“Dream, After Dream”, lançado em 1980, costuma ser lembrado como o disco mais atípico da carreira do Journey — e não por acaso. Nascido como trilha sonora para um filme japonês, o álbum surgiu num momento em que a banda vivia uma mudança profunda de identidade. Depois de anos equilibrando rock progressivo, fusion e hard rock, eles finalmente tinham encontrado o sucesso estrondoso com “Infinity” e “Evolution”, já totalmente guiados pela voz de Steve Perry. Mas “Dream After Dream” não segue essa lógica. Ele é quase um retorno às origens, um aceno ao passado experimental do grupo e, ao mesmo tempo, o último registro de estúdio com Gregg Rolie, o músico que ajudou a moldar o DNA do Journey desde seus primeiros ensaios.
A gravação do disco foi uma espécie de respiro criativo. Livre das pressões de hits e rádios, o Journey pôde trabalhar com arranjos extensos, melodias instrumentais e atmosferas cinematográficas que remetem diretamente ao período pré-Perry. Gregg Rolie, que sempre trouxe a herança do Santana consigo — órgão Hammond elétrico, improvisos longos, vocais quentes — encontrou no projeto um espaço raro para brilhar de novo. Mesmo dividido com Perry, Neal Schon e Jonathan Cain (que ainda não era membro oficial, mas já orbitava o universo da banda), Rolie assume um protagonismo natural, como se estivesse recuperando o que a virada pop do grupo tinha deixado de lado.
A despedida de Rolie se desenhava nos bastidores. O tecladista e vocalista já vinha se sentindo desgastado pela rotina intensa, pelas longas turnês e pela sensação de que fazia cada vez menos parte do novo rumo da banda. Ele mesmo disse, anos depois, que sentia que o Journey precisava de alguém “com mais energia para aquele momento”. Em “Dream, After Dream”, porém, é como se ele tivesse encontrado uma última chance de dizer o que ainda tinha a oferecer. Suas linhas de teclado são expansivas, brilhantes, e sua presença dá ao álbum uma profundidade que o Journey não exploraria novamente com tanta liberdade.

Entre as faixas, três se destacam por resumirem bem esse espírito. “Destiny”, com mais de sete minutos, é o exemplo perfeito do encontro entre o lirismo melódico da fase Perry e a veia progressiva do início. “Sand Castles” traz um clima onírico, guiado por teclados que parecem flutuar, e mostra como a banda conseguia construir músicas sem depender de refrões grandiosos. Já “Little Girl” é a mais próxima do Journey das rádios FM — uma balada bela e delicada que marca a transição definitiva para o som que dominaria o início dos anos 80.
O que torna “Dream After Dream” tão especial é justamente esse lugar entre mundos. Ele não é o Journey que lotava arenas, mas também não é mais o Journey instrumental e quase místico dos primeiros discos. É um retrato de uma banda em transformação, experimentando uma despedida sem dizer claramente que estava se despedindo. Gregg Rolie sai de cena com classe, deixando uma última marca pessoal e artística antes de abrir espaço para Jonathan Cain e para a fase mais comercial que explodiria com “Escape”.
O álbum nunca recebeu a atenção que merecia, talvez por estar à margem da discografia principal ou por carregar o rótulo de “trilha sonora”. Mas para quem acompanha a trajetória do Journey, ele funciona como uma cápsula emocional: um encontro entre passado e futuro, uma pequena obra-prima escondida e um adeus silencioso de um dos pilares da banda. Em “Dream After Dream”, o Journey sonha, viaja e se reinventa — e Gregg Rolie fecha seu ciclo justamente como começou: deixando a música falar por ele.



