30 Anos de Slaughter Of The Soul, do At The Gates

Maurício Silva
17 minutos de leitura
At The Gates; Créditos: Imprensa

Em 1995 a situação para o death metal não era das melhores, especialmente quando se trata da cena da Flórida, que se tornava cada vez mais redundante, além de uma das bandas mais influentes do gênero que se destacou por sua versatilidade, o Death, se encontrava cada vez mais progressivo, através das influências do próprio Chuck Schuldiner, que já se via em outra musicalmente e não compactuava tanto do mesmo sentimento que seus colegas de cena quando se tratava de prioridades de sua própria carreira.

A revolução, entretanto, estava acontecendo no velho continente, muito além da segunda onda do black metal, surgia uma nova vanguarda que misturou elementos melódicos junto da agressividade do gênero, mais especificamente na cena do metal Sueco, a panelinha de Gotemburgo. Quando se tata do Death Metal Melódico, não existem muitas introduções a se fazer. Riffs que mesclam a rapidez do tremolo picking com a precisão do black e do próprio death metal junto da melodia monocromática de bandas como Iron Maiden e outras do cenário da NWBHM, além do thrash metal. Isso, é claro, de uma pitada de interlúdios acústicos barrocos em tudo quanto é lugar.

Jonas Björler, Adrian Erlandsson, Anders Björler, Tomas Lindberg e Martin Larson em um pub em Londres, 1995; Créditos: Mick Hutson/Redferns)

No mês de Novembro daquele mesmo ano, a cena sueca iria explodir para o mundo com dois lançamentos significativos, com The Gallery do Dark Tranquility, e principalmente Slaughter Of The Soul, do At The Gates, que não apenas inspirou tanto bandas posteriores do próprio gênero, como também do Metalcore que viria na década seguinte. Ao mesmo tempo em que foi um ponto de partida para a banda, também foi a canção do cisne para os 5 rapazes. Turnês extensas que não pagavam tão bem, a farra que sempre acabava em discussões foram fatores para desistência, isso se tivermos de lembrar que durante o lançamento, a recepção foi bem mista. O legado só veio a tona alguns anos depois que esse bandas relacionadas chegaram com força na América do Norte, pelo final da segunda metade dos anos 90 para os 2000 quando a banda já tinha acabado.

The Flames Of The End: Em 1995, o At The Gates já tinha um currículo bacana de lançamentos, dois álbuns de estúdio e mais dois EP’s, além de uma dose sessões de comer o pão que o diabo amassou como qualquer início de carreira que uma banda poderia ter, desde a qualidade de gravação em estúdio não ser como a esperada, um acidente envolvendo em conjunto da van do My Dying Bride (cujo ex-vocalista Aaron Stainthorpe, no documentário The Flames Of The End admite que ao veículo deles ter colidido na estrada com o de seu grupo, a pior coisa foi perder as cervejas que estavam na parte de trás do que os danos e o próprio acidente), até no início daquele ano, o manager ter sido roubado, junto dos instrumentos que carregavam. E bem, digamos que já é base o suficiente para “pedir para sair” numa situação dessas, porém, a resiliência sempre fala mais alto quando a inspiração bate.

Na primavera foi mandado uma demo para a Earache, gravadora com excelentes bandas no currículo (e péssimo histórico de management), como Carcass, Napalm Death, Morbid Angel, Entombed, e muitas outras. Digamos que, mesmo estando com um selo excelente que tem repercussão positiva no meio europeu como a Peaceville, as oportunidades pareciam mais brilhantes com a outra britânica, uma vez que já tinham uma base financeira melhor para sustentar os interesses de carreira dos rapazes. Convenhamos que também, muitas das bandas do catálogo, inclusive algumas das já citadas no parágrafo, já tinham um prestígio enorme na América do Norte, e para muitas bandas europeias, especialmente sul-americanas, era o mercado principal a ser atingido.

At The Gates na frente do bar Metalhead em Londres, 1995; Créditos: Imprensa

Foi uma gravação que demandou bastante esforço dos membros. Adrian Earlandson, como baterista, tinha uma jornada puxada com o trabalho pela manhã, podendo apenas gravar a noite, e só na icônica Blinded By Fear, precisou de cinquenta takes de suas linhas de bateria para que ficasse um trabalho rente, beirando a frustração. Além do fato de que muitas vezes, o produtor Frederik Nordström tínha de segurar a onda do baixista, Jonas Björler com suas exigências constantes em torno da perfeição do trabalho de seus membros. É dito que Nordström, teve de gastar em um gravador de 24 canais, sem nenhum dinheiro como retorno prévio para que pudesse participar da gravação, tendo três meses como prazo de pagamento pela empreitada, não era uma oportunidade que fosse perder, segundo o próprio.

