“Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo” – Sócrates
Pravus é uma banda da cena paulista que tem conquistado seu espaço no underground brasileiro, trazendo uma proposta diferenciada em seu som. Formada por jovens músicos no auge da criatividade, eles falam em entrevista com a Disconecta sobre o lançamento do novo single “Ignis”, assim como também do processo de composição do novo álbum que será lançado em breve e dos desafios que tem encarado desde o lançamento do primeiro EP “Cor Hominis Pravus”, além de uma visão ampla sobre o metal no Brasil.
O novo single Ignis fala sobre a raiva e o sentimento que pode se obter diante desse momento passageiro. Em que contexto acreditam que a faixa se encaixa num mundo pós moderno cuja comunicação é totalmente unidimensional e a empatia cada vez mais escassa?
Guilherme: Eu estava pensando sobre isso hoje. A Ignis fala sobre assumir as rédeas de algo que faz parte da pessoa. Assim como delineou, a raiva como um sentimento passageiro, pode ser desvalorizada internamente pelo fato de que, a certo ponto, acaba sendo indesejável. Muito do que escrevi nas letras vem de um incômodo em relação à esse sentimento por conta do juízo de valor que impus à uma reação espontânea. Acredito que a vitória declarada seria de tomar controle dos próprios sentimentos. Me veio em um momento no qual senti que assuntos como o estoicismo tem sido deturpados. As pessoas batem no peito o quão racionais são, que não se deixam abalar por emoções, porém, é uma postura devidamente cínica, negar que algo faz parte de ti, sem estar necessariamente sob seu controle. Tanto o sentimento como a impulsividade não devem ser desvalorizados. Uma vez que reconhece essas manifestações, é possível entrar em harmonia com essas sensações. É algo capaz de levá-lo a uma constatação de se conhecer, e também sobre a apatia na qual se gabam e que não faz sentido.
Danilo: Tem muita coisa legal nessa música, acho que a primeira seria como chegamos em uma metalinguagem, pois à primeira vista, você percebe a porrada, “raiva, é isso aí que estou sentindo”, mas não é apenas sobre a explosão dessa, e sim das suas reflexões quanto ao sentir daquilo. Porque como falou sobre o contexto atual, as pessoas não param para refletir sobre os sentimentos. Elas sentem raiva e pensam “Eu não queria estar sentindo isso”, e não é exatamente dessa forma, pois todos já a sentiram, e sabem como isso é. Tem de trazer uma reflexão maior para isso pois não é algo tão preto no branco. É um momento necessário em sua vida, extravasar isso às vezes, ter esse momento e saber lidar com tudo. No refrão se questiona sobre o que essa raiva vai te trazer, o que você consegue fazer com isso e como usá-la como ferramenta.
Baseado nesse questionamento, a banda terá um álbum conceitual, por exemplo, com algum personagem vivendo esse dilema?
Danilo: Eu não diria que é conceitual, ainda mais que não começamos a trabalhar nele com essa ideia. Rola é de ter temáticas recorrentes e um desenvolvimento: começo, meio e fim. São conceitos que o permeiam, a trajetória de que a raiva é apenas o começo. Se trata de temas do cotidiano e será um trabalho bem introspectivo e reflexivo. É uma jornada de aceitação sobre o que você aceita como bom ou ruim. Não há um personagem, exatamente, porém vai desenvolvendo essas ideias.
Guilherme: Essas músicas não foram escritas apenas por mim, porém, também tanto pelo Duemd como o (André) Farsky, que testam de uma forma diferente o crescimento de cada um nesse último ano em que passamos produzindo esse álbum. Passamos muito tempo juntos e conversando, e parte de nosso crescimento acabou se manifestando por meio dessas letras de acordo com temas que se alinhavam na produção das delas. Mesmo que não seja conceitual, acaba sendo uma amálgama emocional do que passamos em 2024 juntos.
“As pessoas não param para refletir sobre os sentimentos. Não é algo preto no branco. É um momento necessário em sua vida, extravasar isso às vezes”
É uma junção de conceitos que jogaram no conteúdo lírico, não seria apenas um álbum com uma simples coleção de faixas, e sim na qual interagem umas nas outras de forma independente e que casam bem no contexto do trabalho.
