Com a discografia completa – nove discos, um EP e um single – apenas no Bandcamp, Luiz Bruno, o Lule, não se importa com a corrida pelos números das plataformas de streaming. Depois de 11 anos vivendo em Londres, ele retornou ao Brasil por amor e dá vazão a “novas velhas” canções em disco gravado ao vivo com a banda As Crianças Adultas, formada por Lucas Bruno, André Nectoux, André Garbini e Haroldo Paraguassú.
Contendo seis faixas e com o título Lule & As Crianças Adultas Ao Vivo no Espaço, o décimo disco da jornada do artista nasceu quando ele retornou ao Brasil: “Ano passado, logo que voltei de Londres, montei uma versão brasileira da banda que eu tinha lá (The Adult Children). E compus duas versões em português para músicas que já estão na minha discografia, mas que fiz originalmente em inglês. E, com o passar do tempo, além dessas duas, optamos por gravar mais quatro versões. As faixas originais foram gravadas por mim no meu estúdio caseiro em Londres utilizando samples e baterias eletrônicas, com exceção de ‘Eu Me Afundei Na Lama Da Culpa’ que contou com o francês Thomas Broda na bateria. Então, entrar em estúdio e ouvir as canções sendo tocadas por uma banda foi muito legal. Tivemos que adaptar alguns arranjos e o resultado trouxe uma nova identidade para as faixas. No dia da gravação estávamos bem confiantes e ensaiados, apesar de ser um banda relativamente nova, todos os membros são bastante ativos na cena porto-alegrense e já havíamos feito um show em setembro numa passagem rápida minha por Porto Alegre antes de voltar em definitivo. O clima no dia da gravação era de descontração e liberdade”, lembra.
Gravado no estúdio Sangha em Porto Alegre por Alexandre Birck (baterista da Graforréia Xilarmônica) o disco foi produzido, mixado e masterizado por Lule e é lançado pelo selo gaúcho Tal&Tal Records.
Influenciado por artistas como Arnaldo Baptista, Frank Zappa, The Mothers of Invention, The Flaming Lips, Brian Wilson, Procura-se Quem Fez Isso, Captain Beefheart, The Breeders, Aristotheles de Ananias Jr, Marcelo Birck e Sun Ra, Lule é um artista inquieto – só ano passado lançou cinco álbuns e também tem outros quatro projetos musicais.
“Para mim, gravar e fazer música – principalmente gravar – é que nem respirar, ou dormir, preciso fazer. Escuto a música dentro da minha cabeça o dia inteiro e preciso botar pra fora. Ouvir elas saindo dos alto-falantes é um grande barato de estar vivo pra mim. Acredito que a música tem o poder de alterar a consciência das pessoas, sei por experiência própria. Quando falo de alterar a consciência não estou falando de drogas e sim de uma forma de transformar pensamentos e quebrar a realidade, de não aceitar as convenções que o mundo nos impõe desde cedo. Isso sempre me incomodou desde que eu era muito jovem, e levei para vários extremos essa inquietação, até que, através de um despertar espiritual, em 2013, com a meditação diária, percebi que eu deveria usar a música como os mestres Zen, como o Boddhidharma que, percebendo a inconstância e caos incontrolável no mundo, utilizam o humor e anedotas absurdas para chacoalhar as pessoas e tirarem elas do seu estado de inércia e dormência. Isso e o dadaísmo, assim como o humor e a sátira, são para mim as mais altas formas de espiritualidade. Por isso que o Buddha é sempre representado rindo.”
Quanto ao que ele aponta como diferencial do seu trabalho, Lule diz: “originalidade, busco fazer um som que eu nunca ouvi, que não se parece com nada que esteja na moda. Faço gravações caseiras lo-fi utilizando cassete em gravadores antigos de quatro pistas. Toco guitarra, baixo, teclado, canto, componho e gravo tudo sozinho. Utilizo meus próprios sintetizadores analógicos e drum machines que colecionei ao longo dos anos. Misturo samples e sons não convencionais junto com muitos efeitos eletrônicos, além de alteração da voz através da manipulação da velocidade da fita. Utilizo humor e sátira para criticar a sociedade e o capitalismo e também para tratar de assuntos polêmicos como saúde mental, tendências e modas superficiais. Ao mesmo tempo, em uma grande salada musical, gosto de inserir temas sobre espiritualidade e autoconhecimento que são muito importantes para mim”.