It’s Over Now – 30 Anos de Tripod, canção do cisne dos Alice In Chains!

Maurício Silva
24 minutos de leitura
Alice In Chains com cão de três patas, Créditos: Rocky Schenk (1995)

“Like the coldest winter chill
Heaven beside you
Hell within
Like the coldest winter will
Heaven beside you
Hell within”

Em 1995, o Alice In Chains era uma banda bem mais pra lá do que pra cá. Mesmo com o auge que adquiriu dentre 1990 até o ano anterior mostrasse uma banda promissora em ascensão, o caos que rolava dentro dos bastidores iria implodir de dentro para fora em um dos episódios mais catárticos de sua história, os pondo em um trem descarrilhado diante das intrigas com a mídia e suas dores internas. Entretanto, gerou um resultado final sonoramente pesado, e ao mesmo tempo, tão belo e vulnerável quanto a capa que possuí a foto de um cão aleijado de três patas que dá o segundo nome dado por intermédio dos fãs de Tripod, em sugestão a simplesmente o auto intitulado para esse álbum de estúdio.

Mike Inez, Sean Kinney, Jerry Cantrell & Layne Staley, Créditos: Rocky Schenck (1995)

“So there’s problems in your life
That’s fucked up, and I’m not blind
I’m just see through faded, super jaded
And out of my mind”

SLUDGE FACTORY: Com um futuro incerto em torno do quarteto de Seattle, Jerry Cantrell já planejava desde lá um álbum solo, projeto esse que teria o nome provisório de Jerry’s Kids, que contou com Scott Rockwell do Gruntruck, outra banda da cena grunge de Seattle que não apenas já tinha colaborado em suporte a turnê do álbum Dirt com os Alice’ no Outono de 92′, como também passava por problemas internos, porém, judiciais que custaram no andamento de suas atividades nos próximos anos.

“Na cabeça do Jerry, se ao tentar trazer a banda de volta não desce certo, ele lançaria um álbum solo. Tínhamos esse título provisório [Jerry’s Kids] porque a maioria dos músicos comparam suas canções como seus filhos, bonitinho. O título jamais ia ter esse nome” – Toby Wright, comentário do produtor musical na biografia não oficial Alice In Chains – A História Não Revelada (2015).

Layne Staley, Créditos: Rocky Schenk (1995)

Toby Wright, ao mesmo tempo que tentava reunir a banda juntamente de Jerry e Susan Silver, empresária de longa data do grupo, já trabalhava nas músicas junto do guitarrista na possibilidade de um disco novo sequer ver a luz do dia, assumindo que Layne Staley estava ocupado com o Mad Season, além de seu estado de saúde ter sido um freio para a continuidade das atividades sob o nome Alice’.

De uma turnê em suporte ao Metallica, a Shit Hits the Sheds Tour, ao lado de Danzig, Suicidal Tendencies, e o Fight, que renderia um show no retorno do festival Woodstock em 1994, até uma oportunidade maior de divulgação do EP Jar Of Flies, lançado em Janeiro, acabaram tendo essas oportunidades cortadas de seu itinerário devido a situação insalubre que Layne se encontrava por conta de sua dependência de heroína. Nada parecia bem e “abutres” pareciam se aproveitar do estado fragilizado do vocalista para criarem rumores, associando-os também com os outros membros.

Escolheram o Bad Animals Studio em Seattle com a ideia de gravar o novo álbum. Especialmente por ser mais conveniente a Layne se sentir em casa e motivado a trabalhar nas composições juntamente dos outros membros, localizado em Seattle, onde morava. Wright deu um jeito de preservar a privacidade que precisavam ao isola-los tanto da gravadora como da manager, cujo contato com ela acontecia por seu intermédio em relação ao que estavam cozinhando entre quatro paredes, além do estado de saúde da própria banda aquelas alturas.

Alice In Chains, Créditos: Rocky Schenk (1995)

Não havia nenhum orçamento ou sequer uma previsão de lançamento prévio, nem mesmo a gravadora, a Columbia botava fé no projeto. Foi um processo de gravação bem conturbado, do início ao fim. Staley, por muitas vezes apareceria ou não no estúdio, e com muita sorte, estaria no local atrasado, pelo menos.

O engenheiro assistente Sam Hofstedt, menciona que um total de 70 rolos de fitas de duas polegadas foram utilizados durante o tempo em estúdio. Tanto os músicos quanto o time de produção trabalharam mais 12 horas, com direito até a horários noturnos. Para lidarem com a incerteza da presença do frontman no local de trabalho, tanto Wright quanto Hofstedt usavam um beeper para se comunicarem sobre a possível chegada dele para continuidade dos serviços da equipe. Era um “Um tanto de não ligar muito quanto um tanto de apenas ir e fazer”, segundo Cantrell. E uma das razões principais da demora foi o tempo em que Layne demorava compor, muitas vezes, em privacidade numa sala para trabalhar em diferentes harmonias e técnicas vocais que utilizaria quando a fita rolasse.