Guilherme: Elas falam sobre o mesmo assunto de uma forma diferente. Uma é sobre raiva, a outra sobre saudade, desprendimento, tentação e todas tentam entrar em termos de forma mútua e se reconhecerem nessa própria existência. Todas, de alguma forma, falam sobre algo que é desconfortável, mas que urge à ser reconhecido.

Vocês se encontram em uma nova formação. O baixista duemd está com vocês já há um ano, assim como André Farsky que agora fica no cargo de tecladista. Como se deu a integração dos dois no ambiente criativo e organizacional, já mencionando que Farsky colaborou nas composições e como foi para se encontrarem após a saída do carismático vocalista Tommy Engel?
Guilherme: O Duemd chegou em um momento que passavamos por algumas tensões, e com ele, tivemos um suspiro de alívio pois possuía pontos fortes que nos deram segurança. Logo de cara, percebemos que ele é um ótimo baixista, tem um cuidado e atenção para entender sobre as coisas antes de começar a contribuir, que é algo muito valioso e que pouca gente tem. Ele veio por indicação de outro baixista e amigo nosso de uma outra banda, a Spynauts, e na época, precisávamos saber se era de boa em entrosar, pois era um ponto decisivo para a saúde da Pravus. Você precisa se alinhar bem com a banda. Mesmo que seja o cara mais foda do mundo, se não tem como trabalhar com ele, não rola. Foi um fresh air quando ele entrou, nunca deixou a gente na mão.
Danilo: É engraçado que ele não quis interferir muito nas composições para observar como estávamos fazendo. Por um tempo, ficou relutante em colocar a própria mão em cima justamente por ter chegado depois e foi uma postura que tomou por conta própria. Ele tem profissionalismo e ouvido absoluto, o que é muito da hora.
Guilherme: Principalmente em fazer arranjos. Danilo é um músico formado, não sabemos se o Duemd tem uma formação, mas ele é bem estudado, e seu ouvido absoluto ajuda demais nos arranjos por serem músicas complexas.
Danilo: A transição do vocalista acabou sendo natural, pois o resto da banda estava caminhando em uma direção e o Tommy em outra, e demoramos para perceber e aceitar isso. E no final, acabou sendo bem natural, nas demos era o Guilherme que estava cantando e também o Duemd fazendo sua parte, então, era algo que estava tomando forma daquele jeito.
Guilherme: No tempo em que a gente tinha e no fluxo de trabalho, vimos que foi algo real de ter se construído uma distância entre o direcionamento em que o Tommy queria em relação a progressão em que estávamos achando natural. Eu gravava a maior parte da voz nas demos pensando em apresentar e ensiná-lo, porém, ficou mais difícil. Se criaram tensões enquanto estávamos desenvolvendo essas músicas e no final das contas, nos víamos tentando encaixar um triângulo em um buraco do quadrado. Então, chegamos à um estopim em dizer que não ia funcionar daquele jeito e achamos melhor seguir sem ele, sendo a solução mais viável que encontramos no momento. Chegamos a cogitar encontrar outro vocalista, mas achamos mais prático utilizar o que já tínhamos e as pessoas que já estavam imersas nesse processo criativo e que não precisam ser treinadas para ser parte da Pravus.
Para que a entrada de um novo membro funcione, vocês teriam que ter um entrosamento prévio e uma confiança. Teria sido esse o caso do Farsky na posição de tecladista da banda?
Guilherme: Acho que a introdução do Farsky uniu o útil ao agradável porque ele já vinha nos ajudando na produção há muito tempo desde o início, praticamente. Depois, começou a participar mais do processo criativo, contribuiu com letras, arranjos e sempre teve ideias bem legais, logo, isso foi natural para nós. Passamos por uma mudança de formação que não esperávamos e éramos um quinteto. Simplesmente largamos alguns arquétipos de formação de um line-up, notamos que temos sim de ter confiança neles, embora que não totalmente proficientes, mesmo essas músicas sendo complexas.
Danilo: Estou na Pravus desde 2020, e naquela época, a banda possuía uma formação “fantasma”, não era consistente. Era uma época em que não sabíamos como trabalhar e o que fazer, sequer ter uma banda. Eu estava no terceiro ano do Ensino Médio e tocava guitarra na época e havia decidido ter uma banda, que seria “da hora”. Desde essa época, o Farsky já estava por lá, e quando íamos gravar as demos em sua casa, já era o nosso produtor, além de ter trabalhado no primeiro EP, mesmo que quando ainda não era um membro. Já tínhamos um contato maior conforme a banda foi crescendo e até ajudou na iluminação em um show do Hangar 110. Ele começou a tocar teclado por conta da Pravus e pensou que seria “legal colocar isso aí” no material, e como o Guilherme disse, não era algo definitivo a questão da proficiência. Se ele já consegue tocar nosso material, então já tá bom.
