No mais recente episódio do podcast Redação DISCONECTA, os apresentadores Marcelo Scherer e Luis Fernando Brod recebem a convidada Bruna Campos. Com uma trajetória sólida de 25 anos no mercado musical — tendo atuado em gravadoras, editoras, assessoria de imprensa e jurídica de artistas, gestão coletiva, além de manter sua própria editora e selo — Bruna compartilha uma visão abrangente e afiada sobre os bastidores da música.
O centro da conversa gira em torno de um tema urgente e delicado: música e direito autoral em meio à ascensão da inteligência artificial (IA). A discussão mergulha nos desafios que essa nova tecnologia impõe a criadores e profissionais do setor.
Ao longo do episódio, o ouvinte encontra reflexões importantes, como:
- A diversidade do mercado musical
Bruna chama atenção para o fato de que trabalhar com música vai muito além de subir no palco. Ser artista é só uma das pontas. Há espaço — e necessidade — para compositores, intérpretes, empresários, produtores musicais, fonográficos, editores e muito mais. E para atuar em qualquer dessas áreas, conhecimento é vital. Segundo ela, muitos desistem no meio do caminho por ignorarem as regras do jogo. - A importância do conhecimento profissional
Ela insiste: música é negócio. Quem quiser viver dela precisa tratar a carreira como um CNPJ. Não basta talento. É preciso entender o funcionamento do mercado. Muitos alunos seus, ao entrarem em contato com o universo do direito autoral, descobrem que podem gerar renda com serviços que nem imaginavam oferecer. - O retorno da mídia física
A conversa também toca no ressurgimento do LP, do CD e até da fita cassete. Bruna aponta que, embora esse movimento ainda represente um nicho, a produção de vinil aumentou, impulsionada por fãs que valorizam a experiência tátil e sensorial de possuir uma obra física. Isso representa algo que o digital ainda não consegue entregar. Além disso, a mídia física oferece segurança: ela não desaparece do dia pra noite por causa de um impasse contratual, como acontece nas plataformas digitais. - A remuneração nas plataformas digitais
A frustração com os valores pagos pelos streamings ganha espaço na discussão. O caso de Ivan Lins — que recebeu 0,00 centavos por um play — é citado como símbolo de um sistema problemático. Marcelo, Bruna e Luis Fernando abordam a transição do físico para o digital, destacando que o novo modelo não cobre o que os artistas ganhavam antes. O episódio destaca ainda a recente decisão do Spotify de não pagar artistas com menos de mil plays, algo que Bruna não hesita em classificar como “horrível”. - A falsa independência e o modelo das plataformas
Há uma crítica direta à lógica das grandes plataformas, que tratam a música como “conteúdo” e incentivam os artistas a trabalharem cada vez mais para gerar receita — enquanto garantem seus 30%. Bruna levanta a hipótese de que a entrada dos podcasts no Spotify foi uma estratégia para reduzir o volume pago em direitos autorais musicais. Ela também desconstrói o mito da “música independente”, lembrando que essa independência depende, na verdade, de dezenas de profissionais — muitos dos quais antes eram pagos pelas gravadoras que ficavam com boa parte do faturamento. - IA e o direito autoral em xeque
Esse talvez seja o ponto mais tenso da conversa. Bruna deixa claro: a inteligência artificial veio para ficar. O problema não é a tecnologia em si, mas a forma como ela está sendo usada. Treinar IA com obras protegidas por direito autoral, sem autorização, é um terreno perigoso. Para ela, o foco da discussão precisa ser como remunerar os verdadeiros criadores. - Os termos de uso das plataformas de IA musical
A atenção se volta para plataformas como o Suno, cujos termos de uso permitem que as criações dos usuários sejam reutilizadas para treinar a própria IA — podendo, inclusive, gerar versões semelhantes para outras pessoas. Bruna faz um alerta: quem utiliza essas ferramentas sem ler os termos pode acabar enfrentando problemas legais, como acusações de plágio. Plataformas como o YouTube, por exemplo, já usam o Content ID para identificar trechos copiados automaticamente. - Impacto da IA no mercado de trabalho musical
Bruna compartilha sua preocupação com a defesa cega da IA por parte de alguns criadores. Para ela, esse tipo de postura enfraquece as leis que protegem os artistas e acelera a substituição de funções essenciais. Profissionais como os “guieiros” — que gravam demos para compositores — já estão vendo sua demanda cair, pois os compositores estão usando IA para simular vozes e arranjos. A substituição não é mais algo futuro. Já começou. - Superando ilusões e buscando novas fontes de renda
Diante da realidade das plataformas digitais e do avanço da IA, Bruna recomenda que os artistas abandonem a expectativa de grandes ganhos com streaming. Ela sugere alternativas, como editais de cultura e estratégias para engajar fãs — desde pedir músicas autorais em bares até criar ações diretas com o público. - O impacto emocional das métricas
Outro ponto levantado é o desgaste psicológico que os números das plataformas causam. Muitos artistas se frustram ao verem “apenas” 5.000 ouvintes mensais — número que, na prática, representa um público expressivo. Bruna encoraja esses artistas a manterem o foco, ressaltando que esse tipo de alcance já pode ser transformador quando bem trabalhado. - Estudo, persistência e profissionalização
O recado final é direto: música é uma profissão de dedicação integral. Bruna reforça a necessidade de estudar, persistir e quebrar o estigma de que música é apenas um hobby ou um sonho distante. Sua própria história — 25 anos vivendo exclusivamente de música — prova que é possível fazer disso uma carreira sólida.