“Foi uma gravação bem tranquila. Comparado com o In Flames, os At The Gates eram bem mais sérios. Eu não sei o quão relevante seria dizer, mas o Whoracle quase não aconteceu, perdiam tempo demais jogando Tekken 3 ou enchendo a cara” – Frederik Nordström, no doc. The Flames Of The End (2010).

Clipe de Blinded By Fear (1995); Créditos: Earache Records

Entrar na Earache foi uma benção, mesmo que temporária. Teve um marketing extensivo que os lançamentos anteriores não tiveram, desde entrevistas, coletivas de imprensa exclusivas na América do Norte e Europa, e um orçamento bacana para gravar o conhecido e esteticamente industrial clipe para Blinded By Fear, em Londres. “Tínha uma equipe enorme […] nós não esperávamos algo tão grande assim. Era algo totalmente novo, nos sentíamos como quatro garotos sem experiência de Gotemburgo”Tomas Lindberg ; “Eu acidentalmente arruinei a gravação quando estavam gravando no corredor”, Martin Larsson sobre o processo de gravação do clipe – “Quando uma das garotas estava fazendo sua performance, eu coloquei a cabeça em uma das entradas do corredor para ver o que estava acontecendo”. Milagrosamente, tal peripécia não acabou na edição final lançada ao público.

Foi o epicentro do som de Gotemburgo, não é uma audição longa, estamos falando de uma “porradaria” auditiva que cerca quase 35′ minutos, e se equipara muito em termos de sonoridade com o EP anterior lançado pela Peaceville. Mesmo que ainda com a representação melódica no som, os álbuns de estúdio anteriores tinham uma representação mais crua, bem próximo do que o underground extremo estava fazendo no continente naquela primeira parte de década. É uma bolacha acessível que em grande parte do senso comum, todo mundo gosta.

Como é normal no meio, a banda foi taxada de vendida pelos fãs dos discos prévios e o som é um “Thrashfest” intenso que desce como uma montanha russa do início ao fim, tendo como interlúdio, Into the Dead Sky que terminava com The Flames Of The End. Se consegue notar influências, inclusive, da cena vizinha com alguns arranjos de false cords na música Under A Serpent Sun. Uma participação especial ilustre na gravação do solo emblemático de Cold se faz com a presença do renomado guitarrista Andy LaRocque, que integra até hoje o time de músicos da carreira solo de King Diamond e também participação em outras grandes empreitadas, como segunda guitarra no álbum Individual Thought Patterns do Death, deixando a produção mais “gordinha” e variada em termos de riffs.

Foto promocional, 1995; Créditos: Earache Records

Slaughter[…], inclusive, é um álbum do gênero que possuí poucos solos, o foco está na agressividade dos riffs, nos blast beats e na intensidade do conteúdo lírico que foca em temas existenciais, proferidos por Lindberg. Temas como encarar a realidade pelo que ela é e se livrar das correntes do medo e dos dogmas fazem parte do single Blinded By Fear, que segue no tema com a faixa título, com os vocais de Tomas que rasgam o ar e rangem em absoluta fúria contestam a figura divina como a destruidora da alma, e que abre com o famoso Go!, gritado em absoluto êxtase pelos fãs em todos os shows da banda em que a faixa é tocada, ou seja, basicamente todos desde a reunião.

O álbum segue fundo na temática existencialista, proferindo o ressentimento ao mundo com faixas como Cold em sua juventude, até o ódio e desprezo pela hipocrisia que nos acorrenta em faixas como World Of Lies, assim como Under A Serpent Sun irá tratar de temas como o ciclo de corrupção, que leva a humanidade à auto destruição numa tragédia declarada. Se proferem visões niilistas do apocalipse de mundo pós-moderno nos anos noventa e que envelheceram como vinho para os padrões dos dias de hoje para o caos global apático em que estamos vivendo.

