A música que Bob Dylan quase usou para processar os Beatles

Luis Fernando Brod
4 minutos de leitura
Bob Dylan. Crédito: Reprodução.

Nos anos 1960, quando a cultura pop parecia girar cada vez mais rápido, a música vivia um momento de virada. De um lado, os Beatles dominavam as paradas com melodias acessíveis e uma imagem cuidadosamente lapidada. Do outro, Bob Dylan avançava por caminhos mais introspectivos, filosóficos e, muitas vezes, desconcertantes. Para o público, eles ocupavam extremos quase opostos do mapa musical.

Por trás dessa divisão aparente, porém, havia curiosidade e admiração. Os Beatles acompanhavam atentamente o que Dylan fazia e viam nele um exemplo de como a canção pop podia ir além do romance adolescente. Esse interesse ganhou forma em agosto de 1964, quando as duas partes se encontraram em um quarto de hotel, em Nova Iorque. O episódio virou lenda: naquela noite, Dylan teria apresentado os Beatles à maconha, abrindo — ao menos simbolicamente — novas portas para a experimentação criativa do grupo.

Anos depois, Paul McCartney lembraria o encontro com entusiasmo. Falou da honra de conhecer Dylan e da sensação de estar vivendo algo transformador, quase revelador. Não por acaso, a música dos Beatles começaria a mudar pouco tempo depois, absorvendo ideias mais introspectivas e arriscadas.

Esses sinais já aparecem em Help!, lançado em 1965. John Lennon, especialmente, começou a escrever de forma mais pessoal e existencial. “You’ve Got to Hide Your Love Away” soava diferente de tudo o que a banda havia feito até então. O próprio Lennon admitiu que atravessava seu “período Dylan”, assumindo sem constrangimento que era um compositor camaleônico, capaz de absorver influências com naturalidade.

Se Help! indicava uma transição, Rubber Soul, lançado poucos meses depois, escancarou a mudança. O álbum marcou um novo patamar artístico para os Beatles, e uma das faixas mais emblemáticas foi “Norwegian Wood (This Bird Has Flown)”. Com o uso do sitar e uma atmosfera mais ambígua, a música apontava para uma abordagem mais abstrata e experimental — um passo decisivo rumo ao que viria nos anos seguintes.

Foi aí que surgiu a tensão. Ao ouvir “Norwegian Wood”, Bob Dylan percebeu uma familiaridade incômoda. Segundo o jornalista Johnny Black, Dylan já tinha composta “Fourth Time Around” antes mesmo do lançamento de Rubber Soul. A canção só veria a luz do dia em Blonde on Blonde, lançado mais de seis meses depois, mas trazia uma melodia e uma estrutura que lembravam bastante a música dos Beatles.

O músico e produtor Al Kooper contou que Dylan falava do assunto com certa ironia. Ele dizia ter tocado “Fourth Time Around” para os Beatles antes de “Norwegian Wood” existir. Quando Kooper perguntou se os Beatles poderiam processá-lo pela semelhança, Dylan foi direto: não só não poderiam, como ele é que teria motivos para isso. A estrofe final da música — “Nunca pedi sua muleta / Agora não peça a minha” — soou para muitos como um recado nada sutil aos colegas britânicos.

No fim das contas, nada foi parar nos tribunais. O episódio ficou como um retrato curioso de uma época em que ideias circulavam rapidamente e as fronteiras entre influência e apropriação eram mais fluidas. A admiração dos Beatles por Dylan nunca foi segredo, e esse quase-conflito apenas reforça como a música dos anos 1960 foi moldada por diálogos constantes, trocas intensas e uma criatividade que avançava, muitas vezes, no limite entre homenagem e reinvenção.

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