Tem artista que vive para caber. Ney Matogrosso nunca foi um deles. E Homem com H sabe disso.
O filme de Esmir Filho não tenta explicar quem é Ney. E ainda bem por isso. Não há narração em off, nem discurso redentor no fim, muito menos uma tentativa de resumir sua história em um pacote confortável. O que há é corpo, gesto, música, confronto e silêncio. É um olhar para o passado que não suaviza nada, mas também não transforma tudo em trauma. Ney sempre foi mais fácil de sentir do que de definir.
Corpo político, palco como território
Jesuíta Barbosa não copia Ney. Ele mergulha. Há momentos em que não diz uma palavra e, ainda assim, a gente entende tudo. Sua entrega sustenta o filme até mesmo quando o roteiro tenta correr demais.
Homem com H acompanha esse caminho. Começa na infância dura, passa pela repressão da juventude e desemboca no palco, onde Ney transforma dor em presença. Quando canta, dança ou encara a plateia, não está buscando aprovação. Está apenas sendo. E isso, em tempos duros como aqueles , e como os de agora, já era (e ainda é) revolucionário.
Entre estrutura e caos
É verdade que o filme segue o formato clássico de cinebiografia. No entanto, a sensação é diferente. Não parece uma sequência de acontecimentos. Parece um fluxo. Às vezes direto, às vezes bagunçado. Como a vida. Como Ney.
A trilha sonora é parte do corpo do filme. Não aparece apenas para agradar fãs, mas como elemento narrativo. Quando Ney canta Homem com H, não é só mais uma performance. É o roteiro dizendo tudo sem precisar explicar nada.
Ainda assim, há excessos. O roteiro tenta incluir muitos momentos: Cazuza, a AIDS, a censura, os amores e as perdas. Nem todos encontram o tempo que merecem para respirar. Apesar disso, o filme se sustenta. Ele sabe o que quer mostrar: Ney não é resultado de um trauma. É resultado de uma decisão.
Ser quem se é, apesar de tudo
Ney decidiu não abaixar a cabeça. Decidiu fazer arte com tudo que tentaram usar contra ele. Isso está no filme. E isso faz com que Homem com H se destaque em meio a tantas cinebiografias plastificadas.
O longa não tenta ser perfeito — e talvez por isso acerte tanto. Ele entende que Ney Matogrosso não cabe em moldes, e não tenta forçar um. O filme não é sobre um homem que venceu apesar dos obstáculos. É sobre alguém que nunca aceitou moldes, mesmo quando o mundo inteiro parecia contra.
No fim das contas, a pergunta nunca foi “por que Ney é assim?”. A pergunta certa talvez seja: “e por que ele não seria?”.
Homem com H está disponível na Netflix – https://www.netflix.com/br/title/81754156
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