A adolescência é um período que marca intensas mudanças na vida de uma pessoa, é quando a percepção sob o mundo ao seu redor vem muito além da natureza da curiosidade que se tem quando ainda somos crianças e pré-adolescentes. É um momento em que as incertezas diante cada ambiente em que pisamos, tanto quanto as pessoas que entram e saem de nossas vidas definem significativamente e de forma até fatalista para algumas mentes o nosso papel na sociedade, diante tantas cobranças e anseios de uma vida que se mostra como uma bela mentira.

Em “Willoughby Tucker, I’ll Always Love You”, a artista Ethel Cain dá continuidade a história do universo em que criou para a personagem que leva o seu mesmo nome artístico, dessa vez, 5 anos antes dos eventos que antecedem o álbum Preacher’s Daughter, lançado no ano de 2022 e que a elevou ao status de mainstream. Entretanto, mesmo com o auge, ela lembra o público qual sua verdadeira natureza profissional ao mostrar um dedo do meio a indústria musical no início desse ano com o EP Perverts, trazendo o gênero drone e dark ambient, que tomou o lugar da aura pop e comercialmente palatável dos álbuns anteriores para audiências mais abrangentes.
Somos introduzidos a personagem em seu período na adolescência, mais precisamente no ano de 1986, onde a incerteza da permanência e solidão a assombram. Nesse universo, Ethel ainda processa a perda de seu pai, um pastor que morreu em um incêndio anos antes, tendo uma perda significativa desde a tenra idade. Agora aos 16 anos, teme ver o futuro repetir o passado em um museu de grandes novidades, uma vez que sua melhor amiga, como citada na primeira faixa Janie, se encontra com um parceiro. Em seu receio, uma vez que sua irmã de coração e alma for dedicar mais tempo à esse novo amor, não haverá mais espaço para si nessa relação, uma vez que a distância e o tempo dedicado diminuíram.

A partir de Willoughby’s Theme, fica perceptível ao ouvinte de longa data da artista que o EP lançado no início desse ano possuí não um forte dedo nas composições da artista, e sim, uma marca de palma bem visível e também sentida na audição. É a representação de uma nova paixão, uma nova sensação e intriga. A chega de Willoughby Tucker em sua vida é a mais nova promessa de um amor, além de uma insegurança auto destrutiva, na qual fica evidente o medo de um sentimento não correspondido representado por Fuck Me Eyes, onde as garotas mais atiradas de Shady Grove seriam a certeza de uma disputa que Ethel provavelmente iria perder, em sua mente ansiosa, uma vez que não possuí os mesmos atributos sociais que essas meninas, lhe criando um cenário na qual provavelmente seu novo amor, cairia na sedução e no papo dessas, a deixando então, novamente a mercê da solidão.
Em Fuck Me Eyes, a volta do estilo pop dá a sensação de volta aos velhos tempos dos primeiros trabalhos lançados, assim como Nettles, longa faixa de 8:03 minutos trás novamente as influências do gênero Americana, bem forte no debut. Entretanto, vale frisar que a sensação do ouvinte de pisar em terreno seguro após uma experiência crua no início desse ano dá falsa segurança, especialmente quando nessa, o destino mostra que peso terá na relação dos dois. O jovem rapaz sofre um acidente na planta em que trabalha, e Ethel sente seu ambiente de segurança ameaçado, uma vez que não se sente apta para lidar com as batalhas internas que seu amor passa, também agravadas por um passado sombrio marcada pela irresponsabilidade um pai ausente e abusivo, veterano da Guerra no Vietnã.
A personagem se vê em um circulo auto destrutivo, o medo de ficar sozinha fala mais alto, e em Dust Bowl, fica evidente a construção de vários cenários que não condizem com a realidade, e mesmo com Willoughby lhe jurando reciprocidade, os cenários de um fim catártico gritam, martelam em sua cabeça, criando um inferno astral sem hora pra ir embora. Um circulo de relações codependentes fomentam um mal geracional que lhe dita um futuro de solidão auto imposta, de becos sem saída e sem poder ir e vir. Em A Knock At The Door, a atmosfera vai ficando cada vez mais densa, o fim vem se profetizando na acústica faixa que enaltece o gênero folk de trabalhos anteriores. É uma espiral descendente, a pessoa que ama vai se afundando cada vez mais no próprio infortúnio, e o terreno do abandono parece ser uma verdade a ser contemplada.