No EP anterior, as influências progressivas eram notórias. Entretanto, vocês se veem no cenário do metal moderno. Como se encaixam integrando nesse meio com o novo trabalho ainda do forno?
Guilherme: É um rótulo que a gente não consegue escapar muito. O problema do gênero progressivo hoje é de “não existir”, é um rótulo vago e desperdiçado. Porém, é algo que nós não podemos fugir, sendo uma dessas bandas. Somos uma banda de metal e pronto, e se você chamar de metal progressivo, groove, sludge ou death progressivo, ainda assim, é algo incontestável. Dependendo da música, consegue-se criar rótulos diferentes, e o metal moderno é um que adotamos para manejar melhor a expectativa do público e com isso, podem notar a quantidade de influências de bandas consagradas. Nosso estilo de produção não abre mão de aspectos orgânicos e não gostamos de ser híper-produzidos, apesar de sermos influenciados por bandas que são assim. Em nosso referencial queremos mostrar nossas influências de bandas que estão longe disso, como Opeth e Gojira, por exemplo, que não possuem características de produção modernas. Em uma música nossa é isso que irá encontrar, mesmo que não se negue o fato de ter elementos atuais de bandas como Animals As Leaders e Periphery. Eles estão ali, mas não deixamos de ter as referências “Old School”.
Danilo: Não nos cabe a fazer distinção ou julgar o que a banda é, quem dá esses rótulos não somos nós e sim o público. Quando nos classificamos como metal moderno, é sobre justamente o que vão esperar. Cada um dentro da banda possuí uma influência. E é o caminho que a música de uma forma geral se vê hoje em dia, é uma mistura de absolutamente tudo e rompendo ainda mais barreiras. Eu, por exemplo, gosto do muito do metal progressivo e de bandas que se encaixem nessa categoria, e da possibilidade de trazer texturas e elementos novos em que o público fale “nossa, nunca vi isso em outro lugar” e é legal de trazer ao som, porém, todo mundo faz isso hoje em dia. Não tem como nos classificarmos nesse gênero pois ele não significa mais nada.
Da mesma forma que duas cabeças pensam melhor do que uma, como é a química de vocês dois nas guitarras? Pode-se esperar músicas com diversas camadas e tempos quebrados que podem surpreender o ouvinte?
Guilherme: Acho que a Ignis foi a que mais aproveitou a dualidade das guitarras, soubemos de uma forma melhor que no EP fazer essas guitarras entrarem em harmonia ao invés de reforçar a mesma ideia. Nessa, tem diversas dobras de guitarra durante o verso que alternam intervalos, mas existem outras que irão mostrar como duas guitarras podem fazer coisas diferentes, porém, de forma que se complementem. Nossos estilos, meu e do Danilo, são bem diferentes, sou um tanto mais “bruto” e ele mais “fluído”. Você consegue identificar nos riffs em cada parte quem gravou tal linha, e dependendo da parte, por consistência, cada um a grava por inteiro. Isso possibilita uma melhor dinâmica de assinatura sonora em cada parte, por exemplo, quando há mais delicadeza e nuance, deixo para o Danilo, porém, se é algo que necessite de mais pressão e “travada”, quem grava sou eu, geralmente.
Danilo: Eu uso encordoamento 09, levinha, e você consegue perceber quem compôs cada parte das linhas de guitarra porque temos esse jeito diferente de tocar, foi algo legal no nosso processo de composição. Lembro que a gente estava quebrando a cabeça pensando o que faríamos com tal parte em determinada música, de momentos de realização quando chegavamos em um riff ou uma transição que a gente achava da hora e que não teríamos feito isso se não tivéssemos trabalhado juntos, com duas percepções diferentes.
Alguns covers nos shows ao vivo fizeram parte do setlist da banda, e uma delas foi Where The Dead Angels Lie da icônica e polêmica banda Dissection. Existe algum espaço para a versatilidade de Jon Nödtveidt nas composições da banda assim como a chance de termos um cover gravado dessa música gravada assim como Starless de King Crimson?
