1995,
Fernando Henrique Cardoso assumia a presidência do Brasil no início daquele ano, tendo como desafio a consolidação do plano real e a continuidade de reformas econômicas; A Microsoft lançava no mercado Windows 95, o Internet Explorer dava as caras, assim como a internet em si dava as caras de forma mais acessível no Brasil, Malhação estreava na TV, assim como o formato DVD era apresentado, pela primeira vez ao público, apenas para ser lançado no ano seguinte, em 1996 nas lojas. A Geração X dava seus finais suspiros de adolescência enquanto a Geração Y começaria a se entender no mundo nessa mesma faixa etária por aquela época.
Entretanto, ainda existia melancolia: o mundo musical ainda lamentava as mortes de Airton Senna e Kurt Cobain, mesmo depois de um ano, o movimento grunge havia perdido sua alta posição nos holofotes, o Alice In Chains iria, com muita dificuldade, tentar sua permanência no mercado musical como banda ativa, sem sucesso. Porém, algo de extremamente positivo surgiu no meio dessa ponte na metade da década de noventa, a própria melancolia em forma expressivamente artística que iria definir o futuro do Rock Alternativo de uma vez por todas.

Em 1994 o The Smashing Pumpkins já tinha um território marcado definitivo no cenário musical, o álbum Siamese Dream, lançado no ano anterior, havia pego a indústria musical de surpresa quando essa tentava lidar com o vácuo que o Nirvana deixava antes do seu fim ao apostarem em uma sonoridade mais anti-comercial com o trabalho In Utero (1993), em resposta ao descontentamento do pandemônio causado pelo Nevermind (1991), fazendo os olhos voltarem para outros nomes alternativos como resposta a esse elefante branco na sala, como no caso, o quarteto de Chicago, Illinois.
A banda desfrutava de um sucesso espontâneo digno de um paraíso: posição 10 na Billboard 200; clipes com alta rotatividade na MTV; a coletânea de B-Sides, Pisces Iscariot e um VHS intitulado de Vieuphoria que iria saciar um público cada vez mais interessado por esse novo fenômeno, porém, nem tudo abundância num campo lotado de aboboras. Embora o estouro, a cena alternativa começou a torcer o nariz. Digamos que as intenções de Billy Corgan e o mundo indie eram bem diferentes quando se tratava de sucesso.
Não há toa, sua aura de tirano que a imprensa iria perpetuar não era a toa. Por muitas vezes, o frontmant criaria um ar de animosidade e ressentimento no estúdio, especialmente por ter regravado as linhas de guitarra e baixo de James Iha e D’Arcy Wretzky, lhes tirando parte do crédito e protagonismo que tiveram durante todo processo de gravação. Não é o primeiro exemplo de mente megalomaníaca que precisa mirar alto para obter grandes resultados, especialmente na criação de um clássico como Mellon Collie and the Infinite Sadness.

BULLET WITH BUTTERFLY WINGS: Após um trabalho excelente de Butch Vig em Siamese, quando se tratava da expectativa que os Pumpkins desejavam para o novo álbum, era necessária uma abordagem diferente que apenas Flood, também conhecido como Mark Ellis, e seu colaborador de longa data, Alan Moulder, poderiam entregar para a Rock Opera dos anos noventa que, aquela altura, já possuía mais de 50 músicas trabalhadas por Corgan. O grupo tinha admirado o trabalho feito feito por Flood com bandas como U2, Nine Inch Nails e Depeche Mode.
De acordo com o próprio frontman “Ele articula de volta para o compositor lírico o que ele está fazendo, muitas vezes, vendo mais potencial no seu trabalho do que você mesmo”, para as notas do encarte da edição remasterizada e remixada de 2012. Convenhamos que, no caso dos Pumpkins, já se tratavam de veteranos que chegaram no estúdio sabendo exatamente o que queriam. Ter alguém que apoie dessas decisões e as elucide a um patamar que faça jus ao seu potencial é algo primordial na carreira de um artista que sabe ser um verdadeiro visionário, como no caso de Corgan.
Mellon Collie’ é um álbum que, a primeira vista salta os olhos, tanto pela quantidade de músicas, como também pelo formato escolhido, um álbum duplo em sua totalidade. Digamos que num volume total de 56 músicas, apenas 28 foram parar lá, ambição é de fato algo positivo. A ideia era desse álbum ser, desde sua concepção, um duplo. Entretanto, digamos que não era algo que agradava tanto a Virgin, afinal de contas, a gravadora temia desinteresse em parte do público, justamente em uma na qual singles eram uma prioridade máxima no mercado Americano.
