Você realmente sabe de onde veio o movimento emo e qual é a sua verdadeira origem?
Quem foi alimentado musicalmente pela MTV a partir de 2005 acha que está diante de uma pergunta até simples e que tem facilmente uma resposta, lamento te frustrar mas você foi enganado esse tempo todo e eu posso provar.
Preconceitos e franjas à parte, cabe aqui uma breve defesa da minha pretensiosa pergunta; A indústria da música – e me refiro as grandes gravadoras e produtores do mainstream – com o passar dos anos, entendeu os movimentos culturais e gêneros musicais em destaque, cada um à sua época, como uma potencial forma de lucro e nicho de mercado, com o movimento emo não foi muito diferente na metade da década de 2000.
A MTV de fato colaborou e muito para a ideia e estereótipo do que hoje a maioria das pessoas tem na mente quando ouve esta palavra. Mas você sabia que a palavra emo passou a conter uma definição no dicionário Oxford no ano de 1992? Estranho, não?
É exatamente aí que quero chegar ao te fazer esta pergunta.
As letras políticas do hardcore na virada dos anos 80 pros 90 escorregavam em alguns momentos em crises existenciais, temas como o veganismo e o não consumo de álcool ou drogas estavam cada vez mais sendo discutidos e presentes entre os Fanzines da época e bandas do movimento straight edge (que muito em breve será abordado por aqui) falavam sobre o não pertencimento à cena na qual elas estavam inseridas.
Ian MacKaye, responsável por todo o ideal e estética do movimento straight edge, após o fim do Minor Threat decidiu aprofundar-se muito mais sobre suas questões comportamentais, sentimentais e sobre assuntos cada vez mais introspectivos, dai surgiu o Embrace e seu disco homônimo em 1985, Guy Picciotto no Rites Of Spring e posteriormente no One Last Wish fazia a mesma coisa nessa mesma época. Os dois, em 1986 se juntariam e mudariam o rumo de toda a história da música alternativa e independente formando o Fugazi.
Misturar melodias e melancolia, existencialismo e agressividade também era uma atitude muito política, na chegada dos anos 90 com a eclosão do grunge e todos os holofotes voltados aos jeans propositalmente rasgados e às flanelas desbotadas, o movimento emo (ainda não sendo intitulado assim nesta época) se organizava e se mantinha com o mesmo espírito do it yourself que herdara do punk e do hardcore. Gravadoras alternativas e selos totalmente independentes como a Dischord em Washington D.C, a Doghouse Records e Fueled by Ramen, ambas em Nova Iorque, pegando totalmente a contramão da fórmula pronta que as grandes gravadoras haviam implantado com o grunge, decidiram mostrar que era possível se fazer ouvir sendo experimental, criativo e emotivo ao mesmo tempo, sem precisar vestir estereótipos.
Bandas incríveis e álbuns maravilhosos construíram o início do movimento emo dos anos 90 – denominado assim em meados do ano de 1992 – Com Samiam lançando Billy em 1992, Sunny Day Real State e seu álbum de estreia Diary de 1994 – tido por muitos como o melhor álbum do gênero em toda a década de 90 (inclusive por mim) , Jawbreaker com Dear You de 1995, apesar de 3 ótimos álbuns anteriores à este, e tantas outras bandas maravilhosas como Get Up Kids com seu Four Minute Mile, Mineral com The Power Of Falling, Knapsack, Cap’n Jazz, American Football, e vários outros expoentes já na segunda metade dos 90.
“The Shape Of Punk To Come” e a nova tendência sueca para o emocore
Mas em 1998 o Refused, uma banda da Suécia – celereiro de todas as estéticas revolucionárias e tendências na música nos últimos 50 anos pelo menos – mudou todo o rumo deste estilo e de tudo que havia sido apresentado até ali com o icônico The Shape Of Punk to Come, lançado pela Epitaph Records e um título muito sugestivo por sinal.
Trazendo uma mistura visual entre o punk e o gótico dos anos 80, cabelos e unhas pintadas de preto e o surgimento da tão famigerada franja caída no rosto, e claro, uma sonoridade esquizofrênica entre o techno, o jazz e o punk, por mais maluco que isso possa parecer. O videoclipe de New Noise é a síntese de tudo o que o Refused estava disposto a trazer de revolucionário para o gênero já tão consolidado até ali. Vale muito a pena conferir!
