Kick Out the Jams! O grito que sacudiu a América: a ascensão e os primeiros conflitos dos MC5

Luis Fernando Brod
9 minutos de leitura
MC5. Foto: Getty Images.

Em meio à convulsão social dos Estados Unidos em 1968, com protestos contra a Guerra do Vietnã e movimentos pelos direitos civis ganhando força, o MC5 se projetava como o som da inquietação. Formada em Detroit, cidade industrial marcada por tensões raciais e colapsos econômicos, a banda rapidamente se tornava símbolo de rebeldia. O episódio que definia essa virada acontecia em agosto daquele ano, quando o grupo aceitou tocar no conturbado “Festival da Vida”, em Chicago. Ali, diante do caos e da repressão policial, o MC5 se tornava manchete e ponto de partida para uma trajetória tão ruidosa quanto breve.

A cena musical de Detroit no fim dos anos 1960 estava longe de ser homogênea. De um lado, a Motown oferecia sofisticação e apelo comercial. De outro, surgia um circuito alternativo mais agressivo, moldado em garagens, clubes pequenos e bairros operários. O MC5, formado por Rob Tyner (voz), Wayne Kramer e Fred “Sonic” Smith (guitarras), Michael Davis (baixo) e Dennis Thompson (bateria), era cria direta desse ambiente.

Influenciados por free jazz, blues elétrico e garage rock, os integrantes também se envolviam com movimentos políticos. A aproximação com John Sinclair — poeta, ativista e fundador do grupo radical White Panther Party — marcava um ponto de não retorno. A música do MC5 deixava de ser apenas entretenimento. Passava a ser veículo para ideias radicais, ataques ao sistema e incitação à ação direta.

O convite para participar do “Festival da Vida”, promovido por ativistas ligados ao movimento Yippie, colocava a banda diante de uma escolha. A maioria das atrações desistira diante da repressão militarizada que cercava a Convenção Nacional Democrata, marcada para o fim de agosto em Chicago. O MC5 não apenas manteve o compromisso como subiu ao palco e tocou por oito horas seguidas para uma plateia sitiada pela Guarda Nacional.

O escritor Norman Mailer, presente no evento, relatou na Harper’s Magazine que a banda soava como “uma colina de ferro sendo arremessada contra a cidade”. Foi a única apresentação musical do festival e, apesar da repressão, um momento que atraiu atenção de jornalistas, ativistas e, principalmente, da indústria fonográfica.

Em outubro de 1968, Danny Fields, então caçador de talentos da Elektra Records, viajava a Detroit para firmar contratos com o MC5 e com o The Stooges, outra banda emergente. Diferente de outras gravadoras, a Elektra se mostrava mais aberta a artistas alternativos e politizados. O acordo permitia liberdade criativa e um certo controle sobre as gravações, algo raro na época para bandas de estreia.

Com esse respaldo, o MC5 escolheu registrar seu primeiro álbum de forma inusitada: ao vivo. “Kick Out the Jams” foi gravado em duas noites no Grande Ballroom, reduto underground em Detroit. A proposta era capturar a brutalidade de suas apresentações, em vez de suavizar o som para os padrões comerciais.

O resultado, lançado em fevereiro de 1969, foi um registro cru e barulhento. A faixa-título, com seu grito inicial — “Kick out the jams, motherfuckers!” — causou escândalo. A Elektra chegou a produzir versões censuradas, trocando o palavrão por “brothers and sisters”, mas a reação pública foi imediata.

Cadeias de lojas como Hudson’s e K-Mart se recusaram a vender o álbum. Em resposta, John Sinclair publicou um anúncio nos jornais locais com a frase “Fuck Hudson’s” estampada sobre o logotipo da Elektra. A ação provocou o rompimento da loja com toda a linha da gravadora. Internamente, os executivos passaram a considerar a relação com o MC5 como um risco comercial.

A imprensa musical também não se mostrou condescendente. A revista Rolling Stone, que havia dado espaço ao grupo semanas antes, publicou uma crítica ácida assinada por Lester Bangs. O texto, que mais tarde se tornaria um clássico da crítica musical, chamava o álbum de “barulhento e vazio”, descrevendo a banda como “pretensiosa”. A relação com a mídia se tornava mais conflituosa a cada passo.

Durante uma breve turnê pela Costa Leste, os conflitos internos da banda se intensificavam. Em Nova York, o MC5 protagonizou um episódio conturbado no Fillmore East, promovido por Bill Graham. O grupo exigiu que membros do coletivo radical Up Against the Wall Motherfuckers — proibidos de entrar no local — fossem admitidos. A discussão terminou em confronto físico, com Graham sendo agredido. A banda passava a ser vista como instável e imprevisível.

Simultaneamente, John Sinclair anunciava o nascimento do White Panther Party, um movimento que propunha a aliança entre jovens brancos e o Black Panther Party em torno de uma agenda revolucionária. O MC5 foi formalmente integrado como braço artístico do grupo. No papel, seus integrantes eram agora “ministros da guerra cultural”.

Essa fusão entre música e militância criava divisões internas. Alguns membros começavam a se sentir usados como extensão de uma agenda ideológica que nem sempre compreendiam ou aprovavam integralmente. Havia também a tensão financeira: os shows começavam a ser cancelados, as vendas não correspondiam à repercussão, e o dinheiro minguava.

Poucos meses após o lançamento de “Kick Out the Jams”, a Elektra encerrava o contrato com o MC5. As dificuldades de promoção, as brigas com distribuidores e os conflitos com a mídia pesaram mais que qualquer tentativa de reposicionamento. O segundo disco, “Back in the USA”, lançado pela Atlantic Records em 1970, apresentava uma sonoridade mais controlada e com menor interferência política. Ainda assim, as tensões persistiam.

Michael Davis deixava a banda por um período. John Sinclair era preso em 1969 por posse de dois cigarros de maconha, e o White Panther Party começava a perder relevância. Sem apoio institucional, com a cena de Detroit em crise e o movimento contracultural sendo absorvido pelo mainstream, o MC5 perdia força.

A banda se dissolveria oficialmente em 1972, sem nunca alcançar sucesso comercial duradouro. Apesar disso, sua atuação nos anos finais da década de 1960 marcou um ponto de ruptura no rock americano. Grupos como Rage Against the Machine, The Clash e até mesmo o Nirvana reconheciam, anos depois, a importância da postura e da linguagem direta que o MC5 ajudou a estabelecer.

A frase “Kick out the jams” permanece até hoje como uma espécie de código entre fãs do rock mais direto e politizado. Embora o disco tenha dividido opiniões em seu lançamento, é frequentemente reavaliado como documento de uma era. O som não é polido, tampouco pretende ser. É urgente, desorganizado e violento, assim como os anos que o moldaram.

Wayne Kramer, o guitarrista que sobreviveu à trajetória da banda, relançou a sigla MC5 em outras formações e segue defendendo a memória do grupo. Em entrevistas recentes, como a concedida à Mojo Magazine em 2018, ele refletia sobre a breve existência da banda: “Não tínhamos estrutura, nem sabíamos lidar com dinheiro. Mas tínhamos uma missão. E, por algum tempo, isso foi suficiente.”

A história dos MC5 talvez seja menos sobre sucesso e mais sobre ruptura. Um grito que não queria durar, mas que ainda se ouve, mesmo que em ecos distantes.

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