A estratégia feita pela Geffen de lançar os Use Your Illusion dos Guns N’ Roses em dois volumes em épocas diferentes veio a calhar em termos de vendas, e aparentemente, a Virgin insistiu nesse modelo, uma vez que Corgan não ia ceder a ideia de um álbum duplo de jeito nenhum. É claro que, ao botar de forma insistente os pés no chão, acabaram cedendo. Bem, digamos que o Metallica não teve a mesma sorte na concepção de seu esquisito álbum (principalmente até hoje) Load, acabando com a experiência que a visão dos ex-Thrashers queriam mostrar ao seu novo público e remanescentes.
O conceito geral desse petardo é sobre vulnerabilidade que se tem na juventude, um momento cheio de dúvidas onde a falta de experiência diante o imprevisível é sempre catártica à um nível dolorosamente extremo. Somado da contemplação que se obtém da passagem do tempo, de que mesmo apesar de um caos constante, ainda assim, você é você nesse mundo caótico e cinza, com toques coloridos que muitas vezes chegam a beirar o desconforto, não se sabe se são genuínos ou apenas um produto de uma ilusão.
Billy vai explorar todas as sensações obtidas durante sua trajetória, sendo ainda um jovem adulto de 28 anos que estava próximo de completar o ciclo dos 30 anos de idade. Desde um lar abusivo, onde seria constantemente desmotivado a ser um artista e ter de seguir as altas expectativas de adultos quebrados, até a pressão que veio desde o lançamento do primeiro álbum, Gish, onde sua arte era obscurecida com comparações injustas em relação ao Nirvana que dominava as paradas na época e qualquer sonoridade alternativa como um todo dificilmente não caia no rótulo de grunge pela mídia e o audiência.
A verdade é que durante as gravações de Siamese Dream, o vocalista e guitarrista, iria contemplar a ideia de suicídio, seu senso de humor irônico, muitas vezes, seria visto como forma de agressividade, assim como ele também ganharia destaque de figura chata, sendo que apenas se tratava de um sujeito introvertido que teve os holofotes apontados para ele diante as expectativas de um público e uma indústria que desesperadamente buscavam um novo grupo para suprir o espaço deixado por outro.
“Time is never time at all. You can never ever leave, without leaving a piece of youth. And our lives are forever changed, we will never be the same. The more you change the less you feel”
A segunda faixa, Tonight, Tonight, abre em um crescendo após a instrumental faixa título que serve de introdução a melancolia do épico, acompanhada de uma orquestra. Para o videoclipe, a ideia era de criar uma estética parecida com a do diretor e coreógrafo Busby Berkeley, que já havia dirigido, em sua carreira, diversos números de dança e filmes musicais no início do século passado, salvando até mesmo a Warner Bros Pictures da falência durante a grande depressão, tendo como outra inspiração, também, o clássico de Georges Méliès, Viagem à Lua, de 1902.
“That life can change, that you’re not stuck in vain. We’re not the same, we’re different… Tonight, Tonight, Tonight, so bright”
A beleza no lírico está na forma como representa de forma bem fiel a ideia conceito por trás da obra completa. É uma faixa que representa o vislumbre do crescimento diante a desilusão, de que não se está preso em vão aos conceitos alheios, pertencentes figuras insinceras, sobre ti. Essas mesmas que devem ser crucificadas, para que tão impossível se torne possível. Em uma fase na qual as relações, tanto escolares, acadêmicas, profissionais e até mesmo em cenários alternativos soam plásticas devido o próprio receio dessas de não terem um nome e genuinamente se arriscarem, a baixa auto estima e a pressão do outro lado para que você tenha da mesma mentalidade tomam conta, porém, a introspecção e o auto conhecimento diante a experiência colocam todos esses seres inúteis em seus devidos lugares.
A raiva vai tomando forma em faixas como Zero, que é uma alusão não apenas a forma como a religião induz a um ciclo vicioso de culpa e amor pela auto destruição, mas também como ela se destaca em outros simbolismos da sociedade, como a indignação a reverência a cultos de personalidade e como nossa imagem se molda através desses conceitos vagos e vazios; Bullet With Butterfly Wings possuí uma aura explosiva que vai se armando até a implosão causada pelo refrão na celebre “Despite all my rage, I am still just a rat in the cage”, demonstrando em sua ideia, a sensação de raiva e a explosão de ódio à um sistema que prende e sufoca em uma dualidade sem saída. O que parece não prender soa prender, e o que parece prender continua prendendo, é um inferno astral. Demonstra e muito do senso de futilidade que o vocalista teve diante sua situação como introvertido em um mundo de máscaras.
