fbpx

Brave Murder “Birdie”: O legado melancólico do Katatonia há 28 anos atrás

“Morto, porém sonhando”, essa teria sido a resposta de Anders “Blakkheim” Nyström (guitarrista), quando lhe foi perguntado após o “fim” abrupto do Katatonia em 1994, mesmo depois do lançamento do mini álbum “For Funerals to Come”, que foi o sucessor do debut “Dance of December Souls”, no qual havia sido concebido pela No Fashion Records um ano antes.

Naquele momento, não apenas a possibilidade de diferenças pessoais e criativas acabaram por deixar a banda num limbo constante durante todo o ano de 1995, indicando a possibilidade de um fim para aqueles que, mesmo seguindo passos parecidíssimos em termos sonoros de bandas como Paradise Lost e My Dying Bride, já se encontravam reais precursores de um som que, anos depois, inspiraria um mercado underground inteiro.

Justamente desse paralelo criativo que Anders e Jonas “Lord Seth” Renske (na época como baterista e vocalista) retornaram as atividades da banda, especialmente pelo desejo do último citado de não querer um “Katatonia II”. Na época, estava completamente desligado da cena gótica e já embarcava em outros gêneros e subgêneros musicais como por exemplo, o shoegaze que deu suas caras no underground alternativo naquela década, e que não apenas tinham ambos esses gostos em comum por essa cena, como também serviu de inspiração para o álbum que estava por vir na segunda metade daquele ano de 1996, na qual seria o “Brave Murder Day”.

Mikael Akerfeldt e Dan Swano, começo de 1996

Na ocasião, voltava ao jogo Fredrik Norrman (ou Fred Norrman), recrutado durante a primeira turnê de shows da banda dois anos antes, na promoção de For Funerals […], considerando que essa seria sua primeira investida no estúdio com a banda. Entretanto, um elefante branco para o trio precisava ser resolvido, uma vez que a habilidade vocal de Jonas com os guturais e vocais rasgados haviam se tornado o mesmo que grunhidos vindos de um idoso usuário de safena, então, como solução, entra o melhor amigo Mikael Åkerfeldt, que já havia excursionado com a banda durante 1994 para alguns shows e lançado o debut “Orchid” para a lendária banda Opeth que no ano vigente possuía uma agenda de shows e afazeres consideráveis, como uma turnê em suporte ao Cradle Of Filth e o Extreme Noise Terror na Europa.

A mesa já estava feita, não apenas o grupo tinha um contrato com o selo italiano Avantgarde Music, como também, voltava ao Unisound Studios em parceria do notável produtor sueco Dan Swanö, que na ocasião, já tinha em seu currículo bandas do cenário escandinavo, mas também como a mente por trás da finada Edge Of Sanity e vocalista para demos de uma banda curiosamente chamada Ghost na segunda metade dos anos 80 – não sendo aquela que imaginam, é claro). Entretanto, o que seguia era uma avalanche de presepadas durante a gravação que eram dignas de enredo de um filme randômico da “Sessão da Tarde”, comentado até hoje nos anais da cena metálica, porém, em tom de humor.

Imagine você, caro leitor, chegando ali como produtor e engenheiro de som em seu estúdio para mais um dia de trabalho, apenas para ter ressalvas da profissão como um denominador comum por um relevante período: de acordo com Anders, Swanö chegava as 9 da matina, preparando a cafeteira e perguntando aos meninos da banda o que eles tinham ali para trabalhar e a resposta era sempre a negativa de um simples e sincero “nada”, sendo esse revertido a composições durante as sessões na Unisound. O mar de frustrações ao jovem produtor culminou num constante bate boca com a unidade sobre a orientação artística que seguia, uma vez que, segundo o guitarrista fundador, Swanö suplicava ali por um “Dance Of December Souls Parte II”, uma vez que relembrasse os dois primeiros trabalhos de estúdio da banda. Porém, como visto no segundo parágrafo, a insistência se deu em vão.

Foto promocional

O desapontamento era real, não apenas a banda distinguia do som death doom de origem, porém, as camadas desse com o melodic black metal, juntamente com as influências do já citado shoegaze davam as caras nesse trabalho. De acordo com Mikael, era bem comum ver traços que lembravam atos como Slowdive e Red House Painters que podiam ser notados na balada melancólica Day. Curiosamente, Dan Swanö mencionou em entrevista ao selo Darkness Shall Rise Productions (responsável pelo lançamento do luxuoso box de fitas cassete “Melancholium” no início de 2022 que reunia trabalhos de 1991-1997 da classe fase extrema da banda), “eu amo a versão posterior ao vivo de “Day” e gostaria que tivesse soado daquele jeito no álbum”. A terceira faixa realmente é um clássico que é lembrado e prestigiado até mesmo por fãs que preferem a sonoridade comercial mais recente, completamente vista com desdém por fãs de longa data que questionam a sonoridade radiofônica atuais e a qualidade dos shows que ultimamente tem a gritante ausência de Anders por motivos “familiares” desde o início de 2023.

O disco abre com a faixa de 10 minutos “Brave”, que segue em ritmo repetitivo durante parte de sua audição, com riffs dissonantes que destoa totalmente do primeiro trabalho de 1993, mas que mantém o peso ainda intacto, mesmo que diminuto, seguida de tapping e dá um espaço a um crescendo nos riffs gélidos e posteriormente dão lugar a uma segunda e curta passagem melódica para então, novamente nessa ponte com um riff seguindo ao refrão no qual, já se encontrava grudada na cabeça do ouvinte até seu abrupto final. O destaque eminente se dá aos guturais expressivos e pontuais de Åkerfeldt, que expressam a angústia da letra escrita por Renske sobre a apatia e desdém de uma terceira pessoa ao sofrimento do eu lírico durante essa longa passagem sonora. Pode-se dizer que o álbum é uma tragédia social-romântica em seu conceito, uma vez que em Rainroom o protagonista grita em frustração sobre o não controle da partida e do fim eminente que se dá a passagem de alguém importante em sua vida, em sequência da poética 12, onde o luto é descrito como a permanência da apatia e a conformidade sob o final que a todos nos aguarda.

