Em novembro, o mundo da música celebra as quatro décadas de “Psychocandy”, o álbum de estreia do The Jesus and Mary Chain. Para marcar a data, o podcast Redação DISCONECTA reuniu os hosts Marcelo Scherer e Luis Fernando Brod, juntamente com o convidado Ricardo Schott, do site Pop Fantasma, para dissecar essa obra seminal. Considerado por críticos e historiadores como o “marco zero” do shoegaze, o disco lançou as bases para uma sonoridade que se espalharia pelos anos 90, fundindo melodias pop com paredes intransponíveis de ruído.
Apesar de sua importância histórica inegável, o consenso no programa é claro: “Psychocandy” não é o cartão de visitas ideal para o ouvinte iniciante. O som é agressivo e, ao ser ouvido em fones, o ruído constante assemelha-se ao chiado de uma televisão fora do ar ou ao encerramento de uma transmissão, mas com o volume potencializado.
Essa barulheira, contudo, teve uma origem curiosa. William Reid, guitarrista e cofundador, admitiu que a intenção original era soar como os Ramones. No entanto, cientes de suas limitações técnicas na época e operando sob uma filosofia “faça você mesmo”, a banda encobriu as melodias com camadas de feedbacks e microfonia para disfarçar a falta de habilidade e criar uma identidade própria,.
A sonoridade única da banda nasceu de uma fusão audaciosa. Os irmãos Reid, vindos de East Kilbride — uma cidade no interior da Escócia descrita humoristicamente na conversa como a “Pato Branco” deles, devido ao isolamento e tédio, misturaram a devoção pelo Velvet Underground com o pop das girl groups dos anos 60, como The Shangri-Las,.
O ambiente monótono e por vezes violento em que viviam moldou essa raiva sonora. A falta de perspectivas de emprego seguro (William chegou a trabalhar brevemente em uma fábrica antes de desistir) e a violência das gangues locais fizeram com que a música se tornasse a única saída viável,. Essa tensão traduzia-se nos palcos: os primeiros shows eram marcados por sets curtíssimos, brigas reais entre os irmãos e tumultos com o público, uma fama de “bad boys” astutamente explorada pelo empresário Alan McGee e pela imprensa britânica,.
No Brasil dos anos 80, o acesso a “Psychocandy” foi marcado pela precariedade técnica. Ricardo Schott relembrou como muitos fãs conheceram o álbum através de fitas cassete de baixa qualidade (como a marca VAT), o que tornava difícil distinguir o que era ruído artístico da banda e o que era a má qualidade da gravação. Contudo, isso não impediu sua influência massiva. Bandas brasileiras como Legião Urbana, Killing Chainsaw e Second Come beberam diretamente dessa fonte de pós-punk raivoso.
Visualmente, o álbum também se destacou. A capa, que remete a uma tela de televisão ou a um fotograma pixelado de videoclipe, captura a essência da videoarte, antecipando uma estética cross-media muito antes do termo se popularizar,.
Para quem deseja começar a ouvir The Jesus and Mary Chain hoje, o debate sugere iniciar por trabalhos posteriores e mais polidos, como “Darklands” ou “Honey’s Dead”. No entanto, “Psychocandy” permanece intocável como uma obra de arte do ruído. Faixas como “Just Like Honey” provam que, por trás da parede de distorção, havia uma capacidade inegável de compor belas canções pop, tornando o disco uma “obra-prima” necessária para entender a evolução do rock alternativo,.




