A história de “I Got My Mojo Working” começa bem antes de ela se tornar um dos maiores hinos do blues elétrico e está profundamente ligada às tradições culturais do sul dos Estados Unidos.
A canção foi escrita em 1956 por Preston “Red” Foster, saxofonista e compositor que circulava entre o rhythm & blues e o blues urbano. Na versão original, gravada por Ann Cole, “I Got My Mojo Working” tinha um clima mais próximo do R&B, com arranjos leves e uma interpretação cheia de malícia. O “mojo”, ali, já aparecia como metáfora de poder pessoal e atração, mas ainda sem o peso simbólico que ganharia mais tarde.
O ponto de virada veio quando Muddy Waters entrou em cena. Em 1957, ele gravou sua própria versão da música para o selo Chess Records. Foi Muddy quem transformou “I Got My Mojo Working” em um verdadeiro manifesto do blues elétrico de Chicago. Com guitarra amplificada, harmônica pulsante e uma base rítmica sólida, a canção ganhou força, urgência e uma identidade completamente nova.
Curiosamente, Muddy Waters nunca foi oficialmente creditado como compositor, embora sua versão tenha redefinido a música a tal ponto que, para o público, ela passou a ser automaticamente associada a ele. Essa era uma prática comum na época, quando canções circulavam livremente entre músicos e versões se sobrepunham às gravações originais.

A letra gira em torno de uma ironia simples e eficaz: o narrador afirma repetidamente que tem seu “mojo” funcionando — ou seja, seu amuleto, seu poder mágico, seu charme — mas, apesar disso, não consegue conquistar a pessoa desejada. Essa tensão entre confiança e frustração é parte essencial do humor da canção e ajudou a torná-la tão memorável.
O termo “mojo” vem das tradições afro-americanas ligadas ao hoodoo, uma prática espiritual popular no sul dos Estados Unidos, com raízes africanas. No contexto religioso, o mojo é uma pequena bolsa que contém objetos simbólicos — ervas, pedras, ossos ou outros talismãs — carregada para atrair sorte, amor ou proteção. No blues, essa ideia foi transformada em metáfora musical para potência, sexualidade, sorte e carisma.
“I Got My Mojo Working” rapidamente se tornou uma das músicas mais pedidas nos shows de Muddy Waters. O refrão repetitivo e contagiante facilitava a participação do público, criando uma espécie de ritual coletivo entre músico e plateia. Com o tempo, a canção passou a ser vista como um símbolo da conexão entre o blues e suas raízes espirituais africanas, mesmo quando apresentada de forma leve e bem-humorada.
A influência da música atravessou gerações. Artistas como Buddy Guy, Etta James, B.B. King e até bandas de rock britânicas dos anos 1960 incorporaram a canção ao repertório, ajudando a levá-la a novos públicos. Para músicos como Jimi Hendrix, a noção de mojo — e tudo o que ela carregava em termos culturais e simbólicos — fazia parte de um vocabulário musical herdado diretamente do blues.
Hoje, “I Got My Mojo Working” é lembrada não apenas como um clássico do blues, mas como um exemplo claro de como tradições espirituais, linguagem popular e música se misturaram para criar algo ao mesmo tempo simples, profundo e duradouro. É uma canção que fala de desejo, confiança e frustração — e que, décadas depois, continua funcionando.