Guilherme: Dissection é uma grande influência para gente, principalmente musicalmente, eu admiro bastante a criatividade do Jon, apesar da polêmica. Não vou colocar juízo de valor aqui, ainda mais que você consegue extrair algo bom de cada arte. Acho que até o último álbum (Reinkaos) que não é tão falado é o que mais ressoa comigo como uma obra musical, com toda sua megalomania. É algo próximo do melodic death metal que eu curto. Em relação à Where The Dead Angels Lie, quando eu entrei na banda, já era uma ideia fazer cover dela e não conhecia muito o Dissection. A conheci através dessa. Fizemos bem no foda-se e escolhemos toca-la nos shows. Mas no futuro não passa na nossa cabeça fazer um cover dela ou de outras bandas, sabe? Nós queremos nos aprofundar em encontrar a nossa identidade do que ter de fazer esse tributo de novo. Porém, é uma música divertida de tocar ao vivo e não descarto tocá-la de novo, porém no futuro não deve ser nosso foco.
Danilo: Primeiramente, o que posso dizer sobre gravar um cover dessa música é o motivo principal dela não rolar porque sinto que vamos trair o nosso principal objetivo: eu trouxe o cover de Starless e havia feito a demo na época por ser uma música que não era de metal, e acredito que fazer um vale a pena quando vamos mudar a vibe totalmente de algo que já exista, e não outra “versão metal” de uma outra música de metal. Fica meio redundante e sinto que não temos muito o que adicionar, então não sei se vale muito a pena. Na época, quando fazíamos esses covers era porque tínhamos poucas autorais e precisávamos preencher um setlist, era sobre encher de músicas que gostaríamos e foda-se. Quem a trouxe foi o Tommy por ser bem fã na época, e gosto bastante de black metal, tem muito na música que acho bem interessante e legal, mas nunca cheguei a gostar tanto de Dissection no mesmo nível, nunca foi minha principal influência e nossa banda tomou outro rumo. Não sei se vamos re-aproveitar muito dessa época, mas como o Guilherme falou, a gente não descarta a possibilidade de tocá-la ao vivo, mas acho difícil, agora que a gente tem um setlist de músicas próprias que queremos tocar.
Falando nisso, a banda utilizava bastante o picard thirty, uma técnica que foi citada por Duemd em um dos vídeos da página do Instagram de vocês. No metal sueco noventista, algumas dessas bandas possuem composições melódicas e barrocas que são características únicas que acabam sendo marcas registradas daquele cenário, e uma dessas influências seria o Opeth. Como vocês veem essa cena como uma influência geral dentro do núcleo da banda?
Danilo: Eu gosto muito de várias bandas dessa época e desse cenário, no melodeath de uma forma geral tem Carcass e At The Gates, duas bandas que a gente gosta pra caramba e que tem uma certa influência na Pravus, porém, quando estávamos compondo, notamos que não é algo que incorporamos pois sinto que não tem nada a ver, mas que podemos ver mais pra frente. Na composição desse novo álbum tivemos influência de vários estilos do meu gosto, e geralmente quando eu quero compor, tem de fazer sentido com o estilo da banda. Acabo tendo dessa separação justamente para não virar uma bagunça.
Guilherme: Pessoalmente, essas bandas tem muita influência para mim e elas se manifestam comigo sem eu pensar. Mesmo se eu não tiver fazendo força, sinto que quero fazer algo nessa direção e acaba saindo algo que falo “Isso aqui é meio Carcass ou At The Gates, tá ligado?”, mas a gente abraça o Opeth mais como uma influência pelo sentido de criatividade do que nos elementos sonoros. Tem uma música que tá no álbum que o instrumental fui eu que compus e pensando em retrospecto, não tem como fugir da inspiração de melodeath, apenas toquei algo que parecia natural para mim e foi bem sem eu perceber. Acho que foi muito do que escutei quando estava descobrindo metal e o que ouvia na adolescência faz parte de mim e não sai mais, a música da Suécia está no meu DNA, mesmo que eu a evite na hora de explorar outros aspectos da minha musicalidade.
E baseado nisso teríamos algumas passagens acústicas?
Guilherme: Existem momentos em que tem, que são orientados pelo violão. Por exemplo, uma parte que foi pensada para ser acústica e algumas partes em que o violão é uma textura adicionada em outra ideia. Eu gosto muito dessas passagens acústicas, que tomam tempo para ser passagens pensadas em serem tanto para um violão de aço ou nylon. No álbum não tem tantos momentos assim, mas tem poucos desses momentos valiosos que são acústicos.
