40 anos de “Rain Dogs” de Tom Waits | RD #082

Marcelo Scherer
7 minutos de leitura
Thumb do Redação DISCONECTA sobre os 40 anos de "Rain Dogs" de Tom Waits.

Nessa edição do Redação DISCONECTA, Virgílio Migliavacca, Luis Fernando Brod e Victor Persico debruçaram-se sobre o impactante “Rain Dogs”, álbum lançado por Tom Waits em 1985.

Embora Tom Waits seja frequentemente visto como uma figura anômala que representa a “velha América estranha,” seu álbum “Rain Dogs”, que é simultaneamente romântico e corajoso, possui uma relevância enorme para os “elegantes e pragmáticos anos 80,” maior do que aparenta à primeira vista. Este disco celebra a vida dos despossuídos e marginalizados na era da “América de Reagan,” retratando uma Nova York em transição, que migrava de uma capital marginalizada para uma capital yuppie.

O cheiro da Nova York suja

Victor Persico ressaltou que o ouvinte consegue sentir o cheiro da Nova York daquela época ao escutar o álbum. A obra capta tanto a beleza quanto a aspereza de viver na cidade naquele período.

A atmosfera do disco está profundamente ligada à sua capa icônica. Contrariando a crença popular, a imagem não é de Tom Waits, mas sim uma foto de 1966 tirada em um bar em Hamburgo que era frequentado pela “ralé” da sociedade: marinheiros, drogados e prostitutas. Essa imagem alinha-se perfeitamente com o tema central do álbum: os despossuídos urbanos.

O próprio Waits explicou o título do álbum, “Rain Dogs” (Cachorros da Chuva), como uma metáfora: após a chuva, os cachorros se perdem porque todos os lugares onde urinaram foram lavados, impossibilitando-os de voltar para casa. Essa ideia se estende às pessoas que dormem em portas e à parte mais baixa da sociedade — o povo, mendigos, moradores de rua, desempregados.

Liberdade criativa e experimentação

Em termos de sonoridade, “Rain Dogs” marca uma evolução totalmente obscura na carreira de Waits, sendo gritantemente diferente dos seus primeiros trabalhos. Luis Fernando Brod classificou o disco como “mais cinematográfico,” utilizando a música para mostrar a Nova York em que Waits vivia. O álbum é uma colagem de estilos, incorporando blues, música de cabaré, country e até mesmo blues.

A gravação, que durou apenas dois meses e ocorreu em um porão perto do rio Hudson, foi um processo “faça você mesmo”. Tom Waits preparou a gravação andando pelas ruas de Nova York, gravando barulhos e ruídos para criar a atmosfera do disco. Ele utilizou artifícios manuais, ao invés da tecnologia avançada da época, o que torna o álbum mais interessante de ouvir. Instrumentos não ortodoxos foram empregados, e o uso de pratos pelo percussionista Michael Blair foi mínimo, focando em sons mais arrastados de surdo, tom e maracas, o que confere um charme maior à obra.

Virgílio Migliavacca comentou que, enquanto muitas bandas dos anos 80 tentavam modernizar suas sonoridades com sintetizadores, Waits fez o caminho inverso. O álbum é considerado “alternativo puro,” abrindo as portas para uma grande liberdade criativa para as bandas que vieram depois.

O desafio e a aclamação

“Rain Dogs” faz parte de uma trilogia, que inclui “Sword Fish Trombones” e “Frank’s Wild Years”. Contudo, não é necessariamente a melhor porta de entrada para quem não tem contato com o trabalho de Tom Waits, podendo soar maçante ou causar um estranhamento inicial. Victor Persico ilustrou a mudança de sonoridade comparando os trabalhos: se o primeiro álbum, Closing Time, é como entrar em um bar tocando piano, o “Rain Dogs” é como entrar no “puteiro mais sujo da cidade” e ser recebido por um cafetão.

Apesar de ser um trabalho experimental, o álbum foi o maior sucesso comercial de Tom Waits, vendendo mais de 4 milhões de cópias em todo o mundo e alcançando o status de ouro nos Estados Unidos e Reino Unido. Ele competiu nas paradas de 1985 com gigantes como “Like a Virgin” (Madonna) e “Brothers in Arms” (Dire Straits). A crítica o aclamou como uma obra-prima, sendo que a Pitchfork deu nota 10 ao disco em uma reavaliação.

Luis Fernando Brod notou que, por ser um vinil simples com 19 faixas, as músicas são curtas e se encaixam umas nas outras muito rapidamente. A única faixa que destoa desse clima, sendo mais polida e lembrando a sonoridade de Bruce Springsteen, é “Downtown Train”. No entanto, a faixa favorita de Brod é “Big Black Maria”, que conta com a participação de Keith Richards. O processo de gravação dessa música foi excêntrico, com Waits explicando a Richards que a música era como um “animal se mexendo”.

Para Victor Persico, a nota do disco é 11, pois Tom Waits “abriu as portas” para que se pudesse falar sobre a temática suja e obscura. Ele ressaltou que qualquer música suja de bandas novas após 1995 tem o dedo de Tom Waits.

O vocalista do Radiohead, Thom Yorke, confirmou a influência do álbum, descrevendo-o como “um universo inteiro revelado”, com cada faixa sendo um curta-metragem ambientado em uma América decadente, misteriosa e circense.

Mesmo com a carreira no cinema ganhando destaque recentemente, Tom Waits permanece como um artista underground e famoso, que não faz questão de buscar o hype. A obra é considerada um disco que deve ser redescoberto, mantendo-se querido por todos mesmo 40 anos após seu lançamento.

A obra “Rain Dogs” é, portanto, um discaço que merece o exercício de ser ouvido atentamente, revelando a poesia tirada “das piores coisas que rolam à meia-noite nos centros da cidade”.

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