Créditos: Rocky Schenk (1995)

“In the darkest hole
you’d be well advised
Not to plan my funeral
before the body dies”

Parte inteira do processo de composição lírica mostra um Alice em momento catarse, tendo de lidar com dilemas que iam desde conflitos internos, como também rumores que a circulavam, sendo um tema que a primeira faixa, Grind cujo abre de forma tão explosiva quanto Them Bones no álbum de estúdio anterior, vai tratar de forma direta e crua, como um grande dedo do meio aos tabloides e fofoqueiros de plantão. Foi uma resposta raivosa de Jerry contra um disse-me-disse de que Layne teria contraído AIDS pelo uso de drogas injetáveis.

Grande parte da composição das letras teria reponsabilidade de Staley. Pode-se dizer que esse, acaba sendo um álbum mais profundamente pessoal por de sua parte. Suas agonias seriam relatadas quase em tom de montanha russa enquanto mantivesse um papel e caneta em mãos. So Close e Nothin’ Song eram o ápice de seu desgaste relatado sobre estar cansado de criar, e qualquer palavra que viesse a cabeça seria a pura poesia imortalizada em voz naquela conjuntura.

Um bolo de aniversário para Hofstedt foi comprado em uma padaria erótica, cujo formato representava uma mulher nua. Comendo poucos pedaços, ele deixou no lounge para que qualquer um fosse comer…. bem, isso se não ficasse por lá um mês. A insatisfação de Layne, naquela altura foi registrada nas letras de Nothin’ Song, tanto o esgotamento de estar trabalhando até tarde, como de ter um pedaço de massa já apodrecido no recinto por um ciclo de 30 dias inteiros.

Alice In Chains performando durante as gravações do videoclipe para Grind, em 1995, Créditos: Rocky Schenk

“Why are we here again
It’s the same ol’ sit down roll around
Chewed up pen
Nothin’ thrilling me too much, yeah
Nothing thrilling me

Yeah, so close now
Yeah, so close now”

Nossa própria jornada enquanto vida nos faz de questionar sobre escolhas. Para Jerry Cantrell, esse dilema era um dos elementos que o atormentavam, dia após dia, principalmente por não saber lidar com o fim do relacionamento com Courtney Clarke, cujo seu estilo de vida e jeito de lidar com as coisas foram base de questionamento para o fim da união em que ainda tentava de forma dolorosa processar o luto.

“Foi a garota mais linda que eu vi na vida” ; “Eu ainda a amo muito, mas sou a porra de um lobo – matar, atacar, vida que segue… É tão complicado quando você é acostumado demais a ser durão. Não dá pra pra fazer um Carvalho virar um Pinheiro” – conta o guitarrista sobre como originaram as ideias para o single Heaven Beside You, sua forma de superar a dor, mesmo apesar de seus erros no relacionamento.

“Do what you wanna do
Go out and seek your truth
When I’m down and blue
Rather be me than you”

Para o lado do vocalista, sentimentos tensos evidenciam-se em uma das músicas mais pesadas do disco, Sludge Factory. Devido a constante demora, Don Iener e Michele Anthony do departamento executivo da gravadora ligaram para o próprio parabenizando-o pelo disco de ouro que teve com Above, do Mad Season, cuja ligação, porém, seguia de um ultimato para que finalizasse o álbum em pelo menos 9 dias. Sua raiva foi registrada na música como uma indireta aos dois em uma acusação de traição e ganância corporativa.

Essa sensação de viver um circulo de hipocrisia que acaba com a própria saúde interna é imortalizada novamente em um dos singles mais bombásticos e memoráveis, a sexta faixa Again, um turbilhão de emoções que fazem sentido para situação do vocalista, a crise de realmente não ser compreendido e constantemente cobrado, muitas vezes, sendo usado e manipulado. Por essas razões, é de imaginar quais seriam esses motivos para seu afastamento cada vez mais gradual, de tudo e de todos com o passar dos anos que viriam, além dos holofotes.

“Hey, I know I made the same mistake, yeah
I, I won’t do it again, no
Why, why do you slap me in the face? Ow
I, I didn’t say it was okay, no
No, no”

Quando finalizou a gravação dos vocais, tanto o produtor quanto o assistente de som notaram o famoso Toot Toot que aparece no refrão, e quando questionado por Wright se realmente pretendia ter aquelas linhas gravadas, Layne apenas respondeu apenas que “Sim, quero que apareçam”. Para Hofstedt, foi uma forma de irritar Wright, aquilo que não gostasse, certamente acabava na gravação. Outra curiosa peripécia, foi a intro de God Am, iniciar com o estralar do uso de um Bong. Segundo o produtor, foi a primeira vez em que claramente o viu usar drogas.

