No auge dos anos 90, poucos vocalistas pareciam carregar tanta dor quanto Layne Staley. A voz arrastada, melancólica e ao mesmo tempo poderosa, que ajudou a definir o som do Alice in Chains, se tornou um retrato sonoro de uma geração afogada em dúvidas, vícios e cicatrizes. Mas por trás daquela entrega nos vocais, havia um homem em ruínas, aos poucos se afastando de tudo e de todos, até desaparecer por completo. Quando a notícia de sua morte foi confirmada em abril de 2002, boa parte dos fãs já havia compreendido, ainda que sem admitir, que o pior já tinha acontecido muito antes.
Layne Staley nasceu em 22 de agosto de 1967, em Kirkland, Washington, e cresceu cercado pela música. Ainda adolescente, já tocava bateria e sonhava em ter sua própria banda. Durante os anos 80, integrou grupos locais e foi ali que conheceu Jerry Cantrell, guitarrista com quem formaria o Alice in Chains em 1987. A química entre os dois era imediata. Layne assumiu os vocais, e Jerry, as guitarras e a composição instrumental. Completavam o grupo o baixista Mike Starr e o baterista Sean Kinney.
A primeira gravação de estúdio veio com o álbum “Facelift”, lançado em 1990. A faixa “Man in the box”, com sua letra enigmática e clima sombrio, conquistou espaço na MTV e no rádio, abrindo caminho para o que viria depois. Em 1992, o Alice in Chains lançou “Dirt”, um disco que alcançou grande sucesso comercial e que é apontado por muitos como seu trabalho mais denso. Nele, faixas como “Down in a hole”, “Rooster” e “Junkhead” exploravam, com honestidade brutal, temas como vício, perda, guerra e autodestruição.
Não era apenas arte. Aquilo era autobiográfico. Na época das gravações de “Dirt”, Layne já lutava contra a dependência química, principalmente de heroína. O vício passou a influenciar diretamente a dinâmica da banda, que precisou cancelar turnês e adiar compromissos. O EP “Jar of Flies”, de 1994, trazia uma sonoridade mais suave e acústica, e se tornou o primeiro EP da história a estrear no topo da parada Billboard 200. No entanto, nos bastidores, a situação seguia delicada.
Em entrevista à Rolling Stone em 1996, Layne declarou: “As drogas funcionaram para mim por anos, e agora elas se voltaram contra mim. Agora estou andando pelo inferno, e isso é horrível”. A fala não soava como um desabafo passageiro. Era um aviso.
A apresentação da banda no programa MTV Unplugged, em abril de 1996, foi a última grande performance pública de Staley. Na ocasião, ele estava visivelmente debilitado, com movimentos lentos e aparência fragilizada. Ainda assim, sua voz mantinha a mesma intensidade carregada de sofrimento. Muitos viram naquela performance uma espécie de despedida informal. A banda praticamente se desfez após aquele show, com os membros seguindo caminhos separados. Staley, por sua vez, começou a se isolar de forma cada vez mais profunda.
O isolamento aumentou após a morte de sua noiva, Demri Parrott, em outubro de 1996, vítima de uma infecção bacteriana relacionada ao uso de drogas. A perda teve um efeito devastador. Ele comprou um apartamento no bairro de University District, em Seattle, e passou a viver praticamente recluso. Poucos sabiam como ele estava. Poucos conseguiam visitá-lo.
Durante os anos seguintes, Layne praticamente sumiu da vida pública. Houve tentativas pontuais de contato com amigos e ex-companheiros de banda. Jerry Cantrell relatou, anos depois, que visitava o cantor com alguma frequência. Segundo ele, Layne ainda mostrava ideias de músicas, letras e criações inacabadas. Mas os momentos de lucidez vinham acompanhados de longos períodos de silêncio e apatia.
Sean Kinney, baterista da banda, contou em entrevista que ligava para Layne três vezes por semana. Nunca obtinha resposta. Às vezes, ia até a porta do prédio e gritava o nome do amigo. Não havia retorno. “Você podia até entrar no prédio, mas ele não abriria a porta. Não dava para arrombar, embora eu tenha pensado nisso muitas vezes. Mas se alguém não quer ser ajudado, o que dá pra fazer?”, disse ele à revista Blender.