Em Tempest e Waco, Texas, fica claro que em meio de um tornado, Ethel abandona o amor de sua vida, na qual tal fenômeno natural representa a contemplação dos medos do próprio namorado, e a sensação de culpa através da consequência por deixa-lo em um momento que mais precisou de alguém em seu lado. Será que em seu medo de estar só, ela pôde realmente conhecer a pessoa que tanto amava bem? Afinal, a aceitava por quem era, mas será que as definições que tinha sobre o que eram as relações a permitia contempla-lo por toda sua complexidade e pela figura que ali por ela estava? Este álbum conceitual é a representação do dilema entre a decisão e a indecisão, além do medo do desconhecido através das vísceras do passado que estendem as relações interpessoais, e a dificuldade de abraçar a carta curinga quando lhe é mostrada. A própria artista utiliza de experiências de sua vida na criação do conceito, principalmente como uma forma de expressar anseios antigos.
O disco, como obra conceitual, trás a proposta de evitar fillers desnecessários para se encaixar na natureza hiper comercial que lhe foi imposta poucos anos atrás e mostrando um amadurecimento lírico desde seu primeiro EP Inbred e o debut na sequência. A ausência de pontas soltas facilita na imersão, uma vez que durante toda audição, é perceptível que o luto auto imposto pela personagem segue em um ciclo de renovação, porém, de queda logo depois através de padrões moldados do que seria a realidade. Com isso, a atmosfera vai ficando densa, faixa a faixa logo a partir de Nettles, fazendo retornar ao território familiar de puro tormento que o protagonista de Perverts se via preso através da sonora melancolia cadenciada do lado B, e gerando um debate interessante sobre as composições: estaria ela utilizando simplesmente apenas de elementos que deram certo na concepção desse?

A resposta é não. Em alguns álbuns de bandas fora desse gênero como o Seasons In The Abyss do Slayer, por exemplo, a ideia de ser uma mistura de tudo o que deu certo pode fazer sentido, além de ter criado um lado A e B diretos ao ponto, assim como o álbum dessa resenha, embora no caso presente, assim como dito antes, estamos falando não apenas de um álbum conceitual, mas de um trabalho, em que a atmosfera desprende do habitual de forma gradual depois do intervalo da quinta faixa. No caso da banda Californiana, o álbum oscila tentando constantemente capturar as nuances do que foi experienciado durante uma trajetória de quase 10 anos na indústria fonográfica.
Em minha resenha anterior sobre o último EP, fiz uma alusão ao álbum The Downward Spiral de Nine Inch Nails, e como o personagem principal desse trabalho fica preso em um ciclo de repetência, vendo na tentativa de suicídio falha, uma chance de se prender a velhos hábitos que o mantém preso a uma constante solidão. É interessante que esses mesmos padrões que abreviam a vida, criadas por uma sociedade que fomenta desse mesmo vírus, ainda estão presentes de forma forte atualmente, onde digitalização constante e a dificuldade de olhar pela abrangência nos tornam todos reclusos. Embora o tema já tenha sido a exaustão, são os ângulos vistos por outras lentes sobre o tema que tem o poder de transformar essas narrativas únicas, ou manjadas, o que não é o caso da última citada para esse mais novo lançamento, ainda bem.
“Willoughby Tucker, I’ll Always Love You” é um início de um novo ciclo, uma olhada ao passado sob a visão de superação na criação de uma obra profunda que nos põe a par de nossas escolhas, da mesma forma que a faixa Dust Bowl, que menciona uma tragédia ecológica que ocorreu na América do Norte nos anos 1930, causadas pela combinação de uma severa seca e péssimas práticas agrícolas e nos põe a pensar em práticas estoicas de como lidar com esses danos vivenciados, antes que reverbere em um novo império em ruínas. A ordem coexiste com o caos, uma vez instaurada, precisa-se se adaptar para botar em ordem as estruturas que precisam de manutenção ao invés de vê-las caindo aos poucos. Esse ano, foi a maior prova disso na carreira de Anhedönia, recebendo tanto prestígio por permanecer fiel aos seus valores e não deixando se abalar pelas críticas de um mundo hedonista e estúpido sob seu passado.