Auto debate seria o foco em Shame In You, na qual a ficha cai, mesmo em torno da dificuldade de dar a volta por cima e de acordar sempre do mesmo jeito, quebrado e com a vida passando, assim como em Frogs, cujas relações estavam a base de questionamento. É de lembrar que Philip Staley, seu pai, após anos de ausência, usou o sucesso do filho como uma forma de acesso fácil as drogas, cuja dificuldade do músico em larga-las só dificultava ainda mais com as exigências de um outro junkie que supostamente deveria apoia-lo.

Grind, Créditos: Rocky Schenk

“O solo de ‘Shame in You’, pra mim, é muito a cara do Brian May. O Toby e os outros engenheiros de som estavam me ouvindo quando o gravei, e como ele tinha esse determinado tom, quando terminei todos eles gritaram: ‘BRIAN MAY’ (risos)”.

– Jerry Cantrell, 1996.

Susan Silver sabia que precisavam agilizar o processo de entrega para a gravadora antes de gerar em consequências catastróficas. Vez ou outra, atravessava a linha que tinha de comunicação com Wright para se comunicar com os membros. Segundo Susan, o processo foi um parto, “Demorou de oito a nove meses, horas e horas esperando Layne sair do banheiro” ; “Eu vivia dizendo a ele ‘Você não precisa fazer isso. Tem dinheiro o suficiente para ir embora e ter uma vida pacata, se é isso que quer, junto de sua namorada Demri (Parrott), apenas faça o que você quer. Não continue se isso está perpetuando ainda mais o seu vício'”, relata a manager sobre a forma de comunicação com o vocalista.

“Para mim, aparentava que ele estava usando (drogas), porque quando você se tranca em um banheiro por um bom tempo, não é porque você realmente ama o banheiro”

“Quando ele estava pronto para cantar, estava pronto para cantar. E ele não demorava muito pra pegar a ideia dos vocais”

“Quando era hora a hora do jogo, ele mandava a ver. Talvez demorasse um tanto a ele chegar lá, mas ele conseguia”


– Sam Hofstedt sobre o trabalho de Layne Staley no auto intitulado da banda para o livro Alice In Chains – A História Não Revelada (2015)

Toby Wright vai citar esse momento catártico como um desgaste emocional a ponto de cogitar tirar uma folga por uma semana, coisa que não ocorreu em nenhum momento durante o trabalho pesado investido em cima disso tudo. Inclusive, se agravou à ponto do produtor ser chamado para o escritório de Silver para uma conferência em ligação com Don Ienner e Michele Anthony, onde um ultimato foi dado em torno da duração de seus serviços em estúdio junto da banda.

Logo, foi a missão de dizer a Layne a real na cara dura de que se não tomasse jeito com seus compromissos, a gravação teria de parar de forma definitiva e que seria obrigado a ter de voltar para casa com trabalho pela metade no final do dia. Segundo, o vocalista ficou bem emocional a ponto de chorar em torno das consequências jogadas na mesa. Foi um golpe duro de realidade. Por mais que fosse um dilema lidar com o tempo de um artista em situação de necessidade, assim como ter um trabalho perfeito e que fosse de forma ideal entregue no prazo, os resultados já estavam mostrando seu panorama catastrófico.

Um valor astronômico para um orçamento de gravação foi gasto, tendo proporções maiores do que uma produção atual; o tempo em estúdio ultrapassava o normal que uma banda ou artista trabalharia em cima; e o período era exaustivo para todos os envolvidos, especialmente pelo desgaste até influenciar o vocalista a recorrer ainda mais para o vício que o deteriorava, dia após dia.

Jerry Cantrell como a jornalista Nona Weissbaum, Créditos: Rocky Schenk

O que seria um vídeo presskit, acabou se tornando uma das mídias mais hilárias e criativas lançadas ao grande público que uma banda poderia ter em home-video. Inspirado em This is Spinal Tap (1984), The Nona Tapes foi a forma em que que encontraram tanto de se apresentarem, como também de mostrar uma faceta positiva dos Alice em torno da visão negativa de um bando de viciados e problemáticos que a mídia mostrava para os fãs e demais apreciadores.

No vídeo, Jerry Cantrell é trajado de forma drag como uma aspirante jornalista, Nona Weissbaum, que estava em Seattle procurando rockstar para um grande furo que iria colocar sua carreira em ascensão. Todos os músicos se apresentavam de forma hilária, elucidando o senso de humor distorcido de cada. Mike Inez, por exemplo, ao ser entrevistado, diz que sua família foi sequestrada, e em troca da libertação, teria de colaborar com o resto da banda em novos álbuns e em turnês.

