Cientistas usam células do cérebro de compositor de vanguarda morto para criar nova música

Marcelo Scherer
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Foto: Alvin Lucier. Crédito: Divulgação.

O compositor experimental norte-americano Alvin Lucier, falecido em 2021, permanece no centro de uma criação musical singular. Uma equipe de cientistas e artistas cultivou um “mini-cérebro” a partir de células do próprio Lucier, que agora emite sinais elétricos usados na produção de novos sons. A proposta faz parte da exposição “Revivification”, em cartaz na Art Gallery of Western Australia, em Perth, até 3 de agosto.

Lucier, nascido em 1931, ficou conhecido por investigar os limites da percepção sonora e o uso do corpo humano na criação musical. Entre suas obras mais lembradas estão “Music for Solo Performer”, de 1965, que utilizava ondas cerebrais para ativar instrumentos de percussão, e “I Am Sitting in a Room”, de 1971, que explorava a ressonância acústica de um ambiente a partir da regravação sucessiva de uma voz.

Em 2018, Lucier iniciou uma colaboração com o coletivo artístico por trás do projeto “Revivification”. Dois anos depois, já diagnosticado com Parkinson, ele autorizou a doação de células sanguíneas. Pesquisadores da Universidade de Harvard reprogramaram esse material em células-tronco, que passaram a se desenvolver como organoides cerebrais — estruturas tridimensionais que imitam aspectos básicos do funcionamento do cérebro humano.

O organoide desenvolvido a partir das células do compositor foi integrado a uma instalação composta por 20 placas de latão. Ao emitir impulsos elétricos, o “mini-cérebro” provoca vibrações nas placas, gerando sons descritos pela galeria como “ressonâncias complexas e sustentadas que preenchem o espaço”.

I am sitting in a room é uma peça de arte sonora do compositor e artista sonoro americano Alvin Lucier composta em 1969.

O artista e pesquisador Guy Ben-Ary, integrante do projeto, declarou ao jornal The Guardian que há uma expectativa sobre como o organoide pode evoluir. “Estamos muito interessados em saber se ele vai mudar ou aprender com o tempo”, afirmou.

Amanda Lucier, filha do compositor, relatou ter achado a proposta apropriada à trajetória do pai. “Ela riu quando contei. Disse que isso é a cara dele. Pouco antes de morrer, ele deu um jeito de continuar tocando para sempre. Ele simplesmente não consegue parar.”

Além do aspecto técnico e artístico, a iniciativa também propõe reflexões sobre os limites éticos da criatividade. “Enquanto trabalhadores da cultura, nos interessam essas grandes questões. Mas o trabalho não pretende oferecer respostas. Queremos provocar conversas”, disse o artista Nathan Thompson, também envolvido no projeto. Ele acrescentou: “A criatividade pode existir fora do corpo humano? E seria ético permitir que isso aconteça?”

A exposição na Art Gallery of Western Australia está aberta ao público com entrada gratuita até o início de agosto.

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