Entre 1999 e 2002, Layne vivia trancado em seu apartamento. Alimentava-se basicamente com suplementos como o Endure, usados por pessoas com dificuldades de absorção alimentar. Jogava videogames, pintava quadros e evitava qualquer contato com o mundo exterior. Em uma das raras entrevistas desse período, concedida a uma revista finlandesa, o cantor admitiu: “Sei que estou morrendo. Não estou bem. Essa droga é como a insulina para um diabético. Não uso mais para ficar chapado. Sei que cometi um grande erro quando comecei com isso. Mas agora é tarde demais”.
A última pessoa conhecida a ter visto Layne vivo foi Mike Starr, ex-baixista do Alice in Chains. Eles se encontraram em 4 de abril de 2002. Starr teria tentado convencê-lo a procurar ajuda médica, mas a tentativa terminou em discussão. Layne recusou-se a aceitar qualquer tipo de socorro. Mike foi embora e nunca mais o viu. Dias depois, sem qualquer movimentação financeira registrada, os contadores de Layne alertaram sua mãe, Nancy McCallum.
Em 19 de abril de 2002, Nancy e a polícia foram até o apartamento do cantor. Encontraram seu corpo em decomposição, caído no sofá. Estava morto há pelo menos duas semanas. Pesava cerca de 39 quilos. A autópsia indicou overdose de speedball – mistura de heroína e cocaína. A data exata da morte foi estimada em 5 de abril, coincidentemente o mesmo dia da morte de Kurt Cobain, oito anos antes.
O funeral foi privado, com a presença de poucos familiares e amigos. Não houve homenagem oficial da banda. O nome de Layne Staley permaneceu ausente de eventos públicos, como premiações ou tributos. Durante anos, os próprios integrantes do Alice in Chains preferiram não falar sobre o assunto, evitando entrevistas e recusando convites para tocar ao vivo.
A ausência de Layne foi tão definitiva quanto sua presença havia sido marcante. Mesmo nos primeiros discos, havia algo na maneira como ele cantava que soava à beira do colapso. Não se tratava de estilo. Era dor real, moldada em forma de música. Canções como “Nutshell”, “Angry chair” e “Would?” servem como registros emocionais de alguém tentando se manter inteiro enquanto tudo ao redor desmoronava.
O que muitos fãs não sabiam era o quanto Layne sentia vergonha do próprio vício. Ele detestava quando adolescentes se aproximavam para dizer que queriam experimentar heroína por causa dele. Não queria ser visto como símbolo do uso de drogas, mas era difícil dissociar sua figura dessa narrativa. “Queria que as pessoas entendessem que isso não é legal. Não é bacana estar morrendo sozinho”, disse ele em sua última conversa gravada.
Em 2006, o Alice in Chains voltou à ativa com William DuVall nos vocais. A decisão dividiu os fãs. Alguns apoiaram o retorno. Outros acharam uma traição à memória de Staley. Jerry Cantrell declarou que jamais tentou substituir o antigo vocalista. “Não é sobre tentar reviver o passado. É sobre continuar a viver”, afirmou em entrevista ao Los Angeles Times.
Desde então, a banda lançou novos discos, como “Black gives way to blue” (2009) e “Rainier fog” (2018). Layne continuou sendo lembrado em músicas como “Black gives way to blue”, escrita por Cantrell em sua homenagem. No entanto, o silêncio de seus últimos anos ainda paira sobre toda essa história.
Hoje, mais de duas décadas após sua morte, Layne Staley permanece como uma figura quase mítica entre os fãs do rock alternativo. Mas talvez o mais importante seja lembrar que ele não foi um mártir. Foi um ser humano, com talento imenso, que enfrentou uma doença cruel e silenciosa. E que, apesar de todo o sofrimento, conseguiu transformar sua dor em arte, ainda que a um preço irreversível.
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