Inocentes: pioneiros do punk rock brasileiro

O Inocentes ocupa um lugar importante na história do punk rock nacional. Desde o início, o grupo se destacou pelo som direto e pela postura crítica. As letras, sempre ligadas à realidade das ruas, atravessam toda a trajetória da banda.

Inocentes no Sec pompeia em São Paulo. Foto: Cícero de O. Neto/Folhapress

As origens nos subúrbios de São Paulo

A história do Inocentes começa em 1981, na periferia de São Paulo. Três ex-integrantes da Condutores de Cadáver — Antônio Carlos Calegari (guitarra), Marcelino Gonzales (bateria) e Clemente Nascimento (baixo) — se uniram ao vocalista Maurício.

Clemente já havia tocado no Restos de Nada, considerada a primeira banda punk paulistana. O nome da nova banda foi inspirado em “Innocents”, faixa do poeta punk John Cooper Clarke.

Desde o início, o grupo trouxe referências de bandas como Ramones, Buzzcocks, Generation X e The Saints. O som era simples, direto e refletia as tensões de um Brasil ainda marcado pela repressão e pela desigualdade.

Foto de divulgação

Primeiros passos e projeção nacional

Em 1982, o Inocentes participou da coletânea Grito Suburbano, lançada pelo selo Punk Rock Discos.

O disco, que também contou com Cólera e Olho Seco, foi o primeiro registro oficial do punk brasileiro em vinil. No mesmo ano, a banda apareceu nos documentários Garotos do Subúrbio e Pânico em SP, que mostravam o cotidiano da juventude periférica de São Paulo.

Ainda em 1982, o Inocentes subiu ao palco do festival O Começo do Fim do Mundo, no Sesc Pompeia. O evento reuniu diversas bandas punks, sendo um dos momentos mais marcantes da cena underground paulistana.

Em 1984, a banda passou por mudanças importantes. Clemente assumiu os vocais e a guitarra. Entraram Tonhão Parlato (bateria), André Parlato (baixo) e Ronaldo Passos (guitarra). A sonoridade também mudou. O grupo incorporou influências do pós-punk e do rock alternativo. Com isso, se aproximou de bandas da chamada “Vanguarda Paulistana”, como Ira!, Smack e Patife Band.

Durante esse período, o Inocentes se apresentou em casas importantes como Lira Paulistana e Rose Bom Bom. Também abriu shows para a Legião Urbana. Em 1984, o Grito Suburbano foi lançado na Alemanha sob o nome Volks Grito, pelo selo Vinyl Boogie. A banda ainda participou da coletânea internacional Life Is a Joke.

A fase na Warner: conquistas e tensões

Em 1986, o Titã Branco Mello apresentou uma demo da banda para a Warner. O resultado foi o lançamento do mini-álbum Pânico em SP, produzido por Branco e Pena Schmidt.

O disco representou a entrada do Inocentes em uma grande gravadora. No entanto, isso gerou críticas dentro da cena punk, que acusava o grupo de “ter se vendido ao sistema”.

Apesar das polêmicas, o álbum manteve a crítica social que sempre marcou o trabalho da banda. Em 1987, saiu o segundo disco pela Warner: Adeus Carne. Nele, faixas como “Pátria Amada” e “Tambores” tocaram nas principais rádios de rock. O show de lançamento, realizado no estacionamento do Center Norte, atraiu mais de dez mil pessoas.

Ainda assim, a relação com a gravadora foi se tornando difícil, o terceiro disco, lançado em 1989 e produzido por Roberto Frejat, misturava punk, rock e rap. A capa do álbum, mostrando os integrantes nus e algemados, simbolizava o clima de tensão entre a banda e a gravadora. Ao final dessa fase, os irmãos Parlato deixaram o grupo. Eles foram substituídos por César Romaro (bateria) e Mingau (baixo). Pouco depois, o Inocentes encerrou o contrato com a Warner.

Anos 90: novas direções e retorno às raízes

No começo dos anos 90, o Inocentes passou por um período complicado. Sem gravadora e com poucos shows, a banda enfrentava dificuldades financeiras.

Clemente: Foto por Rui Mendes

Em 1991, a música “O Homem Negro” foi tocada na 89 FM e ajudou o grupo a alcançar um novo público. Um ano depois, lançaram Estilhaços pela Cameratti. O disco tinha um som mais acústico e levou a banda a participar de projetos culturais da Prefeitura de São Paulo.

Em 1994, com o lançamento de Subterrâneos pela Eldorado, o Inocentes resgatou suas raízes punk. Na mesma época, Clemente gravou com Thaíde & DJ Hum uma nova versão de “Pânico em SP”, rebatizada como “Testemunha Ocular”. A parceria marcou uma aproximação inédita entre o rap e o rock paulistano.

Ainda nos anos 90, o Inocentes abriu os shows dos Ramones no Olímpia, em São Paulo. A apresentação foi intensa e teve grande repercussão. Depois disso, gravaram o álbum Ruas (1996), que manteve o tom crítico e a pegada punk. O disco foi bem recebido e a banda participou do Abril Pro Rock em Recife e do Close-up Planet, dividindo o palco com Sex Pistols, Bad Religion e Silverchair.

O álbum Embalado a Vácuo veio em 1999, com uma produção mais polida. A música “Cala a Boca” chegou ao primeiro lugar nas rádios rock por várias semanas. Em seguida, lançaram O Barulho dos Inocentes (2000), com versões de clássicos do punk brasileiro e covers de Ramones e The Clash.

Anos 2000: continuidade e novas formações

Em 2001, a banda gravou o disco ao vivo 20 Anos ao Vivo, no Sesc Pompeia. Depois disso, abriram o show do Bad Religion em São Paulo.

Ao longo dos anos 2000, o Inocentes passou por várias mudanças de formação. No entanto, Clemente manteve o projeto vivo.

Em 2004, lançaram Labirinto, pelo selo Ataque Frontal. O disco esgotou rapidamente e a faixa “Travado” teve boa execução nas rádios rock. Desde então, a banda segue se apresentando em festivais e eventos pelo país. Clemente também passou a atuar em projetos paralelos, como apresentador no Canal Bis.

Formação atual

Atualmente, o Inocentes é formado por Clemente Nascimento (voz e guitarra), Anselmo Monstro (baixo), Nonô (bateria) e Ronaldo Passos (guitarra).

Foto de divulgação: Facebook

O grupo mantém uma agenda ativa de shows. As músicas continuam tratando de temas sociais e urbanos, com a mesma energia das primeiras gravações.

Quarenta anos após a formação, o Inocentes segue fiel à sua proposta. A banda se tornou uma referência para quem busca entender a história do punk rock no Brasil.


Autor

  • Julio Mauro

    Júlio César Mauro é um nerd de carteirinha e pai de duas meninas, com um jeito peculiar, às vezes um pouco ranzinza, e sempre lidando com o desafio de viver com TDAH.

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