Nos últimos 16 anos, o cenário da música e da mídia digital mudou drasticamente. No meio dessa tempestade de transformações, um nome se mantém firme, adaptando-se e crescendo: o Tenho Mais Discos Que Amigos! (TMDQA!). Tivemos a oportunidade de conversar com Tony Aiex, fundador do portal, que nos abriu o jogo sobre a jornada, os desafios e o futuro do jornalismo musical independente.
Nascido da insatisfação e de uma lacuna no mercado
O TMDQA! não surgiu de um plano de negócios pré-definido, mas de uma combinação de necessidade pessoal e uma percepção aguçada do mercado em 2009. Tony Aiex, então com 24 anos e formado em Tecnologia da Informação, vivia uma rotina exaustiva em um provedor de internet. Ele não se via naquela profissão e, para complicar, sentia os impactos na sua saúde mental.
“Eu estava passando por uma fase difícil… e eu rapidamente assim primeiro eu comecei a ter questões mesmo de saúde saúde mental e segundo eu comecei a pensar que cara eu não quero isso o resto da minha vida”.
Apaixonado por música desde criança – “Eu comprava CD devorava o encarte, eu era o único os molequindo lá metal punk etc… e eu sabia quem que era o produtor do disco quem tinha escrito a letra quem né” –, Tony não tinha com quem compartilhar essa paixão. Foi então que, quase como um desabafo, começou um blog, inicialmente em inglês, “I have more records than friends”, dentro de um portal de punk rock. O sucesso foi instantâneo e surpreendente: “Pô Ton tua coluna aí em um mês teve mais acesso que o site inteiro”. Esse feedback foi o empurrão para a criação do TMDQA! em português.
A outra razão era uma clara lacuna no mercado. Em 2009, a mídia musical era polarizada: ou grandes portais focados em artistas mainstream ou sites extremamente nichados (punk, hip hop, metal). Tony queria algo diferente: um espaço que falasse de todos os gêneros e, principalmente, desse voz a artistas “midstream” – aqueles que, sem serem gigantes, já atraíam um público significativo para seus shows. Além disso, ele percebia o ressurgimento do vinil e queria mostrar ao mundo a boa música que estava sendo lançada nesse formato.
A luta pela sobrevivência e a montanha-russa digital
A sustentabilidade financeira sempre foi uma prioridade para Tony, que vê o TMDQA! como sua principal atividade e fonte de renda, dedicando 24 horas por dia ao projeto. Ele ressalta a importância de valorizar o próprio trabalho desde o início, recusando propostas de permuta de grandes marcas. Essa postura, inclusive, foi crucial para fechar campanhas longas e bem-sucedidas: “Eu sempre desde quando eu era ninguém assim muito muito pequeno eu falava: ‘Não cara você é uma marca global tá aqui o meu valor’… a maioria das coisas que eu fechei foi a partir de um não assim”.
O maior desafio, segundo Tony, tem sido a constante e imprevisível evolução das plataformas digitais:
- Tempos Mais Simples (2012-2014): Bastava escrever uma matéria e jogá-la no Facebook para que o alcance fosse enorme.
- A Era da Pandemia: O TMDQA! viveu seu auge, alcançando 7 milhões de acessos mensais, impulsionado pelas agendas de lives semanais, que eram muito bem indexadas pelo Google.
- O Cenário Atual: Multiplataforma e Multitarefas: Hoje, o trabalho é exaustivo. É preciso produzir conteúdo em diversos formatos (vídeos horizontais, verticais, curtos, longos) para múltiplas plataformas (Facebook, Instagram, TikTok, Twitter, YouTube, Shorts, newsletters, canais). A percepção de que produzir conteúdo digital é fácil é um grande problema, pois o público não vê os custos de estúdio, produção e equipe por trás.
Um dos golpes mais duros veio com as mudanças do Google e a intensificação do uso de IA. Antes, o Google era o principal motor de tráfego para sites independentes. Agora, com a IA respondendo diretamente a perguntas e o Google Discover mudando seu funcionamento, o tráfego despencou. Tony cita o exemplo do Huffington Post, que teve uma queda de 60% na audiência. Há discussões, inclusive, sobre processos legais contra o Google, acusando a IA de usar conteúdo de sites sem dar o devido crédito. Tony descreve o momento como “tenebroso”.