Jimmy Chamberlin vai espancar sem dó a bateria em Jellybelly, talvez como terceira faixa, será a primeira que mostra a energia pesada da banda novamente, e nesse disco, as faixas com esse mesmo teor serão essenciais para demonstrar a ideia de descontentamento com o mundo interior, especialmente quando essa se trata da sensação de estar perdido em lugar nenhum onde pode ser você mesmo. Em entrevista ao músico, produtor e youtuber Rick Beato, o baterista dá a visão em relação a essa terceira música como “Um carro deslizando no gelo em uma rodovia sem controle”, afinal, é uma faixa continua em que nem mesmo um leve momento cadenciado dá espaço para respirar, é intensa e uma das melhores dessa mesma natureza do disco.
Momentos mais leves de auto-reflexão, assim como a abertura do álbum vão voltar como parte do cardápio, especialmente em uma faixa como Muzzle, como na própria tradução “Coleira”, onde eu-lírico se entende como uma pessoa normal como todas, vive lutos, tristezas, um mundo horrível que depende, também da sua própria existência para estar aqui, mas também se vive a bela intensidade que é o amor e os belos pequenos momentos que ficam na memoria, e apenas desta experiência se pode trazer. Se arrisca e se vive, você se torna diferente do que já foi; In The Arms Of Sleep, no segundo disco, irá trazer a concepção da dificuldade de lidar com a ausência de uma pessoa amada, e a interpretação pode ser múltipla, tanto dessa pessoa ainda estar ou não em suas vidas.
A ideia de não pertencimento se espalha e concatena de faixa em faixa, sem uma ordem específica até o segundo disco. Essas como Here’s No Why e Stumbleine que irão trazer a o dilema e a tristeza de ser rejeitado em uma sociedade, de não pertencer e não conseguir cumprir com as exigências e padrões sociais, especialmente de não se verem dentro desses ambientes que mais parecem sufocar do que lhes dar lugar, a manipulação é constante e o afastamento, recíproco. Em To Forgive, o auto perdão é impossível, você faz parte de um ciclo e se vê preso nele, até mesmo esse mesmo auto perdão é duvidoso, se pararmos um momento para entender, ele tem camadas alheias ou uma visão genuinamente nossa de entender que não temos culpa da responsabilidade e acusações nos jogada de forma intensa?
É um disco que apresenta uma mistura caótica de sentimentos, embora, como dito anteriormente, não haver uma tracklist específica que o padrão de uma obra conceito, vide que temos em sequência, no primeiro disco, uma com o nome de Fuck You (An Ode To No One) e em sequência outra chamada Love, mudanças de humor cíclicas que expõe a genialidade por trás dessa: a inconstância que a torna única. No lançamento em CD, o conjunto de faixas acaba sendo dividido em dois atos: Dawn To Dusk e Twilight To Starlight. O primeiro disco transborda intensidade e confusão, o segundo, uma estabilidade com toques de raiva, mas dando uma pressurização nessa. Coincidentemente, dessa pressurização que se tem um dos singles radiofônicos mais prestigiados da banda.
“Nós tínhamos uma faixa que víamos nela uma boa música, mas toda vez que mós tocávamos com ela como uma banda, parecia soar mais como os Rolling Stones, e não de uma boa forma” – a banda estava sem tempo e faltando pouco para entregarem o material completo. Billy havia ido para casa e na mesma noite, trabalhou em cima dela de forma constante a ponto da própria demo dessa chegar a se parecer bem próxima da versão de estúdio original. No dia seguinte, mostrou a Flood, na qual simplesmente disse “Eu amei. Agora a faça acontecer”. A faixa em questão era 1979, trazendo o frenesi da juventude, onde parecemos imortais e não há tempo para pensar, essa dualidade que trás a ideia de que também, o tempo é curto, mesmo diante da intensidade de viver o momento.
O conceito da capa foi realizado por John Craig, artista ilustrador que trabalhava com colagens que foi escolhido a dedo por Corgan, cujo objetivo era misturar o vitoriano com o celestial, em uma visão que remetesse do antigo ao atemporal. Corgan sempre foi um fissurado por esse tipo de estética, especialmente quando se tratava de Art Noveau, um estilo artístico que teve seu auge entre 1890 até o início da Primeira Guerra Mundial. Billy, já tendo um caderno repleto de rascunhos, os mandou via FAX para John, que trabalhou em cima do conceito, resultando em um trabalho de imagens surreais que representavam mundos fantasiosos com a aura de O Mágico de Oz encontra Alice No País das Maravilhas. Antes de trabalhar com o músico para o conceito artístico do encarte e capas, o ilustrador nunca havia ouvido falar na banda anteriormente.