Danilo: Gostamos de trabalhar muito dessa dualidade em que não se tem distorção nenhuma e já seguimos pra porradaria nas guitarras. Existem momentos em que gravamos com as guitarras no clean, porém, em alguns desses poucos, utilizamos os violões, e quando aparecem nesses momentos, seriam memoráveis.
Vocês surgiram em um cenário que estava se acostumando com a volta de shows e outros grandes eventos na pós-pandemia. Mesmo depois desse período tão turbulento, o público parece estar ansiando mais pelos shows ao vivo, ainda mais no cenário nacional de uma forma bem maior que na década passada em que tudo parecia muito volátil. Como vocês enxergam as oportunidades para as bandas emergentes em tempos de pós apocalipse e qual o segredo para ainda se manter no jogo?
Guilherme: Acho que depois da pandemia, o Brasil se mostrou como um mercado muito frutífero, principalmente para o metal e é algo sem precendentes, ainda mais depois de tanto tempo. O Pico desse gênero já passou, de popularidade e de valor de mercadológico, mas parece que nos últimos 5 anos, ou pelo menos também depois que voltamos da pandemia, o Brasil tem se mostrado internacionalmente como um mercado gigante para grandes festivais e isso tem gerado uma certa demanda e botado os olhos internacionais para o nosso público. Ajuda também a fomentar uma cena de bandas independentes, mas sinto que a maior necessidade, para esse momento, dado o potencial do público brasileiro, que é caloroso e dedicado, é saber se enxergar no mundo, o papel das nossas bandas e a existência delas; o que o público quer, o padrão de qualidade que acho muito importante. É como diria Tim Bernardes : “Mostrar o Brasil pro mundo, ou o mundo para o Brasil?”. É sobre mostrar à essas bandas e também ao público, de que elas tem como sair daqui e mostrarem seu o valor lá fora, que não acontece muito hoje em dia, e sim, com bandas consagradas que fizeram nome nos anos noventa. Mas com as novas é algo que simplesmente não acontece, e se rola, é muito nas coxas, só molhando o pé.
Danilo: Estamos em um movimento com muito potencial. O momento do pós-pandemia foi bem difícil, e atualmente há muito da questão do dinheiro por aqui, tudo é muito caro e já é complicado de se trazer uma banda de fora, então, realmente é o público que tem de mostrar que ter uma troca cultural por aqui não é algo difícil e prejudicial para ninguém.
Guilherme: O público tem que cobrar, desde artistas internacionais e nacionais até os produtores de eventos. Eles têm de falar o que querem. O que sempre vi, foi quando alguém tentava trazer uma banda para o país, do público correr sempre um risco enorme. Em um cenário em que recebemos várias dessas bandas internacionais é algo que inspira muita gente. Isso muda a vida de uma pessoa, e a faz querer começar uma nova banda ou um novo projeto. Pode ser um ninho de novas bandas prodígio e de legados que podem ser construídos por grupos brasileiros. Encham o saco do produtor, mandem e-mails! Demandas não são ignoradas, e dinheiro na mesa também não. O Brasil é visto demais como um mercado consumidor, ele tem que começar a ser visto como um que pode exportar coisas.
Danilo: Na Pravus temos esse olhar de tentar trazer o nosso público para nós, mas também somos o público. Essa mesma coisa de um show poder mudar a vida de uma pessoa realmente acontece com muita gente, nada da Pravus teria acontecido se não tivéssemos ido em diversos shows de artistas que realmente admiramos e essa troca é muito importante. O que vejo é muita gente por aqui sempre relutante de ir à um show quando os artistas vem pra cá, ou simplesmente não colocarem muito esforço nisso. Não importa se aquele artista é pequeno ou grande, se você gosta de música e arte em geral, não vejo o porquê de não frequentar um show, nem mesmo que ele seja lá no cu do mundo. Já vi muitos desses vazios e é uma oportunidade perdida, até da própria banda voltar mais vezes, por exemplo, tem até estilos por aqui que sequer temos tanto contato. Você não vai em shows desses mais específicos pois não existem bandas fazendo disso por aqui ou as do exterior que as representam vindo para cá. E o que percebemos no Brasil é que se tem uma carência muito grande de novidades saindo e existem muitas outras bandas que sempre são uma segunda versão de alguma gringa, e isso não faz a coisa andar. Não há nada de errado em se ter várias influências, porém, nosso trabalho é pegar delas e criar algo novo, e se você faz a cópia da cópia, não rola.
