O álbum que Phil Collins chamou de “auge” de sua bateria

Luis Fernando Brod
6 minutos de leitura
Phil Collins. Foto: The Genesis Archives.

Antes de se tornar a voz que embalou gerações no pop, Phil Collins já era um baterista de mão cheia, um verdadeiro artesão do ritmo. Sua técnica, muitas vezes, ficava nos bastidores, ofuscada por outros brilhos, especialmente a teatralidade de Peter Gabriel. Mas ele tinha uma filosofia clara: a música vem primeiro. E essa maestria rítmica, inegável, ele a entregava em cada batida, em cada projeto. No Brand X, flertou com o jazz fusion, explorando caminhos mais livres e improvisados. Contudo, foi no Genesis que sua percussão, por vezes, parecia um segredo bem guardado, quase uma força invisível que sustentava a complexidade das composições progressivas, sem alardes.

Essa visão, porém, não captura a verdadeira dimensão de seu talento e a profundidade de seu trabalho. Ao olhar para a história do Genesis, muitos se prendem à saída de Peter Gabriel e à ascensão de Collins como vocalista, esquecendo a riqueza e a complexidade de sua contribuição instrumental. Depois do espetáculo teatral de Gabriel, com suas máscaras e histórias, a ideia de um baterista assumindo os vocais causou estranheza, quase um choque para os fãs mais puristas. Havia uma dúvida palpável se o homem por trás da bateria conseguiria preencher o vazio deixado pelo carismático frontman. Mas, por um tempo, Collins mostrou que podia brilhar nos dois palcos, tanto na frente quanto atrás do kit, com uma versatilidade que poucos poderiam igualar.

A história, às vezes, simplifica demais a transição, sugerindo que Collins, ao assumir os vocais, teria imposto uma nova direção musical. Mas discos como “A Trick of the Tail”, que veio logo após a saída de Gabriel, mantiveram o DNA progressivo do Genesis. Músicas como “Dance on a Volcano” e “Squonk” teriam se encaixado perfeitamente em álbuns anteriores, como “Selling England by the Pound”, com sua estrutura elaborada e mudanças de andamento. A verdade é que a fase com Gabriel abriu caminho para a banda explorar canções mais longas e histórias mais elaboradas, criando um terreno fértil para a experimentação que Collins, com sua bateria, ajudava a pavimentar.

Mesmo com os figurinos ousados e a persona enigmática de Gabriel, sua presença no palco era um ímã, puxando o público para dentro da música e da narrativa. Em álbuns como “Foxtrot”, as canções eram verdadeiras viagens mentais, com passagens instrumentais que se desdobravam em paisagens sonoras intrincadas. “Supper’s Ready”, com seus múltiplos atos, e até mesmo as primeiras como “The Knife” viravam mini-óperas ao vivo, demonstrando a capacidade da banda de construir mundos sonoros. Mas, olhando para tudo que a banda fez, “The Lamb Lies Down on Broadway” tem um lugar especial, único, um ponto de virada que merece ser analisado com atenção.

Genesis. Foto: David Warner Ellis/Redferns via Getty Images

Esse disco é uma das experiências mais intensas do rock progressivo daquela época, levando o Genesis a lugares sonoros e conceituais bem diferentes, beirando o experimentalismo. Nem todo mundo se conecta de cara com a poesia do segundo disco, onde Gabriel fala de encontros com seres-serpente em “The Lamia”, uma jornada lírica que desafia a compreensão fácil. Mas, mesmo que as letras não sejam o seu foco principal, a bateria de Collins ali é de tirar o fôlego, uma aula de ritmo e sutileza que ele próprio viria a reconhecer como um de seus maiores feitos.

Para quem lembra do Genesis na fase pop, com seus hits radiofônicos, o próprio Collins, olhando para trás, percebeu que ali, naquele disco, ele estava no auge com a banda. Ele mesmo contou, com a clareza de quem revisita o passado: “Como músico, eu me espantava com a complexidade. Minha bateria não era gigante, mas tinha umas coisas aqui, outras ali, e eu me virava rápido. Foi, provavelmente, o ponto alto da minha forma de tocar, junto com os anos no Brand X.” Essa autocrítica e reconhecimento da própria performance sublinham a importância desse trabalho para sua trajetória como instrumentista.

Essa fala não tira o mérito dos discos que vieram depois, que também tiveram seu valor e sua relevância. Mas é difícil superar a perfeição rítmica e a inventividade de “The Lamb Lies Down on Broadway”. Se houvesse algo que pudesse virar percussão, Collins daria um jeito de usar, explorando cada textura e cada som disponível. Mesmo nas partes mais calmas e introspectivas, ele mostrava uma habilidade única de se encaixar, dando um ritmo que parecia nascer da própria música, orgânico e essencial, sem nunca soar forçado ou excessivo.

Então, “The Lamb Lies Down on Broadway” é, de certa forma, o último de uma era para o Genesis. Sim, a banda continuou depois que Gabriel anunciou sua saída, embarcando em novos capítulos. Mas, ao ouvir “A Trick of the Tail” logo depois, fica claro que o próprio Genesis já buscava outros caminhos, com músicas que não precisavam ser tão densas ou cerebralmente desafiadoras para serem incríveis e envolventes. O disco permanece como um retrato vívido da genialidade rítmica de Phil Collins em seu ponto mais alto, um testemunho de sua maestria que ecoa até hoje.

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