O álbum Influenciou de todas as formas possíveis novos gêneros e bandas à partir dali, sendo o pilar do post-hardcore, do screamo e o próprio emo da primeira metade dos anos 2000 como o aclamado Full Colapse do Thursday, lançado em 2001, uma das maiores referências do estilo da década, até claro, chegar no expoente máximo do emo da geração MTV, o famigerado Three Cheers For Sweet Revenge do My Chemical Romance, apresentado para o mundo em junho de 2004. The Shape Of Punk to Come merece ser destrinchado em um único texto, definitivamente, tarefa esta que me comprometo futuramente com o maior prazer.
Jimmy Eat World e o hit que a MTV queria
Bleed American veio ao mundo em 2001, mesmo ano de lançamento de Full Colapse do Thursday, como citei anteriormente, o emo é um estilo musical com diversas referências, e com diversas bandas totalmente diferentes umas das outras, com influências totalmente distintas e ainda assim denominadas com a mesma expressão. Posso facilmente exemplificar usando as duas bandas que acabo de citar. Thursday, por exemplo, é uma das bandas denominadas emo que influenciaram uma enxurrada de bandas que posteriormente foram chamadas de post-hardcore por apresentar um som muito mais gritado, mais agressivo, e com um visual mais carregado.
Enquanto o Jimmy Eat World trouxe uma aparência muito mais adolescente, letras colegiais, melódicas e ao mesmo tempo animadas, tristes e dançantes. O Clipe de The Middle foi a fórmula que a MTV passou a usar para o estilo dali por diante, músicas com acordes e melodias animadas e simples, letras pegajosas e vocais limpos por vezes com batidas de palmas e coral cantando o refrão ao fundo quando a bateria para de tocar, vai dizer que não veio nenhuma música de meados de 2005 assim na sua cabeça?
Bleed American foi um sucesso comercial em todos os aspectos, deu a cara de toda uma geração para o estilo, letras menos densas, vocais muito mais limpos e guitarras sem distorção alguma, é um álbum com 11 faixas e pouco mais de 45 minutos, intercalando baladas adolescentes e animadas com músicas apaixonadas tocadas ao violão, o disco chegou a vender um milhão e meio de cópias e chegou ao top 10 da Billboard.
O emotional hardcore, ou apenas emo, com o passar dos anos desde a sua origem lá em meados dos anos 80, soube ser revolucionário, soube se fazer entender e se adaptar às linguagens e comportamentos das gerações que atravessou, algo absolutamente difícil para quem viu o rock envelhecer um tanto inflexível e saudosista demais após seu último suspiro com o movimento Indie até meados dos anos 2000.
No Brasil, teve sua origem no festival Verdurada, criado em 1996, como palco de debate sobre o veganismo, sobre o movimento straight edge e sobretudo para manter sempre viva a chama do espírito faça você mesmo, promovendo debates sobre uma vida livre de drogas, sobre uma alimentação livre de crueldade e sobre agricultura familiar.
Bandas como Dance Of Days, Reffer, Noção de Nada, Hateen e Colligere foram os pilares do movimento no Brasil, direta ou indiretamente, sendo influência pra tantas outras boas bandas do cenário nacional que furaram a bolha e chegaram ao mainstream, como CPM 22, Fresno e NX Zero. Outro assunto para um texto muito mais aprofundado falando sobre todas essas bandas e ótimos discos lançados no Brasil juntamente com o surgimento de uma cena muito forte e independente.
Esse assunto não acaba aqui. E não, não irei falar de Blink-182 por um simples fato, não ser emo, apesar de terem influenciado muitas bandas do estilo.
Numa próxima postagem irei falar sobre a terceira geração do estilo após 2005 e de como a MTV foi responsável em divulgar e manter este e tantos outros subgêneros do rock vivos para os jovens que queriam fazer música menos complexa e falar de sentimentos ao mesmo tempo.
E também, é claro, não poderei deixar de abordar o quanto as grandes gravadoras se aproveitaram desta fórmula lançando verdadeiras porcarias sonoras transformando nossos ouvidos em peneiras, para caso, com muita sorte, alguma delas viessem a conquistar alguma simpatia pelos jovens e ai então aproveitar-se ao máximo desse sucesso como um verdadeiro limão espremido até a última gota pra depois ser jogado fora e cair no esquecimento de todos até surgir o próximo limão, digo, a nova banda.
Mas isso é um desabafo para os próximos capítulos.
Quer saber e ouvir os 10 melhores álbuns do estilo na minha humilde opinião? Segue a playlist que fiz no Spotify e conheça um pouco sobre as origens do Emocore.
Até a próxima!
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