O podcast semanal Redação DISCONECTA, que chega à sua edição de número 83, celebrou recentemente os 35 anos de um álbum crucial para a história do rock alternativo britânico: Nowhere, da banda RIDE. Para debater este marco, os anfitriões Marcelo Scherer e Luis Fernando Brod receberam o especialista Ricardo Schott, do Pop Fantasmas, em uma conversa aprofundada que explorou a rica, porém subestimada, cena do shoegaze.
O álbum é frequentemente alinhado com Loveless (My Bloody Valentine) e Souvlaki (Slowdive) na chamada Santíssima Trindade do Shoegaze. No entanto, o RIDE é visto como uma banda que, apesar da qualidade, foi “afogada” pelo sucesso do grunge e do britpop dos anos 90. Schott observou que a banda tem mais tempo de existência em seu período de retorno (desde 2017) do que em sua fase original noventista.
A origem duvidosa e as raízes sessentistas
Durante a discussão, foi notado que Nowhere é considerado um dos discos mais importantes do shoegaze, embora de “origem duvidosa” dentro do estilo. Enquanto o álbum de My Bloody Valentine (Loveless) é conhecido pelas inúmeras camadas e intensa estrutura de estúdio, o RIDE transita em uma área diferente. Ele mistura referências do jangle pop e do noise pop, que eram denominações de “tiro curto” da época.
Percebe-se que o álbum se inspira fortemente nos anos 60. A faixa de abertura, “Seagull”, foi citada como um exemplo claro, apresentando uma levada que remete a canções dos Beatles como “Taxman” e “Tomorrow Never Knows,” inclusive terminando com uma parte que evoca música indiana acelerada.
Os apresentadores destacaram que, para quem ouve shoegaze hoje, o som do RIDE pode soar estranho, pois carece daquela “nuvem de guitarra” massiva, mas possui os rudimentos do estilo, como o vocal adocicado e não tão gritado. As melodias vocais, com a dupla trocando versos, reforçam essa pegada sessentista.
A criação e a pressão adolescente
O álbum foi lançado pela lendária Creation Records, a mesma gravadora que abrigou The Jesus and Mary Chain e Primal Scream, e que, em seguida, lançaria o Oasis. O dono da Creation, Alan McGee, foi descrito como um empresário radical movido pelo “amor à música” e pela descoberta de novos sons, operando um selo independente em seus primórdios, mesmo que isso fosse “meio suicida” do ponto de vista comercial.
Um ponto crucial da discussão foi a pouca idade dos integrantes do RIDE na época. Os músicos tinham por volta dos 20 anos (pós-adolescentes) quando gravaram o álbum. Andy Bell, guitarrista e vocalista, era fã de The Smiths (Johnny Marr) e The Stone Roses, que eram considerados “os Beatles” de sua geração.
Apesar da excelência do disco, o sucesso veio acompanhado de grande pressão. A Rolling Stone chamou Nowhere de “obra-prima”, e o The Guardian apelidou o RIDE de “salvadores adolescentes do rock and roll”. Os debatedores consideraram que essa cobrança de ter que fazer sucesso tão jovens, sem a maturidade de artistas que estouraram mais tarde (como o Oasis, na casa dos 30 anos), pode ter tornado a sequência da carreira complexa.
Os hits e a cultura britânica do álbum
Na análise das faixas, “Seagull” foi reconhecida como uma faixa de abertura poderosa e “Vapour Trail” como uma referência fundamental, citada até por Chorão (Charlie Brown Jr.). Luis Fernando Brod notou que “Vapour Trail” ser a última faixa do disco é um método inglês de fazer música, meio anti-americano, priorizando a experiência completa do álbum, obrigando o ouvinte a percorrê-lo até o fim.
Já a faixa “Paralyzed” foi destacada por sua tristeza, com letras que se assemelham a um “pedido de socorro”, refletindo o isolamento da banda durante as sessões noturnas de gravação.
Também foi apontado que a Creation e o RIDE tinham conexões com outras bandas influentes da época, como o The Sundays (Dream Pop britânico) e, na visão de Schott, influências de The Jesus and Mary Chain e Echo & The Bunnymen.
O rock nacional e o legado
Os debatedores lamentaram que a sonoridade do RIDE não tenha encontrado um canal forte no mainstream brasileiro dos anos 90. Na época, o mercado nacional acabou sendo mais monitorado pelas tendências americanas, como o grunge.
Marcelo Scherer e Ricardo Schott imaginaram que se bandas brasileiras como o Titãs tivessem se inspirado no RIDE, em vez de seguir o caminho do grunge, o rock nacional poderia ter tido uma sonoridade e um caminho muito diferente. Contudo, na virada dos anos 90 para 2000, algumas bandas como o Skank e o Pato Fu, ao introduzir melodias mais tranquilas e acústicas, acabaram se conectando sutilmente com essa “descoberta da melodia” do rock britânico.
Ainda assim, o episódio reforçou a riqueza daquele período criativo, onde o RIDE, em meio a uma efervescência de sons (noise pop, dream pop, pós-punk), consolidou um trabalho atemporal que continua a influenciar novos músicos.