O sentido figurado contido na anterior remete ao mesmo sentimento de dor que é concluído em “Endtime”, onde a figura metafórica de uma Terra que seguiu em chamas, segue vacante, cinza e decaído no espaço, totalmente escura, que remete ao vazio eterno, o fim da esperança em um mar gélido, possivelmente de cores frias.

Mesmo com um trabalho conceitual de 6 faixas pronto, esse seguiu incompleto às prateleiras naquele agosto de 1996 pois devido as divergências entre Swanö e o conjunto, culminou em um prazogasto e na falta de mixagem adequada, na qual a banda também admite, embora o fundador da Avantgarde, Roberto Mammarella dê uma opinião diferente sobre a situação para a DSR Productions: “Deixe-me dizer que masterização não era um hábito naqueles anos […] Recebíamos pequenas ditas cassete digitais chamadas DAT enquanto as fábricas de CD aceitavam apenas CD-R como masterizações. O que fazíamos era agendar com estúdios para que gravassem a DAT no CD-R e o técnico de som apenas dava uma ajeitadinha aqui e ali em termos de níveis, mas com certeza não o que chamamos de masterização nos dias de hoje”.

É necessário mencionar: aos ouvintes mais atentos, passagens de riffs que podem ser ouvidos em “BMD” também podem ser encontradas na faixa “Black Erotica”, que foi lançada compilação chamada “W.A.R. Compilation – Volume One”, que continha faixas lado B de bandas da cena sueca como In Flames, Eucharist, Dissection, dentre outras. Se formos considerar o bloqueio e a falta de empenho mencionadas na primeira vez que pisaram no estúdio, é de entendimento que provavelmente a inspiração tenha vindo de uma forma geral também através dessa para 12 e Rainroom de forma instrumental.

Desde 2011, “Black Erotica” pode ser encontrada como faixa bônus para o relançamento de “For Funerals to Come” pelo selo de longa data da banda Peaceville (que foi lar de bandas como My Dying Bride e Paradise Lost que foram inspiração inicial aos rapazes em retrospecto ao primeiro parágrafo) até 2020 com o trabalho “City Burials” e em 2006 adquiriu os direitos do material da Avantgarde Music, além do álbum foco dessa matéria como também do EP de 1997, “Sounds Of Decay” (que foi relançado posteriormente tanto separadamente como faixas bônus de “BMD”) e mais da colaboração final com o selo Discouraged Ones, de 1998.

“Brave Murder Day” teve um curto período de divulgação por meio de turnês, não apenas a negativa de Åkerfeldt sobre liderar os vocais da banda de forma permanente devido suas obrigações com sua banda principal eram uma questão, como também a ausência nas últimas datas de Renske devido á um adoecimento que o mandou de volta para a Suécia.

Terminaram esse ciclo desgastados, porém, gravando em sequência o EP “Sounds Of Decay”, que não apenas tinha um frame do filme experimental de terror “Begotten” (1989) na capa, como também marcou a última colaboração de Mikael com o Katatonia nos vocais…. assim como um último ato de imaturidade do trio Renske, Nyström e principalmente de Norrman, uma vez que seu trabalho durante a gravação desse foi tão nas coxas como Wes Scantlin num dia comum de trabalho com o Puddle Of Mud, devido uma noitada exagerada que no dia seguinte, todos podres, em que Jonas e Anders tiveram de forma milagrosa carregar Fredrik para realizar seu trabalho. O primeiro take foi excluído por completo, um irritado Marmarella com seu temperamento latino teve de ser acalmado da melhor forma escandinava possível pelos três para a possibilidade de um segundo, e a participação de Norrman foi definitivamente vetada por conta de seu estado, embora Åkerfeldt é sincero ao dizer que prefere a versão não lançada, uma vez que “soa mais brutal”.

Após isso, era lançado ‘Discouraged Ones”, último no selo, embora depois desse, em que demonstra o fim dos dias guturais e que dividiu a opinião dos fãs sendo essa uma das razões, decidiram que iam tomar atitudes mais maduras e profissionais, levando o som que se definiu através de um álbum roxo (muitas vezes alternado para preto, roxo e cinza dependendo da prensagem) com um passarinho esqueletizado (tão vivo quanto herdeiros que trazem seus tios apáticos para postumamente assinarem declarações em filas de banco), para frente com os trabalhos que se seguiram, e também para uma geração de diversas bandas que, segundo Swanö, “Basearam seu som em serem cópias do Brave Murder Day“, um cenário que aqui no Brasil, é batizado carinhosamente pelos fãs brasileiros mais fanfarrões como “rock triste” – “Minha única reclamação é que eles eram mais uma banda de estúdio na minha época com eles, enquanto assinando com a Peaceville, decidiram se tornar uma “banda de verdade”, menciona Roberto Mammarella.

Katatonia retorna ao Brasil após um ano durante a turnê de divulgação do álbum “Sky Void of Stars”, sendo marcado para ocorrer no dia 15 de Novembro desse ano no Carioca Club em São Paulo.

Ouça abaixo Brave Murder Day do Katatonia

Autor

  • Maurício Silva

    Maurício é um rapaz que cresceu com pais músicos e sempre com um ouvido aberto e atento, desde o mais clássico até mesmo o mais extremo. Fã declarado e incondicional de Sepultura, Emperor, Alice In Chains e Dimmu Borgir.

    Ver todos os posts

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *