A história do Indie Rock: Do underground ao mainstream

Marcelo Scherer
16 minutos de leitura
The Smiths. Crédito: Stephen Wright.

Ainda que o indie rock pareça, à primeira vista, apenas um subgênero do rock, sua história é uma mistura complexa de sonoridades, filosofias e, acima de tudo, uma busca incessante por autonomia.

Mais do que um estilo musical definido por acordes ou batidas, o indie rock, assim como o rock alternativo, se forjou na contracultura, nas margens da indústria fonográfica e na liberdade criativa que a ausência de grandes selos pode proporcionar.

Compreender suas origens exige um olhar para as sementes lançadas muito antes de o termo se popularizar, em um tempo em que a ideia de música “independente” começava a tomar forma.

As sementes da autonomia (1960s-1970s)

As raízes do que viria a ser o indie rock podem ser encontradas nas experimentações dos anos 1960 e 1970. Nesse período, a música passava por uma efervescência de ideias, com artistas buscando novas formas de expressão que nem sempre se encaixavam nos moldes comerciais da época.

Bandas de garagem e artistas com uma veia mais experimental, muitas vezes ignorados pelas grandes gravadoras, já demonstravam um espírito de “faça você mesmo” (do inglês, DIY – Do It Yourself). Eles gravavam suas próprias canções, produziam seus discos de forma artesanal e, em muitos casos, distribuíam suas obras por conta própria.

Essa atitude, ainda que incipiente, apontava para um caminho de autogestão e desvinculação das estruturas tradicionais da indústria.

O Velvet Underground, por exemplo, é pedra fundamental não só para a história do rock alternativo, como também par o indie rock com sua abordagem experimental e som cru, pavimentou o caminho para a ideia de que a música não precisava ser polida para ser relevante. Suas composições, muitas vezes focadas em temas menos convencionais, desafiavam as normas e estabeleciam um precedente para a liberdade temática.

O estímulo punk e a ascensão do DIY (Final dos anos 1970 – Início dos anos 1980)

O punk rock, que explodiu no final dos anos 1970, foi um catalisador fundamental para a consolidação do espírito indie.

Com sua ética DIY, o punk desmistificou a ideia de que era preciso ser um virtuoso para fazer música relevante. Ele abriu as portas para uma geração de músicos que, armados com poucos recursos e muita atitude, decidiram criar suas próprias gravadoras, fanzines e canais de distribuição.

No Reino Unido, essa movimentação ficou conhecida como Early UK DIY Movement. Selos pequenos surgiram para lançar material de bandas que as grandes gravadoras não arriscariam assinar, criando um circuito alternativo para a música. Exemplos como o Buzzcocks lançando o EP “Spiral Scratch” em seu próprio selo, New Hormones, em 1977, ilustram bem essa fase, mostrando que era possível controlar o processo criativo e de distribuição.

Paralelamente, em outras partes do mundo, movimentos similares germinavam. Na Nova Zelândia, o selo Flying Nun Records, fundado em 1981, deu voz ao que ficou conhecido como Dunedin Sound. Bandas como The Clean, The Chills e The Verlaines, com suas melodias lo-fi e guitarras reverberadas, construíram uma estética sonora distinta, influenciadas pela paisagem e pelo isolamento geográfico.

O Dunedin Sound provou que a inovação musical não estava restrita aos grandes centros urbanos e que a distância das grandes capitais da música poderia, na verdade, ser um incentivo à originalidade. A ausência de pressão comercial permitia que os artistas explorassem sem amarras, solidificando a ideia de que o independente não era apenas uma estratégia de distribuição, mas uma filosofia artística. A sonoridade desses grupos, muitas vezes introspectiva e melancólica, contrastava com o brilho da música pop da época.

Consolidação e diversificação (Anos 1980)

A década de 1980 viu o termo indie começar a ser mais amplamente utilizado, referindo-se não apenas à forma como a música era produzida ou distribuída, mas também a um som particular.

Bandas como The Smiths, R.E.M. e The Cure, embora algumas delas assinassem com gravadoras maiores eventualmente, carregavam a essência do indie em sua sonoridade e em sua abordagem lírica. Elas exploravam temas mais introspectivos e complexos, frequentemente se distanciando das fórmulas radiofônicas, focando em narrativas pessoais e críticas sociais. A melancolia e a inteligência das letras dos Smiths, por exemplo, contrastavam com o otimismo superficial de muitas canções populares da época.

O sucesso dessas bandas, mesmo que não fossem consideradas mainstream em sua plenitude, abriu caminho para a proliferação de selos independentes nos Estados Unidos e na Europa.

Nos Estados Unidos, selos como SST Records, Matador Records e Sub Pop Records se tornaram celeiros de talentos, lançando bandas que moldariam o som do indie rock. Sonic Youth, Pixies e Nirvana, antes de seu fenômeno mainstream, floresceram nesse ambiente. A Sub Pop, em particular, se tornaria sinônimo do som de Seattle, associado ao grunge, que, por sua vez, também tem raízes profundas no espírito indie.

Esse período foi crucial para a formação de uma rede de distribuição e divulgação independente, com lojas de discos alternativas e rádios universitárias desempenhando um papel fundamental na difusão dessas novas sonoridades, criando uma comunidade de ouvintes e artistas que valorizavam a originalidade acima do apelo comercial.

A cisão e a proliferação de estilos (Anos 1990)

A cisão entre o mainstream e o underground se acentuou na década de 1990. Com o estrondoso sucesso de bandas como Nirvana, que emergiu de um selo independente para o topo das paradas com o álbum “Nevermind” em 1991, a linha entre o que era indie e o que era alternativo começou a se confundir.

Muitas bandas que antes habitavam o circuito independente foram absorvidas por grandes gravadoras, diluindo, para alguns, a pureza do movimento. No entanto, essa mesma década foi um período de grande diversificação para o indie rock. Subgêneros floresceram, como o lo-fi, com artistas como Pavement e Guided By Voices, que celebravam a gravação em baixa fidelidade como uma forma de autenticidade, utilizando equipamentos simples para criar sons únicos.

O emo, com bandas como Sunny Day Real Estate, o post-rock, exemplificado por Mogwai, e o math rock, com a complexidade rítmica de Slint, também encontraram seu espaço, expandindo as fronteiras sonoras do que se entendia por indie.

Essa diversidade demonstrava a resiliência do espírito criativo, mesmo diante da crescente comercialização da música alternativa, e reforçava a ideia de que o indie não era um gênero estático, mas um ecossistema musical em constante expansão, onde a experimentação era a regra, não a exceção.

O retorno ao mainstream e novos caminhos (Anos 2000)

O século XXI trouxe uma nova onda de sucesso mainstream para o indie rock. Bandas como The Strokes, com seu álbum de estreia “Is This It” em 2001, The White Stripes, Interpol e Franz Ferdinand lideraram um post-punk e garage rock revival no início dos anos 2000. Elas pegaram elementos do punk, do new wave e do garage rock dos anos 1960, infundindo-os com uma sensibilidade moderna e estética cool.

A imagem dessas bandas, muitas vezes associada a um estilo de vida urbano e descolado, ressoou com uma nova geração de ouvintes. A internet, ainda em seus primórdios como ferramenta de difusão musical, desempenhou um papel crucial, permitindo que a música dessas bandas chegasse a um público mais amplo, muitas vezes antes mesmo de contratos com grandes selos.

Essa popularização, no entanto, gerou um novo debate: o fenômeno do landfill indie. O termo, pejorativo, era usado para descrever o grande volume de bandas que surgiram na esteira do sucesso do revival dos anos 2000, muitas vezes com um som homogêneo e pouco original, saturando o mercado.

A crítica era que essas bandas, embora pudessem ser classificadas como indie pela sonoridade, careciam do espírito original de inovação e independência. O landfill indie de certa forma, levantou a questão se o indie rock poderia manter sua essência em um cenário de alta comercialização e em que a distinção entre “independente” e “popular” se tornava cada vez mais tênue, questionando a autenticidade de um movimento que nasceu nas margens para então ser cooptado pelo mainstream.

Era digital e a continuidade da independência (Anos 2010 – Presente)

Apesar das flutuações e dos desafios, o indie rock continuou a se desenvolver e a prosperar nas décadas de 2010 e 2020.

A ascensão de plataformas de streaming e a democratização das ferramentas de produção musical permitiram que artistas mantivessem um controle ainda maior sobre suas carreiras. Bandas como Arcade Fire, com o aclamado álbum “The Suburbs” em 2010, Tame Impala, Arctic Monkeys e Bon Iver alcançaram aclamação global, demonstrando que era possível manter a integridade artística e alcançar um público vasto sem necessariamente se curvar às exigências de uma indústria massificada.

A facilidade de gravação e distribuição independente, antes uma utopia, tornou-se uma realidade palpável, fomentando uma nova onda de criatividade.

Hoje, o indie rock permanece em constante mutação. A fronteira entre o que é indie e o que é mainstream se tornou ainda mais fluida, com artistas transitando livremente entre selos independentes e grandes gravadoras, sem que isso comprometa sua credibilidade artística.

A essência do indie, a busca pela liberdade criativa e pela autenticidade, continua a guiar inúmeros músicos ao redor do mundo. É uma história que se escreve a cada nova banda, a cada novo selo e a cada artista que decide trilhar seu próprio caminho, provando que a música, em sua forma mais pura, floresce nas margens, onde a liberdade de expressão é a nota mais importante.

Agora, talvez a questão mais difícil de separar aqui é a diferença entre o indie rock e o rock alternativo, pois ambas nutrem a memsa origem. Algumas pessoas as diferencim pelo fato do indie ter uma preocupação maior com a distribuição de suas músicas, e na diminuição da dependência de grandes selos em todos processo musical.

Outros defençores apontam que o rock alternativo é o grande guarda-chuva no qual o indie rock está dentro. Mas, vale ressaltar que o que começou á no anos 70 na inglaterra com o nome de um chart de paradas de sucesso, hoje acabou se consolidando como um estilo, o indie rock.

Apesar de ser de difícil definição, ele hoje é muito baseado nas melodias com leves distorções que guitarras quando as tem. Ao contrário do rock alternativo que tem uma pegada mais viceral.

Essa é um definção pessoal, mas me parece muito convincente quando ouvimos diversas bandas de indi rock hoje em dia.

5 Discos Essenciais de Indie Rock

Para qualquer amante de música que procura explorar a história do indie rock, há alguns álbuns essenciais que não podem faltar em sua coleção.

Capa do The Queens is Dead do The Smiths.

The Smiths – The Queen Is Dead (1986)

Considerado um clássico do indie britânico, “The Queen Is Dead” da banda The Smiths é um álbum que encapsula a angústia e o lirismo poético característicos do gênero. Com faixas icônicas como “There Is a Light That Never Goes Out”, este disco é uma obra-prima que resistiu ao teste do tempo.

Radiohead – OK Computer (1997)

Radiohead redefiniu o som do indie rock com “OK Computer”, um álbum que explora temas de alienação e tecnologia. Com canções como “Paranoid Android” e “Karma Police”, o disco é um marco na evolução do gênero e continua a influenciar músicos até hoje.

Capa do In the Aeroplane Over the Sea de Neutral Milk Hotel.

Neutral Milk Hotel – In the Aeroplane Over the Sea (1998)

“In the Aeroplane Over the Sea” do Neutral Milk Hotel é um dos álbuns mais influentes e enigmáticos do indie rock. Com a produção lo-fi e letras crípticas de Jeff Mangum, o álbum oferece uma experiência sonora única e emocional que cativou muitos ouvintes. Faixas como “Holland, 1945” e a faixa-título são exemplos brilhantes de sua abordagem experimental e inovadora.

The Strokes- Is This It (2001)

“Is This It”, o álbum de estreia dos The Strokes, rejuveneceu o indie rock no início dos anos 2000 com seu som cru e energia juvenil. Com sua estética minimalista e faixas cativantes como “Last Nite” e “Someday”, o disco capturou a essência da rebeldia nova-iorquina e influenciou uma avalanche de novas bandas a seguir o mesmo caminho.

Arctic Monkeys – Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not (2006)

Capturando a essência da vida noturna urbana, o álbum de estreia dos Arctic Monkeys é uma explosão de energia e atitude. Com músicas como “I Bet You Look Good on the Dancefloor”, o disco é um exemplo perfeito da vitalidade e relevância duradoura do indie rock.

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