A mídia física teve uma crescente na década passada, e embora muitos tenham decretado a morte do CD, esse continua firme e forte. Ao contrário do senso comum que diz que as gerações mais novas não apreciam a mídia física, isso tem se mostrado totalmente o contrário, principalmente quando se trata da geração Z que recentemente tem mais consumido desse material. Como vocês se veem atendendo ao público do colecionismo que sempre gosta de trazer o artista pra casa?
Danilo: Eu gosto bastante da mídia física e acho bem importante esse engajamento, tanto por parte das bandas pequenas que vendem o seu merch, que acabam sendo uma fonte de sustento delas, quanto para o lado do público. Se você olha para o consumidor, a resposta à isso é sempre a mesma: “Será que eu realmente preciso disso se já tenho Spotify?” Nunca foi sobre precisar, até porque já faz muito tempo que você não tem essa necessidade, mas se você gosta de música, querendo ou não, vivemos em um mundo material, sabe? E não o online! É sempre bom ter o contato com algo que lhe remete ao que gosta e que é tão grande em você. Por isso que acho importante comprar CD ‘s e Vinis, gosto muito de ter essa parte material junto comigo. Acho bem legal que tenha esse crescimento, mesmo no Brasil onde tudo está caro. É bem insano, parei de comprar com uma certa frequência pois eu tinha uma maletinha de vinil que simplesmente quebrou, e aí para conseguir comprar algo novo é caro pra caramba.
E como vocês veem isso no mercado internacional, uma vez que consigam chegar no exterior? Tanto no lançamento do seu material nesses formatos?
Danilo: É algo que a gente quer fazer e há toda uma questão de logística que, querendo ou não, custa dinheiro. Por isso, tem a dificuldade de sempre, mas é algo claro que queremos muito fazer. Seria bem legal, e eu ficaria muito feliz de ter um disco da minha banda na minha casa. Tem muito material, muita coisa que a gente só gravou na zoeira e tudo mais que é de extra e que podemos mostrar pro mundo e o CD seria um ótimo viés, um motivo a mais do porquê ter daquela mídia.
Guilherme: Como a gente atenderia esse público? Eu faço parte dele, e discordo um tanto do Danilo por ter uma visão fatalista e acho que tem de voltar a ser uma necessidade pois acho desesperador a era de informação fluída em que estamos. Fico de “xereca” quando algo que gosto muito deixa de existir e acaba apenas só na internet, principalmente quando os proprietários de serviços podem desativá-los. Eu criei um sentimento através de uma experiência de nostalgia que existe apenas no ambiente virtual e se não tomar cuidado com isso, tudo pode ser comprometido! Existe o streaming, mas está sujeito a um equilíbrio muito tênue de quem está na distribuição disso hoje. Se surgir um competidor, pode fragmentar a indústria, e isso acontecendo, muito pode se perder, pois existe sempre quem vence e perde, porém, algo que ninguém pode tirar de você, é a mídia física. Financeiramente para nós, precisamos ser realistas: de tudo o que vai dar retorno financeiro no cenário brasileiro, mídia física não é uma delas. Precisamos pensar em um público mais aberto ao invés de fechado, apesar de reconhecer a fidelidade e a dedicação do nicho de mídia física. Inclusive, costumo pesquisar, e sempre que vejo uma banda nacional que lançou um vinil, sempre estou atento quando se trata do distribuidor e onde foi feita a prensagem, é uma meta. Nos próximos anos, caso nos acompanhe, você pode esperar esse conteúdo exclusivo em mídia física sim, e não vamos jogar essa ideia fora, fazer valer a pena você gastar grana com tudo o que vamos colocar lá. Não gosto dessa ideia dessa coisa volátil, dessa facilidade em que as coisas aparecem e desaparecem digitalmente.
“O público tem que cobrar, desde artistas nacionais e internacionais até produtores de eventos”
Mas principalmente também em um momento em que as pessoas não possuem afinco com as coisas, nenhuma ligação profunda, como foi mencionado lá no início dessa entrevista. Não há ligação profunda e sempre é criada uma expectativa enorme em torno de uma realidade simulada e o que vemos no streaming é desse fácil acesso que é vazio pois não há como criar uma conexão com o artista à longo prazo. Vocês acreditam que a partir do momento em que começarem a lançar esses formatos, isso irá atrair o olhar de gravadoras?
