Em um episódio recente do podcast Redação DISCONECTA, os hosts Marcelo Scherer e Luis Fernando Brod, juntamente com o estudioso Vicente Toniolo, mergulharam na história e no impacto de “The Head on The Door”, o icônico sexto álbum do The Cure, que completa 40 anos em 2025.
Lançado em 26 de agosto de 1985, este disco não foi apenas mais um lançamento; ele representou uma ruptura fundamental na trajetória da banda, catapultando Robert Smith e The Cure ao estrelato global.
Antes de “The Head on The Door”, The Cure era largamente sinônimo de “escuridão” e “melancolia gótica”, conhecido por uma trilogia sombria que incluía “Seventeen Seconds”, “Faith” e “Pornography”. No entanto, este álbum “chutou essa porta e levou a melancolia para dançar nas paradas de sucesso”, marcando uma “explosão da banda no mundo inteiro” com hinos como “In Between Days” e “Close to Me”.
A formação do quinteto clássico
Um dos fatores cruciais para essa transformação foi a formação do que o episódio chamou de “Quinteto Mágico” ou “quinteto clássico”. Robert Smith, que havia tentado, mas não conseguiu consolidar uma banda ideal no álbum anterior, “The Top” – muitas vezes considerado um esforço solo seu –, finalmente encontrou a engrenagem perfeita. Esse período viu o retorno de Simon Gallup no baixo e de Porl Thompson (que já havia participado do Easy Cure, o embrião da banda), além da chegada do baterista Boris Williams.
Ainda nesse contexto de mudanças, Lol Tolhurst, o baterista original e cofundador, fez a transição para os teclados. Essa mudança foi vista como benéfica, dado que a técnica de Lol na bateria era limitada, e Simon Gallup já enfrentava dificuldades com ele na seção rítmica. Boris Williams, com sua “pegada mais elaborada” e criatividade, trouxe uma nova dinâmica. Apesar de Lol Tolhurst ter enfrentado problemas de alcoolismo na época, o que o levou a participar pouco do processo criativo de “The Head on The Door”, sua importância para a história da banda é inegável.
Ecletismo e um caldeirão de influências musicais
“The Head on The Door” se destacou por seu notável ecletismo e diversidade sonora, distanciando-se do som puramente gótico anterior. O álbum foi um verdadeiro caldeirão de influências. Vicente Toniolo mencionou que Robert Smith citou “Kaleidoscope” do Siouxsie and the Banshees e um álbum do Human League (uma banda synth-pop) como inspirações seminais. Outros discos importantes que permearam a construção sonora foram “Mirror Moves” do Psychedelic Furs, “This Year’s Model” do Elvis Costello, “Low” do David Bowie – Smith sempre foi um grande fã de Bowie – e o álbum de estreia do The Stranglers.
Uma análise faixa a faixa revela essa riqueza:
- “In Between Days” foi comparada à sonoridade do New Order.
- “Kyoto Song” incorporou “traços de som oriental total”, remetendo ao Japão.
- “The Blood” ostenta um estilo “flamenco total”.
- “Six Different Ways” foi inspirada em uma música de piano do Siouxsie and the Banshees, com uma leveza comparável a “Love Cats”.
- “Close to Me” apresentou uma batida com pegada “meia disco”.
- “A Night Like This” é marcada por um “solo de sax puta do caramba” e, com sua atmosfera mais melancólica, é vista como precursora da sonoridade de “Disintegration”.
- “Screw” com seu baixo evocou o funk-rock, chegando a influenciar bandas como o DeFalla no Brasil e o Faith No More.
- “Sinking” remete à era “Faith” e à atmosfera mais dark do The Cure, com teclados espaciais que lembram o que o Legião Urbana faria mais tarde.
- “Push” foi destacada como a melhor música do disco por alguns, com um trabalho de guitarras espetacular e uma longa introdução instrumental que leva quase 1 minuto e 42 segundos para o vocal entrar, exibindo arranjos complexos.
- “The Baby Screams” é fortemente influenciada pelo New Order, com seu “cintzinho no começo” e “baixão”.
