Pulp volta com “More” e mostra que o tempo só refinou sua sonoridade única

Luis Fernando Brod
5 minutos de leitura
Pulp. Foto: Tom Jackson.

Se alguém me perguntar sobre artistas que tem o dom de cantar e encantar,e tocar a fundo as emoções que temos guardadas em nosso íntimo, eu posso pensar aqui em alguns: Bruce Springsteen, Lou Reed, David Bowie. E Jarvis Cocker.

O frontman do Pulp tem um carisma que é único, e ele consegue fazer você prestar atenção no que ele canta, da maneira como ele canta. A forma como ele conta uma história é incrível. E neste último disco, More, o recado me parece ser bem direto: “everybody wants grow up”.

Há discos que chegam com alarde e se esvaem no barulho das redes. Outros chegam sem estardalhaço e permanecem, quase como uma conversa que não quer terminar. “More”, o novo álbum do Pulp, lançado neste ano, é desse segundo tipo. Um retorno esperado, sim — afinal, foram 24 anos de silêncio —, mas o que impressiona mesmo é a naturalidade com que a banda ocupa de novo o seu espaço, como se nunca tivesse saído dali.

Desde a primeira audição, salta aos ouvidos a textura sofisticada do disco. A produção, assinada por James Ford, é precisa e respeitosa com a identidade da banda. Os sintetizadores são colocados com moderação, criando atmosferas que remetem tanto à elegância de Scott Walker quanto ao eletropop britânico dos anos 80. Há cordas, sim, mas nunca ornamentais demais. Cada elemento soa cuidadosamente ajustado, sem sobras, como se cada camada tivesse sido discutida à exaustão até encontrar seu lugar exato.

Jarvis Cocker, por sua vez, continua sendo uma presença vocal inconfundível. Sua teatralidade — esse meio termo entre canto, fala e ironia — está intacta. A diferença é que, agora, ela vem acompanhada de um certo calor que não se sentia com tanta força desde “This Is Hardcore”. Há algo de comovente na forma como ele entrega versos como “I am not ageing – I am just ripening”, em “Grown Ups”, ou nas imagens quase triviais de “Farmers Market”. Cocker fala do envelhecer sem amargura, do sexo sem cinismo e da memória sem saudosismo. E tudo isso sem soar programado.

“More” é, acima de tudo, um disco sobre a continuidade. Sobre seguir em frente sem apagar o que veio antes. Não há aqui uma tentativa de soar jovem ou de repetir antigas fórmulas. Ao contrário, o disco se apoia na bagagem do grupo e a utiliza como ferramenta criativa. É assim que músicas como “My Sex” e “Hymn of the North” conseguem ser profundamente atuais sem perder o vínculo com os álbuns anteriores.

E se há uma palavra que poderia resumir a escuta de “More”, talvez seja intimidade. O disco parece querer estabelecer uma conversa com quem o ouve — e, em boa parte das vezes, consegue. Jarvis nunca soou tão direto e, ao mesmo tempo, tão enigmático. A produção o coloca em primeiro plano, mas sempre em diálogo com arranjos que sugerem, em vez de impor.

Dizer que o Pulp envelheceu bem seria pouco. A verdade é que, em “More”, a banda parece não ter envelhecido — ou, melhor dizendo, envelheceu do jeito certo: assumindo as marcas do tempo, mas sem se acomodar a elas. “More” não é um tributo ao passado, mas uma extensão natural do que o Pulp sempre foi: observador, ácido, romântico e teatral.

Num cenário onde muitas bandas do britpop voltaram apenas como sombras de si mesmas, o Pulp entrega um disco que não apenas honra sua história, mas também a expande. “More” é maduro, sim, mas sem ser solene. É inteligente, mas acessível. É fiel ao espírito do grupo, mas ainda assim curioso o suficiente para buscar novas formas de dizer as coisas.

E talvez seja isso que mais emociona nesse retorno: a constatação de que algumas bandas não precisam se reinventar a cada disco para continuar dizendo algo relevante. Às vezes, basta que elas se mantenham atentas ao que sempre fizeram de melhor — e o Pulp, mais do que nunca, sabe disso.

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