o serviço cair, o som desaparece. E é aí que o som offline mostra seu valor.

Aqui no Disconecta, a gente sempre defendeu o som físico: o LP, o CD, o arquivo que é realmente seu. Nada disso depende da nuvem ou de uma conta ativa para continuar funcionando. O vinil pode riscar, o CD pode arranhar, mas a música está lá. E ninguém pode desligá-la por você.

O caso da Bose também mostra como a tecnologia, que prometia liberdade, acabou criando novas formas de dependência. O que antes era simples, colocar um disco e ouvir, agora precisa de aplicativos, autenticações e conexões. Cada vez mais, o som depende da nuvem, e o silêncio vem do alto, quando alguém decide encerrar um serviço.

No fim, os SoundTouch ainda vão tocar. Só que sem nuvem, sem aplicativo, sem conectividade. Vão voltar a ser o que sempre foram: caixas de som. E talvez exista aí uma lição simples. Em meio a tanta tecnologia, o que a gente mais quer é apertar o botão e ouvir música. Sem pedir permissão a ninguém.

Leia aqui o comunicado oficial da Bose: https://www.bose.com/soundtouch-end-of-life

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