Animal Collective e o seu “Pet Sounds”: uma viagem por Merriweather Post Pavilion

É difícil falar sobre o Animal Collective sem cair em alguma espiral de sensações coloridas. Mas talvez a maior façanha do grupo tenha vindo em janeiro de 2009, quando lançou “Merriweather Post Pavilion”. O disco, oitavo da discografia da banda, estabeleceu uma síntese refinada de suas obsessões anteriores, mas também conquistou algo mais raro: um lugar constante na conversa sobre os álbuns mais influentes do século XXI. E não por acaso, tornou-se recorrente a comparação com “Pet Sounds”, dos Beach Boys.

Para entender esse paralelo, é preciso recuar algumas décadas.

Psicodelia sem guitarras: o terreno do Animal Collective

Formado no início dos anos 2000 por Avey Tare (David Portner), Panda Bear (Noah Lennox), Geologist (Brian Weitz) e Deakin (Josh Dibb), o Animal Collective ganhou notoriedade por misturar folk lo-fi com ruídos eletrônicos, mantras vocais e estruturas que muitas vezes pareciam intencionalmente soltas. Discos como “Sung Tongs” (2004) e “Feels” (2005) apresentaram um grupo mais interessado na textura do som do que em composições tradicionais.

Mas foi com “Merriweather Post Pavilion” que o quarteto — reduzido a trio no álbum, já que Deakin ficou de fora — ajustou sua linguagem sem perder a estranheza. O nome do disco, inclusive, vem de um famoso anfiteatro ao ar livre no estado de Maryland, onde os membros da banda costumavam assistir shows na adolescência. A ironia: nenhuma faixa foi gravada lá. Ao contrário, o álbum nasceu em um estúdio em Oxfordshire, na Inglaterra.

A revolução da harmonia digital

O que diferencia “Merriweather Post Pavilion” dos álbuns anteriores é a forma como a banda adotou completamente a eletrônica como meio expressivo. Guitarras praticamente desaparecem. Em seu lugar, sintetizadores modulados, samplers, loops, camadas de vocais filtrados e ritmos sincopados formam um mosaico de sons psicodélicos.

A faixa de abertura, “In the Flowers”, já antecipa o caráter do álbum: começa com um ambiente atmosférico, quase de sonho, antes de explodir em percussões quebradas e vozes em falsete. Em “My Girls”, provavelmente a música mais conhecida do grupo, Panda Bear canta sobre segurança familiar sobre uma base rítmica que remete à house music. A estética caseira dá lugar a um esmero de estúdio incomum na discografia da banda até então.

Nesse ponto, a comparação com “Pet Sounds” começa a fazer sentido.

O eco (não tão) distante de Brian Wilson

Em 1966, Brian Wilson e os Beach Boys lançaram “Pet Sounds”, redefinindo as possibilidades do estúdio como instrumento musical. O álbum trocava os hinos solares de praia por confissões emocionais envoltas em arranjos orquestrais e gravações em múltiplas camadas.

“Merriweather Post Pavilion”, com as devidas modificações, faz o mesmo para uma geração que cresceu na era digital. Onde Brian Wilson usava harpas, teremins e harmonias vocais para criar um mundo emocionalmente saturado, o Animal Collective utiliza efeitos eletrônicos, filtros, delays e loops para compor paisagens sonoras igualmente íntimas e imaginativas. Ambos os discos compartilham uma ideia central: a de manipular o som para ultrapassar as fronteiras da canção pop.

Além disso, tanto “Pet Sounds” quanto “Merriweather…” propõem uma abordagem direta e sincera. “I don’t mean to seem like I care about material things,” canta Panda Bear em “My Girls”, frase que poderia muito bem ter saído da pena de Brian Wilson. São álbuns sobre desejo, dúvida, família e memória — ainda que embalados por estéticas e tecnologias diferentes.

2009 e o ponto de inflexão no indie

O contexto histórico também importa. Em 2009, o termo “indie” já deixava de ser exclusivamente associado a gravadoras independentes e passava a indicar uma estética mais ampla. “Merriweather Post Pavilion” chegou às lojas como lançamento da Domino Records, mas foi recebido como um grande acontecimento da cultura pop alternativa. Ganhou nota máxima da Pitchfork, apareceu em rankings de fim de década, e levou o Animal Collective a festivais de grande porte.

Esse reconhecimento também deu início a uma nova fase: bandas experimentais poderiam dialogar com públicos mais amplos, desde que dominassem a linguagem sensorial da produção moderna. Se “Kid A”, do Radiohead, já apontava esse caminho em 2000, foi “Merriweather…” que popularizou essa lógica para uma geração pós-Napster, acostumada a navegar entre gêneros.

O legado de um disco mutante

Passados mais de quinze anos, “Merriweather Post Pavilion” continua a ser objeto de redescobertas. É possível ouvi-lo como uma resposta hedonista a tempos incertos, como uma carta de amor às possibilidades do estúdio ou como um diário emocional de três homens em transição para a vida adulta.

Mas talvez sua maior façanha esteja na forma como ampliou os limites do que se entendia por “música alternativa”. Com ele, o Animal Collective provou que a experimentação poderia, sim, ser acessível. Que a estranheza, quando moldada com afeto e atenção ao detalhe, poderia tocar fundo em milhares de ouvintes.

Assim como “Pet Sounds” plantou sementes que germinariam por décadas, “Merriweather Post Pavilion” estabeleceu raízes duradouras na música do século XXI. E por isso, com alguma justiça, ganhou o título informal de “Pet Sounds do indie”.

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