Os Disconectors do Redação Disconecta se reuniram para uma celebração de peso: os 45 anos de “Remain in Light”, clássico dos Talking Heads. Lançado em 8 de outubro de 1980, o álbum é um divisor de águas — não apenas na trajetória da banda, mas também na história da música pós-punk e da new wave.
Marcelo Scherer, Julio Mauro e Luis Fernando Brod mergulharam nas camadas dessa obra. Brod admitiu que, embora o disco não estivesse no seu radar, hoje o enxerga como um dos mais importantes da discografia do grupo. Para os hosts, trata-se de uma obra-prima que inaugura uma nova perspectiva para David Byrne: a incorporação, sem rodeios, da world music como eixo criativo.
O álbum marca uma ruptura frontal com o trabalho anterior da banda. O que salta aos ouvidos é a percussão hipnótica, fortemente enraizada no Afrobeat de Fela Kuti, costurada a sopros e teclados que empurram uma banda nascida do punk para um território completamente novo. Em um período de tensão cultural — entre o que se sentia e o que se pensava — o disco dribla cadências convencionais: quase não há refrões tradicionais. A repetição, os loops e a arquitetura rítmica criam um som circular e ritualístico, em diálogo com matrizes da música tribal negra.
A imersão afro-caribenha foi literal. Tina Weymouth e Chris Frantz, exaustos da dinâmica com Byrne, viajaram para o Caribe e participaram de rituais de vudu — experiência que se infiltra na pulsação do álbum. David Byrne, por sua vez, afundou-se em leituras de mitologia africana e textos antropológicos, que reverberam em letras sobre espiritualidade, colapso tecnológico e identidade fragmentada. Tão experimental é o projeto que até Brian Eno — produtor, inicialmente cansado da banda — “pirou” ao ouvir as demos.
Apesar de não ser um álbum “fácil” na primeira audição, “Remain in Light” conquistou aclamação crítica e chegou à 19ª posição na Billboard 200, nos EUA. “Once in a Lifetime” e “Crosseyed and Painless” despontam como destaques (esta última, segundo os hosts, a que mais remete ao Talking Heads anterior), enquanto “Houses in Motion”, calcada na polirritmia africana e no groove funk, também saiu como single. A revolução não foi só sonora: a capa está entre as primeiras a usar manipulação digital de imagem — ideia de Tina e Chris — antecipando tendências com softwares desenvolvidos pelos mesmos criadores de Tron.
O impacto foi duradouro. Em 2017, o disco foi selecionado pela Biblioteca do Congresso dos EUA para preservação no Registro Nacional de Gravações, reconhecido como cultural, histórica e esteticamente significativo. E seu legado se espraia por frentes diversas: no World Beat e no pop, ao consolidar a fusão de referências internacionais (influenciando, por exemplo, a carreira solo de Sting); na música eletrônica, cujos primórdios da house em Chicago e Detroit absorveram seu groove — especialmente entre públicos latino, negro e gay; e no rock contemporâneo, a ponto de os hosts afirmarem que sem este disco talvez não existissem bandas como o LCD Soundsystem ou um álbum como Kid A, do Radiohead.
Marcelo, Julio e Brod concordam: a estranheza inicial cede espaço a uma musicalidade rica, dançante e cheia de “molho”. Para quem quiser ver a banda em ebulição ao vivo nesse período, Julio recomenda o documentário Stop Making Sense (1983). E o Redação Disconecta encerra reconhecendo que, embora “cabeçudo” e “cerebral”, Remain in Light segue sendo uma excelente aquisição para qualquer colecionador.