Quando menos percebe, foi atingido por um trem descarrilhado no ódio, raiva e agressividade sonora e lírica que nem dá tempo de entender e processar o que aconteceu, e precisa, assim como pedradas rápidas que vão direto ao ponto como Reign In Blood, do Slayer, ouvir de novo o som que inicia moshpits sem precisar de muito esforço. Inclusive, nos B-Sides, lançados em 2002, anos após o primeiro fim, são lançadas algumas faixas bônus, incluindo um cover de esfriar a espinha de Captor Of Sin, do álbum Hell Awaits, lançado 10 anos antes, em 1985 pelos Californianos mais depravados da cena Thrash.

Ao vivo na Cracóvia (Polônia), abrindo para o Morbid Angel em 1995; Créditos: Earache Records

No ano de 2008, os At The Gates finalmente se reúnem, com uma base de fãs extensiva para shows de reunião temporários celebrando o legado da banda e terminando as atividades de forma correta, com direito a shows extremamente barulhentos em termos de participação do público, segundo o próprio vocalista Tompa, o som dos PA’s no show em Nova York daquele ano, vindo da audiência, chega a superar o da própria banda, e a audiência Japonesa havia sido uma das melhores. Existe um público bem devoto desse gênero na terra do Sol nascente, e sabemos como são bem exigentes até com o material que são lançados nas prateleiras de lojas especializadas, com direito a faixas bônus e material físico de extrema qualidade.

Em 2010, é lançado o DVD The Flames of The End, com um documentário gravado e editado pelo guitarrista Anders Björler, que se formou em cinema e audiovisual, junto do imortalizado show no Wacken Open Air de 2008 (Alemanha), talvez o registro mais prestigiado da banda pelos fãs e por toda cena headbanger, junto de cenas cortadas do registro de Anders e também de gravações em bootleg ao vivo, cedido por fãs e pessoas da cena que viveram a época e os prestigiaram ao vivo, mesmo que com uma baixa audiência à uma banda um tanto desconhecida de um grande público.

Flyer do Festival Extreme The Dojo no Japão, 2008; Créditos: Imprensa

Em 2011, a banda retorna de volta à ativa, realizando shows, inclusive, no ano seguinte, tendo na turnê Latino Americana, o Brasil incluído na programação, um evento histórico que ocorreu na célebre casa de shows underground Hangar 110 (e testemunhado também por aquele que vos escreve essa resenha), com direito ao que sempre faziam em seus shows, tocar em grande parte, se não em sua totalidade, todas as faixas do álbum, junto dos clássicos de outrora da fase trve kvlt, agradando a todos os públicos.

Nesse meio tempo, bandas como Napalm Death, os suecos e outros do catálogo processavam a gravadora Earache Records por reter parte dos ganhos e questões envolvendo direitos autorais, na quão ganharam a causa tranquilamente, mostrando o lado negativo de uma gravadora em decadência que foi tão prestigiada pelos seus lançamentos de metal extremo em outrora, vivendo apenas de passado.

Slaughter of the Soul ao vivo, no festival Wacken Open Air em 2008; Créditos: Earache Records
Slaughter Of The Soul; Créditos: Necrolord, At The Gates e Earache Records

A arte da capa foi criada pelo Sueco Kristian Wahlin, mais conhecido como Necrolord, responsável por outras lendárias capas da cena do metal extremo da década de noventa, e também da cena sueca, como Dissection, Dark Funeral, e também da cena norueguesa, como o Emperor, com o In The Nightside Eclipse. Embora a incrível escolha de arte, o logo diferenciado e chamativo que se destaca à um grande público em comparação com o “ilegível” restrito à audiências menores, o que não tira o mérito artístico desse, a fonte escolhida…. bem, digamos que papyrus font não fosse uma que pegasse tão bem décadas depois, especialmente a ponto de deixar designers mais ferrenhos de cabelo em pé!

Ao longo dos anos, o At The Gates foi firmando novamente seu nome na cena, com o lançamento de álbuns que iriam personificar a sonoridade adquirida do EP Terminal Spirit Disease (1994) e Slaughter of the Soul (1995), saída e volta de Anders na posição da guitarra, e infelizmente, um hiato devido o estado de saúde de Tomas, que nos deixou em Setembro ainda desse ano. Uma lenda, enciclopédia em carne e osso do metal, e principalmente, um cara bem boa praça com os fãs que deixa uma ferida imensa na cena após sua partida, e também, um legado inteiro celebrado por muitos da cena extrema e do metal em geral. Era também professor de escola secundária que moldava mentes pela manhã, e soltava seu potente vocal rasgado e destruidor a noite durante shows de suas empreitadas artísticas ao vivo.

“Slaughter of the soul
Suicidal final art
Children – born of sin
Tear your soul apart”

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