No mais recente episódio do podcast “Redação Disconecta”, veiculado às terças-feiras no Spotify e no YouTube, Luis Fernando Brod, Virgílio Migliavacca e Marcelo Scherer dedicaram a conversa a celebrar os 30 anos do aclamado álbum “Grand Prix” da banda escocesa Teenage Fanclub. O episódio, que surgiu após uma discussão na semana anterior sobre outra banda britânica, o Supergrass, mergulhou fundo nas peculiaridades e no impacto duradouro deste disco no universo do rock.
A descoberta pessoal e a conexão com o álbum
Luis Fernando Brod confessou que levou tempo para se conectar com “Grand Prix”, semelhante à sua experiência com o disco do Supergrass. Sua primeira audição ocorreu por volta de 2010 ou 2011. No entanto, a faixa número 10 foi um divisor de águas, causando um impacto imediato e duradouro que o fez abraçar o álbum por completo. Para ele, “Grand Prix” é um disco muito bom, especialmente para quem aprecia o rock britânico, e ele o prefere ao álbum anterior da banda. Schere, por outro lado, conheceu o Teenage Fanclub nos anos 90, através de amigos skatistas que ouviam rock alternativo, incluindo bandas como Dinosaur Jr.. Mesmo não sendo uma banda “noise”, o Teenage Fanclub se destacava por transitar entre o Jangle Pop e o Power Pop com uma autenticidade única dentro do Indie Rock britânico. Ele teve acesso ao álbum gravado em fita cassete a partir de um CD de um amigo por volta de 1996 ou 1997 e se tornou obcecado.
Virgílio Magliavacca teve uma descoberta mais tardia do Teenage Fanclub, diferente do Supergrass, que ele conheceu na época do lançamento. Sua primeira experiência com a banda foi através do álbum “Bandwagonesque”, de 1991, adquirido em CD por volta de 2015. Após gostar muito, buscou “Grand Prix”, também em CD. Ele observa que a primeira fase da banda, anterior a “Grand Prix”, tinha um som mais associado a Dinosaur Jr. e Neil Young, caracterizado por guitarras distorcidas e feedback.
A mistura de estilos e as influências notáveis
A capacidade da banda em misturar estilos foi um ponto bastante destacado. Eles combinam o brilho e a levada do Jangle Pop com os power chords do Power Pop. Há uma forte influência de Neil Young, particularmente notada na faixa “Don’t Look Back”. A banda até inclui uma homenagem nominal no álbum com a faixa “Neil Jung”. A conversa ressaltou o quão interessante é essa ligação, com um artista canadense influenciando tanto o rock britânico.
Outras influências proeminentes incluem Big Star, considerados uma influência direta do Power Pop, e The Byrds, com suas guitarras “agudas” e “cintilantes” que remetem diretamente ao Jangle Pop. Luis Fernando Brod fez uma observação divertida sobre a recorrência da letra “B” nas influências: Beatles, Byrds, Big Star, e até Beach Boys. A influência dos Beach Boys é particularmente perceptível nas harmonias vocais do Teenage Fanclub.
Estrutura de composição única e a posição “Lado B”
Uma característica distintiva da banda é a presença de três compositores principais: Norman Blake, Raymond McGinley e Gerard Love. Todos os três também cantavam, e geralmente quem compunha a música era quem a interpretava. Gerard Love, que deixou a banda há alguns anos, era quem usualmente colocava a voz nas músicas que escrevia. Isso foi descrito na conversa como “quase que uma banda dentro da banda”. Diferente dos Beatles, onde as assinaturas eram conjuntas, no Teenage Fanclub é possível saber exatamente quem compôs cada música. Em “Grand Prix”, a composição é bem dividida, com cerca de três ou quatro músicas para cada um.
Apesar de possuírem uma sonoridade muito atrativa para as rádios, o Teenage Fanclub não alcançou o sucesso massivo mundial, permanecendo fora do circuito das bandas super famosas. Embora sejam de Belshill, Escócia, consolidaram-se em Glasgow. A conversa sugeriu que essa posição “lado B” ou “under” pode ter sido, em parte, uma decisão deliberada da própria banda, sendo “low profile”. “Grand Prix” é considerado um álbum definidor do Power Pop, mas mesmo assim, o gênero em geral, apesar de radiofônico, não gerou bandas com fama global comparável a outros estilos da época. Para os participantes do podcast, a “graça do negócio” do Teenage Fanclub reside justamente nessa sua posição de banda “lado B”.
A experiência imersiva de ouvir “Grand Prix”
O álbum foi descrito como “gostoso de ouvir”, com uma concepção sonora que parece ter sido muito bem pensada. É um disco de rock and roll com canções pop e radiofônicas. O poder da música pop de mudar o dia, evocar memórias e nostalgia foi destacado. O disco transmite uma sensação “serena”, “bonita”, com as faixas bem construídas e em sequência, parecendo ter sido cuidadosamente planejadas. A construção das faixas, uma na sequência da outra, foi considerada muito bem pensada pela banda.