Guilherme: Acho que são relações que se constroem por confiança. Não é nosso foco, como dito antes, pelo menos para agora, no entanto, a gente vai ficar de olhos abertos para oportunidades que precisam ser frutíferas pros dois lados, sabe? Entendemos que tudo isso leva tempo e dinheiro e exigem dessa mesma troca confiança. Afinal de contas, vender algo com o nome de sua banda estampado é algo que você tem de assinar embaixo e tomar aquilo pra si. No momento estamos distantes de gravadoras, somos independentes e não temos ninguém financiando a gente. Tudo isso depende de como vamos construir nossas relações dados aos frutos do próximo lançamento.
Danilo: Tem muito também de vivermos o momento em que estamos passando, principalmente quando se trata de fazer uma coisa de cada vez. Somos uma banda independente que faz tudo por conta, então, dado o lançamento, temos muito trabalho a fazer além de nossas vidas pessoais, e querendo ou não, toma muito do nosso tempo e esforço, e vemos que hoje existem outras coisas que demandam mais deste e que vemos como prioridade para agora. Queremos seguir esse caminho, mas não tem como dar conta. Ter uma mídia física nossa seria uma satisfação imensa e diriamos “agora a porra ficou séria de verdade!” e seria para nós um momento crucial.
Para fechar, quais seriam as bandas favoritas desse cenário atual e qual mensagem vocês gostariam de deixar aos fãs que há muito anseiam a volta da Pravus, tanto nos palcos como também de material novo?
Do cenário atual, vou citar uma galera que faz um trabalho honesto e que mereciam muito reconhecimento, logo vou citar algumas: Escarnium; Sangue de Bode; Papangu, que também tá pra fazer show pela Europa; Piah Mater que tem muito a ver com o que fazemos, Ballburya e Demasia que são bandas parceiras; Labatut, e a própria Spynauts que graças a eles, temos um baixista (risos). É muito legal ter essas bandas que são parceiras e muito boas de trabalhar, posso citar várias delas, mas tem muitas por aqui que vale a pena ficar de olho, até como o Manger Cadavre?, só tem coisa absurda saindo! Quem gosta de música, tem de entender que ela vai muito além do hype, ficam presas em gente que já é grande. É algo totalmente atemporal, um registro de uma época, e um recado que sempre deixo, até do meu lado como fã, é de explorar música nova, justamente por conhecer algo novo que nunca imaginou gostar. Vejo muita gente tendo preconceito com certos estilos e bandas, mas quando você passa por isso, transcende esses preconceitos e acaba obtendo acesso à tudo de bom, só lhe trás felicidade. Para quem espera algo da Pravus: A gente nunca parou. Estávamos um tanto sumidos, porém, estávamos trabalhando muito, mas foi um período que veio como muito aprendizado nesse último ano, e nossa expectativa é seguir melhorando e daqui para frente, não vamos parar de compor e produzir. Esse álbum foi uma etapa muito importante para a história da banda e foi apenas o começo. Então, é o que quero dizer.
Guilherme: Eu queria fazer menções à bandas que acho que estão fazendo um som novo, algo que valorizo muito, independente de ser metal. É um gênero que tem de aprender muito com outros, abrir a cabeça para sair da mesmice, e acho que o Papangu é um grande expoente dessa inventividade. Queria poder também dar um “salve” aos nossos amigos da Ballburya, respeito muito o que eles fazem criativamente. Se preocupam em criar e botar algo na mesa que não foi feito antes e procuram por alguma originalidade do que copiar uma banda gringa. E queria fazer uma menção a Venere Vai Venus que tem mostrado uma ascendência meteórica, recentemente ganharam até no concurso do João Rock. Sou amigo do Ávila (guitarrista) e compartilhamos muito dessa ideia de termos uma banda e fazer conteúdo autoral no Brasil. Para quem estiver lendo essa entrevista, considere dar uma ouvida nessas bandas. E para o nosso público? Esperem o inesperado e não se apegue a nada. Ouçam de mente aberta, e não terá nada de raso nesse álbum. Mergulhe naquilo que a gente vai lançar.
Ouça abaixo o novo single da banda e acompanhe o trabalho nas redes sociais e streaming!
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