Rocky Schenk fotografou um casting de cães de três patas para a capa em diversos ângulos em um playground no centro de Los Angeles. Das fotos que foram enviadas por fax, a escolhida foi um cão que olha de forma tímida e melancólica para câmera que o produto final que conhecemos, tendo o resto das sessões disponíveis no box-set Music Bank. “Se tratava de um cão que perseguia Sean na rua durante a infância, enquanto trabalhava de entregador de jornais”, segundo Schenk.

Alice In Chains, ou Tripod; The Dog Album ; Dog Album, Créditos: Rocky Schenk (1995)
Uma das fotos não usadas no processo de escolha do casting do melhor amigo do homem, Créditos: Rocky Schenk (1995)

Foi oficialmente lançado ao grande público em 3 de Novembro, aparecendo como número 1 na Billboard. Jon Wiederhorn, da Rolling Stone, cujo deu uma review de 4 estrelas, a mando de Keith Mohrer, editor chefe da revista, procurou Susan Silver para entrevistar os membros para uma história que iria compor a capa da próxima edição, promovendo o retorno da banda aos holofotes e um recomeço para os rapazes de Seattle no showbizz.

Embora que o regulamento citado para o jornalista tenha-se cumprido de forma respeitosa, e pela entrevista acontecer de forma amistosa e divertida, o departamento de edição pregou uma peça de forma injusta e arrogantemente corporativa, ao publicarem na capa uma foto de Layne que teria o título da manchete baseada na canção de Neil Young “The Needle And The Damage Done”. Foi mais um desgaste, tanto na vida pessoal como sua vida profissional. Lhe foi prometido que o artigo falaria sobre a banda como um todo e seus dilemas, afinal, cada um tentava superar algum vício, seja em bebidas alcoólicas, uso de entorpecentes e até mesmo outras formas de mecanismos de defesa.

Jerry Cantrell, fotografado em uma bela paisagem por Rocky Schenk (1995)

Wiederhorn ficou perplexo quando viu, e teve de pedir desculpas, assim como se defender em prol de solução ao estresse para a manager, tanto quanto o conjunto de forma geral. Não apenas elucidou-se uma imagem de que Staley era o “drogado” da banda, como expunham seus amigos e colegas de profissão, além da própria família. Se não fosse por edições editoriais questionáveis, o título correto que talvez faria melhor sentido para o objetivo do jornalista seria “To Hell And Back”.

Precisamos lembrar que o mesmo foi feito, em nosso país, de forma criminosa a artistas como Cazuza quando a capa da revista Veja, no ano de 1989, mostrou o músico de forma magra e adoecida em prol de grande furo sobre a epidemia mais aterrorizante e cercada de tabus que era o vírus da AIDS, assim da forma como essa, anos e anos depois, expôs de forma conservadora e repulsiva a intimidade da falecida artista Cássia Eller, com um título tendencioso na capa Drogas: Mais Uma Vítima.

The Nona Tapes, lançado originalmente em VHS, e disponível atualmente de forma gratuita no Youtube, Créditos: Rocky Schenk, Vevo e Columbia Records/Sony Entertainment.

“Yeah, it’s over now
But I can breathe somehow
When it’s all worn out
I’d rather go without”

Heaven Beside You: Mesmo com uma produção desgastante e que mais se assemelhava à um pão que o diabo amassou, conseguiram um produto de qualidade e valor artístico genuinamente bonito, forjado através de um período de turbulência e incertezas, uma canção do cisne vinda de uma instituição que recusava-se a desistir de vez antes de ser abatida, mesmo com os rumores e a falta de confiança da gravadora e do público. Embora a única oportunidade de engajamento para a bolacha tenha sido tanto pelo famoso MTV Unplugged, realizado no ano seguinte e também de forma passageira na turnê de reunião do Kiss nos EUA, quem pôde presenciar esses momentos finais com Layne Staley no line-up foi um sujeito muito mais do que sortudo, um verdadeiro privilegiado!

Banda com a manager Susan Silver, Rocky Schenk (1995)

Durante a performance final na Cidade do Kansas, em Kemper Arena, Susan Silver ao presenciar a banda cujos interesses protegia, matava e morria por, chegou ao lado do tour manager Kevan Wilikins e disse “Essa é última vez em que veremos esses caras ao vivo, Kevan. Eu consigo sentir isso”. E bem, depois disso, o resto é história. De acordo com Jerry Cantrell “Foi bem deprimente e trabalhar em cima desse álbum foi de arrancar os próprios cabelos, mas foi legal pra caralho e sou muito agradecido por ter vivido isso. Eu vou guardar com carinho para sempre”.

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