Apesar de ter uma equipe, principalmente de editores, 70% das decisões ainda passam por ele. Tentativas de delegar mais em 2024 resultaram em “falhas catastróficas” internas.
Outro ponto crucial é o mercado publicitário, que sempre foi o “grande bolo” para a mídia, e não as assinaturas. Com a chegada de plataformas que pagam “centavos ou uma fração de centavos pela impressão do anúncio”, esse mercado mudou drasticamente. Tony explica que, embora existam verbas e iniciativas de incentivo, o ambiente publicitário é “muito maluco”, com muita gente disputando, e muitas vezes o relacionamento pesa mais que o mérito.
A “preguiça” de consumir música nova e o papel da curadoria
A constante queixa de que “não existe música legal” ou “não se faz mais música como antigamente” é um ponto que Tony atribui à “preguiça” das pessoas. Segundo ele, as pessoas sempre tenderam a consumir o que já conhecem e as conforta, especialmente em períodos difíceis como a pandemia, que impulsionou o consumo de catálogos antigos.
Além disso, o consumo de música mudou. Antes, a MTV e o rádio apresentavam novidades de forma passiva. Hoje, plataformas como Spotify exigem uma “levemente mais ativo” do usuário, o que geralmente o leva a buscar o que já gosta. Fatores geracionais também influenciam, com a atual geração, segundo estudos, tendendo a ser mais conservadora e ficar mais em casa, o que pode reduzir a exposição e a busca por novas experiências musicais.
Apesar disso, Tony ressalta que muitos artistas estão “furando bolha” e “fazendo barulho”, como Turnstile, Dlt, FBC e as Bandas de Casinha.
Diante da avalanche de informações e do conteúdo gerado por IA, Tony Aiex defende a importância fundamental da curadoria e do jornalismo editorial independente. Ele acredita que veículos com “liberdade editorial para falar sobre o novo sobre o transgressor ou sobre o que é e normal mesmo mas que faz um trabalho acima da média” são mais relevantes do que nunca.
Tony expressa otimismo, apostando em um “rebote”: “Eu não acredito que as pessoas vão ficar satisfeitas com a IA… talvez eu não queira essa praticidade na hora de consumir música de consumir filme de consumir série então eu acho que vai ter aí um rebote da galera procurando canais confiáveis para consumir cultura”. Ele deseja que as pessoas valorizem mais “quem é produtor de conteúdo para quem rala pesquisando para depois vir te falar a respeito do assunto quem bota a cara num estúdio”.
A filosofia do TMDQA! desde o início foi a de uma “mix tape”: apresentar um leque de músicas e deixar o público decidir o que gosta, sem ser um crítico que dita o sucesso ou fracasso de uma banda. Tony sempre priorizou a marca do TMDQA! em detrimento de sua figura pessoal.
Momentos marcantes e o futuro
Ao longo dos 16 anos, alguns momentos se destacam:
- Primeira entrevista internacional com Serj Tankian (System Of A Down) em 2011, que o conectou com sua juventude.
- Entrevista com Caetano Veloso via Zoom, no dia da morte de Letieris Leite. Apesar do luto do cantor, a conversa fluiu por mais de uma hora, e Caetano agradeceu por Tony tê-lo “feito entrar no teu ritmo”.
- Em 2025, o TMDQA! foi parceiro de mídia oficial do show de 40 anos do Paralamas do Sucesso no Allianz Parque, um momento de reconhecimento que “serviu para acordar assim do tipo cara olha que legal olha que legal que é o seu trabalho”.
Para o futuro, Tony Aiex revela um projeto ambicioso que está em desenvolvimento: um prêmio que elegerá os melhores da música nacional e internacional em diversas categorias, com parceiros e um comitê de votação.
O TMDQA! segue firme em sua missão de oferecer conteúdo musical de qualidade, adaptando-se às constantes mudanças do ambiente digital, valorizando seu trabalho e defendendo a importância da curadoria e do jornalismo musical independente. As plataformas mais ativas atualmente são o site e o Instagram, que servem como ponto de partida para explorar todo o universo que eles construíram.
Para mergulhar nesse universo musical e acompanhar as novidades, acesse www.tenhomaisdiscosqueamigos.com e siga @tmdqa nas redes!