Quando “Jumpin’ Jack Flash” mudou os rumos dos Rolling Stones

Luis Fernando Brod
7 minutos de leitura
Rolling Stones / Jumpin' Jack Flash. Foto: Divulgação/David Bailey/Pinterest.

No fim da década de 1960, a música pop refletia as rápidas transformações sociais. O verão do amor havia espalhado psicodelia em cores vibrantes e sonoridades intricadas.

Beatles, Pink Floyd, Hendrix e Jefferson Airplane marcaram o clima de 1967 com álbuns exuberantes. Os Rolling Stones também seguiram essa rota no álbum “Their Satanic Majesties Request”.

O disco mergulhou no experimentalismo, mas não convenceu plenamente. Apesar da instrumentação variada de Brian Jones e arranjos complexos, o grupo parecia fora de foco. Produzido sem seu empresário Andrew Loog Oldham, soava mais como tentativa de atualização. Diante da recepção morna, a banda passou a reavaliar seus próximos passos.

O ano seguinte trouxe mudanças dentro e fora do estúdio. Com o otimismo hippie dando lugar a tensões políticas crescentes, o tom da música popular mudou.
Bob Dylan apontou um novo caminho com “John Wesley Harding”, lançado no fim de 1967. Em vez de excessos, surgia uma estética mais contida, rústica e introspectiva.

Foi nesse cenário que os Stones decidiram retomar suas origens. O blues e o rhythm and blues que moldaram o grupo nos anos iniciais voltariam a ganhar destaque. Para isso, recrutaram o produtor Jimmy Miller, conhecido por seu trabalho com o Traffic. A proposta era clara: abandonar a psicodelia e fazer os Stones soarem como eles mesmos.

“Não quero impressioná-los com ideias minhas”, disse Miller à época. “Quero extrair o talento natural deles. Quero que os Stones sejam os Stones.” A resposta criativa foi imediata, como lembraria Keith Richards anos depois. “Surgiu uma nova ideia entre nós. Ficou cada vez mais divertido”, contou o guitarrista.

“Jumpin’ Jack Flash” nasceu nesse clima de redescoberta. Em um ensaio nos estúdios RG Jones, em Surrey, apenas três músicos apareceram no horário. Brian Jones, Charlie Watts e Bill Wyman improvisaram enquanto esperavam Jagger e Richards. Wyman criou um riff no piano que chamou a atenção dos colegas assim que os dois chegaram.

O riff voltou à mente de Richards dias depois, em sua casa de campo. Enquanto descansavam, Jagger acordou assustado com passos pesados do lado de fora. Era Jack Dyer, o jardineiro local, com suas botas de borracha no jardim molhado. “Esse é o Jack. Jumpin’ Jack”, disse Keith. Jagger respondeu de imediato: “Flash”.

A frase virou verso, depois refrão. E em poucas horas, transformou-se em canção completa. Richards criou a base em afinação aberta, como fazia com frequência. A música ganhou vida com um ritmo marcante e guitarras ásperas.

A gravação começou em abril de 1968, nos Olympic Sound Studios, com Jimmy Miller. Para criar a textura suja da faixa, Richards usou um gravador Philips como distorção. Conectou o aparelho a um pequeno alto-falante e captou o som com microfone. “Descobri um novo som para a guitarra acústica”, explicou o guitarrista.

A guitarra soava como elétrica, mas com uma profundidade incomum. Richards sobrepôs outras camadas — uma em afinação Nashville, outra com capotraste. Também tocou percussões com Watts e gravou o baixo da versão final. Enquanto isso, Bill Wyman contribuiu com órgão e Brian Jones reforçou as guitarras.

O resultado foi um som mais seco, denso e direto. “Jumpin’ Jack Flash” marcou um novo estilo para a banda. Jagger assumiu um personagem enigmático, endurecido por provações quase bíblicas. “Mas está tudo bem agora”, canta ele. “Na verdade, é até divertido.”

Rolling Stones – Jumpin’ Jack Flash

A letra dispensava o otimismo flower power e falava em superação. “É uma metáfora para sair de tudo aquilo das drogas”, disse Jagger ao biógrafo Philip Norman. O vocal marcava o início de uma fase mais sombria e urbana do grupo. “Não havia nada de amor e paz em ‘Jumpin’ Jack Flash’”, resumiu o cantor.

A estreia ao vivo da canção aconteceu no NME Pollwinners Concert, em 12 de maio. Foi o último show com Brian Jones, em Wembley, após um ano longe dos palcos. O público reagiu com entusiasmo: “o Empire Pool tremia”, escreveu Nick Logan, da NME. A banda tocou apenas duas músicas: “Satisfaction” e o novo single.

O lançamento oficial veio no dia 24 de maio de 1968. Dois vídeos promocionais, dirigidos por Michael Lindsay-Hogg, foram produzidos na mesma semana. Um mostrava o grupo em trajes coloridos, maquiagem carregada e figurinos modernos. O outro era mais sóbrio, com foco no desempenho ao vivo da banda.

Ambos registraram um Jagger performático e teatral, em sintonia com a nova fase. A música chegou ao primeiro lugar nas paradas britânicas no dia 19 de junho. Nos Estados Unidos, ficou em terceiro, consolidando o renascimento dos Stones. Era o início de uma sequência de álbuns influentes, entre eles “Beggars Banquet” e “Let It Bleed”.

Desde seu lançamento, “Jumpin’ Jack Flash” tornou-se uma das músicas mais tocadas pelos Stones ao vivo. Presente em quase todos os shows, virou ponto de partida para a energia dos concertos. “Assim que toco aquele riff, algo acontece no seu estômago”, disse Keith Richards à Rolling Stone. “É como se a música te dominasse. Uma explosão.”

Muitos artistas gravaram versões da faixa: Aretha Franklin, Motörhead, Peter Frampton, entre outros. A versão de Aretha foi produzida pelo próprio Richards e entrou no filme de mesmo nome. Ainda assim, nenhuma versão superou a intensidade do original. A gravação de 1968 segue como uma das mais fortes do catálogo dos Stones.

Não há efeitos exagerados, nem ambição conceitual. Apenas um riff direto, uma batida firme e um vocal incisivo. Era tudo o que a banda precisava naquele momento. “Jumpin’ Jack Flash” não apenas recolocou a banda nos trilhos. Ela redefiniu a identidade dos Rolling Stones para os anos seguintes. Mais crua, mais blues, mais perigosa. E finalmente, com um som só deles.

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