Legado e influência em bandas posteriores
Mesmo mantendo-se em um circuito menor, o Teenage Fanclub inspirou muitas bandas e artistas anos depois. Kurt Cobain era um grande fã, com admiração especial por este disco. A influência é notada em Dave Grohl e no Foo Fighters, especialmente em momentos mais Power Pop de seus álbuns, como o terceiro. A música “Sparky’s Dream” do “Grand Prix” foi comparada à sonoridade de músicas do álbum de estreia do Foo Fighters, como “This Is a Call” ou “Big Me”, destacando a guitarra jangle. Ambas as músicas, inclusive, são do mesmo ano.
A finada revista Zero também é mencionada, citando “Grand Prix” em sua lista de “100 Discos Que Você Precisa Ter Para Não Passar Vergonha”. A revista listava Big Star e The Byrds como “discos irmãos” e o álbum “Free All Angels” (2001) da banda Ash como “disco filho”, sugerindo que a música “Sparky’s Dream” do Teenage Fanclub “pariu” o som do Ash. Ash e Teenage Fanclub são citados como bandas britânicas que continuam ativas em um circuito menos midiático.
No cenário brasileiro, a conversa também identificou influências. A banda gaúcha Superguidis, conhecida por trabalhar com sons dos anos 90, possui uma música chamada “Fun Clube Adolescente”, uma homenagem direta. Embora os Superguidis sejam mais “noise”, eles claramente beberam dessa fonte. A banda Cachorro Grande também é mencionada, com a música “Go Places” do Teenage Fanclub sendo comparada a uma de suas composições no refrão.
A trajetória pós “Grand Prix” e shows no Brasil
Após uma fase inicial mais “noise”, a banda “arredondou” seu som a partir de “Grand Prix”. Os álbuns lançados depois deste mantêm uma linha consistente e de alta qualidade, sem “disco ruim”, demonstrando uma notável “regularidade”. Eles “limparam” o som das guitarras e encontraram uma sonoridade que mantiveram. A banda continua ativa, lançando discos regularmente (o mais recente, “Nothing Less Forever”, saiu em 2023) e prioriza o material mais novo em seus setlists atuais. Observou-se que, enquanto algumas bandas mais antigas como Yo La Tengo ou Guided By Voices tendem a experimentar mais, o Teenage Fanclub encontrou seu caminho e nele permaneceu, oferecendo uma experiência musical consistente e confiável para os fãs.
A vinda recente do Supergrass e a futura vinda do Teenage Fanclub ao Brasil em setembro de 2024 foram comentadas. Enquanto o Supergrass pretende tocar seu álbum de 30 anos na íntegra, o Teenage Fanclub não tem focado “Grand Prix” em seus setlists recentes, tocando apenas uma ou outra música do disco por show. A saída de Gerard Love foi sugerida como um possível motivo para a ausência de suas composições. A banda é descrita como “low profile”, o que, na visão dos debatedores, pode explicar a falta de sucesso global massivo e uma possível aversão a turnês extensas. A personalidade dos integrantes, comparada à de um Kurt Cobain que, mesmo sem querer, virou rockstar, é vista como mais reservada. Eles são encarados como uma “banda de lado B”, que prefere tocar para públicos menores, em locais como o Cine Joia em São Paulo (com capacidade para cerca de 1000 pessoas), em vez de grandes arenas, similar aos Ramones nos EUA.
Destaques do álbum e a sonoridade característica
Além das influências gerais, algumas faixas específicas foram mencionadas como destaques. Para Virgílio, “New Jung” é a favorita, aquela que “bate no coraçãozinho”. A faixa seguinte, “Tears”, foi notada por sua sonoridade diferente, incorporando piano e metais, remetendo diretamente aos Beatles. Luis Fernando Brod apontou “Go Places” como sua preferida, descrevendo-a como “muito Britpop”. Já “I’ll Make It Clear” foi comparada a uma música de George Harrison em sua fase solo ou com os Traveling Wilburys. “Sparks Dream” teve seu som comparado ao de Tom Petty com os Heartbreakers, destacando a sonoridade da guitarra, possivelmente uma Rickenbacker, que remete aos Byrds e ao próprio Tom Petty, conferindo um timbre “gostoso”, “nostálgico” e “cintilante”.
O álbum como um todo é considerado “muito bem construído” e “redondinho”, sem músicas ruins. O início, com as três primeiras faixas, foi especialmente elogiado. As harmonias vocais, comparadas aos Beach Boys, e a influência dos Byrds no uso de vocais em camadas também foram mencionadas. “Grand Prix” é visto como um álbum versátil, que acompanha o ouvinte em diversas atividades. É um álbum “alegre”, “leve”, que tem o poder de mudar o humor e fazer o ouvinte querer cantar junto.
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