Na capa temos uma moça de jovem aparência angelical que plana em uma estrela o céu noturno ao lado alguns planetas que o orbitam no cenário, sendo um deles, Júpiter. O trabalho de colagem por parte de Craig para a caracterização da personagem dessa icônica capa vai se basear em duas pinturas distintas: “The Souvernir Fidelity” (1787-89), do francês Jean-Baptiste Greuze, e “Santa Catarina de Alexandria” (1507), pintada pelo italiano Rafael. A ideia por trás da colagem nos remete a uma representação onírica e de pensamentos imersivos que só se obtém através da introspecção.


WHERE BOYS FEAR TO THREAD: Trabalhar nesse álbum, considerando a epopeia que foi, trouxe uma proposta melhor à uma banda em extrema tensão. Cada músico trabalhava em sua parte em uma sala específica, e esse modus operandi acabava sendo uma alternativa a evitar tensões de estúdio como nas gravações do álbum anterior. Flood acabava se aproximando da banda de forma imersiva a ponto de dizer quem iria ou não retrabalhar tal parte, tornando o processo mais inclusivo para todos. Não a toa, Flood casou bem o processo metódico da banda e sendo a melhor alternativa para esse trabalho no final do dia, cujo lançamento lhes rendeu a primeira posição na Billboard para o quarteto, e um amontoado de discos de Ouro e Platina pelo mundo.
Os clipes para as músicas Zero, Bullet With Butterfly Wings, Tonight Tonight e 1979 tinham grande rotatividade pela MTV, recebendo nada mais que 7 nomeações no Grammy pelo álbum, ganhando apenas um por sua performance no terceiro mencionado. As turnês tiveram um ciclo de dois anos, passando na América Latina e também, pela primeira vez, no Brasil na última edição do saudoso festival Hollywood Rock, no ano de 1996, dividindo o palco com bandas como White Zombie, The Cult, Page & Plant, Chico Science & Nação Zumbi, Raimundos e Pato Fu.

Entretanto, as coisas não iriam tomar um rumo muito fácil, especialmente que no meio da turnê, o tecladista contratado para os shows ao vivo, Jonathan Melvoin e o baterista Jimmy Chamberlin tiveram uma overdose de heroína em um quarto de hotel em Nova York, resultando na saída do baterista fundador. Uma fã de 17 anos em um show na Irlanda morreria esmagada no descontrole de um moshpit, mesmo a própria banda ter insistido durante a apresentação de que parassem com o ato. Tal situação iria implicar principalmente também na mudança das composições do álbum seguinte, para menos intensas, com Billy assumindo que a época do moshpit para shows da banda pertencia ao passado.
A influência desse disco se encontra principalmente na cultura pop, especialmente quando se trata de Scott Pilgrim, onde referências do criador e fã da banda, Bryan Lee O’Mailey, são notadas nas camisetas em que o personagem principal que leva o nome da obra utiliza-se de camisetas que possuem desde o “SP” envolto de um coração, que faz parte de um dos logotipos antigos da banda entre 1993-94′ até uma escrita apenas “ZERO”; A polêmica franquia Grand Theft Auto teria em seu quarto e mais sombrio (e o melhor) a canção 1979 como parte da trilha sonora na estação de Rádio Rock do jogo, mas principalmente também, a banda iria inspirar outra que, no ano de 2006 iria criar uma outra Rock Opera importante para a década, cujo nome My Chemical Romance dispensa apresentações!
Em retrospecto, é curioso perceber que, mesmo 30 anos depois na data presente do lançamento dessa incrível Magnum Opus, as emoções descritas, e as descrições de espaços sufocantes parecem continuar ainda totalmente parte do dia a dia, tanto da juventude da época, agora mais velha, quanto das que vieram e seguiram com o passar dos anos. A serenidade captada pela capa e as artes representam ainda o encontro e ponto de paz para muitos ouvintes em torno permeável que esse disco ainda tem a cada juventude. Em um mundo onde se expressar e sua individualidade é capada, a arte é e a fantasia, o elo entre a realidade e o onírico são uma saída para mentes desamparadas, seja no amor e afeto de todos os tipos. A banda não apostou no seguro ao lançar um álbum duplo e simplesmente calou a boca de uma indústria inteira que duvidou tanto de sua capacidade como permanência no meio alternativo.
O melhor dos tempos
Antes do pior dos tempos
E tudo outra vez.