Apesar da sonoridade mais “solar”, as letras de Robert Smith mantinham o contraponto característico, explorando “imagens católicas” e a “iconografia do sangue de Cristo”, além de temas como pesadelos e morte, como em “Kyoto Song”.
Impacto comercial e visão estratégica
O álbum foi um sucesso comercial, alcançando a 7ª posição no mercado inglês. Robert Smith tinha uma busca incessante para penetrar no mercado americano, um objetivo que ele eventualmente alcançaria com “Wish”. O auge da MTV em 1985 foi crucial para a popularização do álbum, com os clipes de “In Between Days” e “Close to Me” tocando muito, ajudando a criar a “iconografia” visual da banda, com o famoso “cabelo puffzão”, maquiagens pesadas e pele branca.
A banda se cercou de profissionais altamente gabaritados. Tim Pope foi o diretor dos clipes, trazendo uma vasta experiência com artistas como David Bowie e Bryan Ferry. Dave Allen, o produtor e engenheiro, trabalhou nos álbuns mais clássicos da banda, incluindo “Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me”, “Disintegration” e “Wish”. A capa do álbum foi criada por Porl Thompson e Andy Vella, da empresa Passepartout, o que demonstra o envolvimento artístico dos próprios músicos.
A divulgação também foi estratégica, com o lançamento dos singles “In Between Days” em julho de 1985 e “Close to Me” em setembro do mesmo ano. A coletânea de singles “Standing on a Beach” (1986) e um VHS promocional com shows e clipes foram importantes para expandir o público e explorar o mercado americano. Robert Smith participou ativamente da seleção das músicas para a coletânea, demonstrando sua clara “visão de mercado” e seu desejo de “atingir o mercado americano”.
Fãs, legado e reflexões culturais
A mudança sonora de “The Head on The Door” gerou uma divisão entre os fãs. Alguns adeptos da trilogia gótica inicial começaram a “renegar essa fase deles”, rotulando-a como “comercial” ou “mais solar”. No entanto, o The Cure tem a capacidade de “agradar a todos” devido à sua diversidade sonora ao longo dos anos, com álbuns “solares” e “darks”. Observa-se que, atualmente, fãs mais jovens tendem a preferir a fase “solar” do The Cure, com músicas como “In Between Days” e “Friday I’m in Love”, que frequentemente aparecem no “top five” dos streamings. Contudo, nos shows, Robert Smith “passeia por todas as fases da banda”, garantindo que todos os públicos sejam agradados.
O último disco do The Cure é visto como um “retorno às origens”, com músicas longas, que abordam temas de morte e depressão, “muito parecido lá com o Disintegration”. “The Head on The Door” é amplamente considerado uma “obra prima” e um “bestseller”, um álbum “irretocável” que pavimentou o caminho para sucessos posteriores como “Disintegration”, sendo facilmente colocado no “top três” da discografia da banda.
Curiosamente, o nome do álbum é um trecho da música “Close to Me”. A banda teve suas origens em um “interior do interior” cinzento da Inglaterra, um ambiente que pode ter influenciado seus temas melancólicos iniciais. O episódio também revelou a existência de uma “rixa” entre New Order e The Cure, “muito baseada na inveja de Peter Hook ao Gallup”, confirmada por Robert Smith em uma entrevista de 2013.
Uma reflexão levantada na conversa destacou a profundidade cultural de artistas de outrora. A “bagagem cultural literária e musical” de artistas antigos, que se inspiravam em livros e tinham “estofo cultural” para compor, contrasta com a superficialidade percebida na música atual. Robert Smith, um “leitor ávido”, é um exemplo disso. As bandas antigamente aprendiam a tocar escutando discos e rádio, buscando inspiração na literatura para contar suas histórias.
“The Head on The Door” não é apenas um álbum marcante na discografia do The Cure, mas um divisor de águas que redefiniu a imagem da banda, expandiu sua base de fãs e pavimentou o caminho para o sucesso global. Graças a uma combinação de gênio musical, visão estratégica e a formação de um quinteto coeso, seu ecletismo e a capacidade de Robert Smith de se reinventar, mantendo sua assinatura lírica, consolidaram The Cure como uma das bandas mais influentes e duradouras da história da música.