Há quem diga que as composições de Bob Dylan soam melhor quando interpretadas por outros artistas. A afirmação pode ter seu charme, mas ignora o papel fundamental que sua voz anasalada e sua forma singular de tocar violão tiveram na construção de sua obra nos anos 1960. Ainda assim, algumas regravações realmente se tornaram peças históricas por mérito próprio — caso da visceral leitura de “All Along the Watchtower” por Jimi Hendrix ou da reinvenção feita pelos Byrds em “Mr. Tambourine Man”.
Ao contrário do que muitos imaginam, a releitura dos Byrds não surgiu a partir do disco oficial de Dylan. Antes mesmo de o cantor lançar a canção, o trio Jim McGuinn, Gene Clark e David Crosby — ainda sob o nome The Jet Set — já trabalhava nela. Tudo começou quando seu empresário, Jim Dickson, teve acesso a um acetato de uma demo inédita de Dylan em agosto de 1964.
Naquele período, Bob Dylan já caminhava longe dos arranjos tradicionais de seu álbum de estreia de 1962. Foi com “The Freewheelin’ Bob Dylan”, de 1963, que ele passou a assinar majoritariamente suas canções, dando início a uma fase mais pessoal e politizada. Ele começou a compor “Mr. Tambourine Man” durante o Mardi Gras em Nova Orleans, em fevereiro de 1964, ao lado de amigos em uma viagem pelo sul dos Estados Unidos. O restante da canção teria sido finalizado em Nova York, embora versões conflitantes atribuam a conclusão à casa da cantora Judy Collins ou ao jornalista Al Aronowitz.
A primeira execução pública do tema aconteceu ainda em maio de 1964, no Royal Festival Hall de Londres. Já a primeira gravação em estúdio se deu em junho daquele ano, durante as sessões do disco “Another Side of Bob Dylan”. Contudo, essa versão acabou engavetada, supostamente por conta dos vocais de apoio de Ramblin’ Jack Elliott. Um novo registro demo seria feito semanas depois, mas a versão oficial só viria a público em janeiro de 1965.
Em uma sessão histórica realizada no dia 15 daquele mês, Dylan gravou “Mr. Tambourine Man” ao lado de outras faixas que formariam o lado acústico do álbum “Bringing It All Back Home”. O disco chegaria às lojas em 22 de março de 1965. No entanto, os Byrds já haviam saído na frente.
Após receber o acetato da demo, McGuinn tratou de rearranjar a canção, convertendo o compasso de 2/4 para 4/4. A ideia era aproximar a música do estilo dos Beatles, usando guitarras elétricas e uma levada pop. Com apoio de músicos de estúdio — entre eles Hal Blaine e Larry Knechtel — o grupo registrou sua própria versão, reduzindo a longa letra original a apenas um verso (o segundo) e condensando a estrutura em menos de dois minutos e meio.
O resultado saiu como single no dia 12 de abril de 1965, antecipando a edição oficial de Dylan em mais de um mês. E em junho daquele ano, a faixa também abriria o álbum de estreia dos Byrds, batizado com o mesmo nome da canção.
Ainda que a versão original de Dylan, com seus quatro versos e mais de cinco minutos de duração, seja um exercício de poesia psicodélica e introspectiva, a adaptação dos Byrds ajudou a introduzir seu repertório a um público mais amplo. E, ao fazer isso com guitarras elétricas, deu origem ao folk rock — gênero híbrido que dominaria a segunda metade da década.
Talvez por isso, Bob Dylan tenha assistido de forma receptiva ao ensaio da banda em um estúdio de Los Angeles, meses antes de gravar sua própria versão. Em vez de se opor, parece ter compreendido que sua música estava ultrapassando os limites do violão e da voz, indo além do Greenwich Village e das casas de show folk da época.
“Mr. Tambourine Man”, portanto, não marca apenas o encontro entre um artista e seu cover. Representa uma transição estética para a música popular dos anos 60, atravessando gêneros e fronteiras em um momento de intensa transformação cultural.
Hoje, folk e rock se aproximam, mas nos anos 1960 essa fusão gerava resistência. Muitos puristas do folk viam os instrumentos elétricos como uma ameaça ao gênero. A vaia no Newport Folk Festival e o famoso “Judas!” em Manchester mostram essa rejeição. Mesmo assim, Dylan já cruzava fronteiras em “Mr. Tambourine Man”, cuja versão acústica estava longe do folk tradicional.
“Bringing It All Back Home” trouxe um lado elétrico e outro acústico, refletindo a transição de Bob Dylan, que ouviu a versão inicial de “Mr. Tambourine Man” pelos Byrds antes mesmo de gravar a sua definitiva. O lançamento da banda não apenas popularizou o termo folk rock na imprensa, como também influenciou Dylan em sua guinada sonora, aprofundada nos álbuns “Highway 61 Revisited” e “Blonde on Blonde”.
Como boa parte do repertório de Bob Dylan, “Mr. Tambourine Man” ganhou inúmeras regravações. Só em 1965, mais de uma dúzia foram registradas. Os Brothers Four chegaram a gravá-la antes dos Byrds, mas esbarraram em questões de licenciamento. Depois disso, nomes como Judy Collins, Stevie Wonder, The Four Seasons, Joni Mitchell, Gene Clark, Glen Campbell, Duane Eddy e até William Shatner também lançaram suas versões.
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