O álbum de estreia do Roxy Music, lançado em 1972, marcou o glam rock e a cultura da década.

O ano de 1972 consolidou o glam rock como uma das linguagens dominantes da música britânica. Enquanto David Bowie lançava “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars”, Marc Bolan colocava o T. Rex no topo das paradas com “The Slider”, e Lou Reed apresentava “Transformer” ao público. Em meio a esses nomes centrais, o Roxy Music estreava com um álbum homônimo que propunha uma leitura mais abstrata e sofisticada do movimento.

“Roxy Music”, lançado em junho de 1972, introduziu um grupo difícil de classificar. Comandado por Bryan Ferry, e com contribuições fundamentais do jovem Brian Eno, o disco mesclava elementos do art rock, glam, jazz e música eletrônica de vanguarda. Seus arranjos desafiavam convenções, alternando entre melodias tradicionais e paisagens densas e instáveis.

O álbum surgiu em um momento de transição na cultura jovem, que começava a deixar de lado o otimismo da década anterior. As referências visuais e sonoras presentes no trabalho dialogavam com a sexualidade ambígua, o fetichismo de época e a decadência estilizada que já permeavam obras contemporâneas de Bowie e Reed. Mas havia uma diferença essencial: o Roxy Music preferia sugerir do que afirmar.

A abertura com “Re-Make/Re-Model” resume bem a proposta. A música inicia com ruídos de festa e se desenvolve como uma colagem de referências do rock, do jazz e da música clássica. As linhas de guitarra, saxofone e sintetizadores disputam espaço, enquanto Ferry canta de forma deliberadamente afetada. A citação de “Day Tripper”, dos Beatles, aparece de forma inesperada, dando um tom irônico e autorreflexivo.

Roxy Music. Acervo Pessoal.

Na sequência, faixas como “Ladytron” e “If There Is Something” expandem ainda mais os horizontes. “Ladytron” aposta em texturas eletrônicas criadas por Eno, que transformam o vocal de Ferry em algo quase teatral. Já “If There Is Something” começa como um country rock sincero, mas ganha proporções grandiosas ao longo de seus seis minutos.

“2HB” presta homenagem a Humphrey Bogart, misturando nostalgia com abstração. É uma das faixas mais melancólicas do disco, com arranjos que sugerem tanto cinema antigo quanto uma Londres futurista e esfumaçada. Segundo o crítico Simon Reynolds, em seu livro Retromania, a música é um bom exemplo do fascínio de Ferry por eras passadas reinterpretadas com filtros modernos.

A parte final do disco apresenta composições menos convencionais. Faixas como “The Bob (Medley)” e “Bitters End” misturam artifícios de vanguarda e estruturas pouco previsíveis. Há uma clara divisão entre o lado A — mais direto — e o lado B, com um caráter experimental mais acentuado.

“Virginia Plain”, lançada como single logo após o álbum, não fazia parte da versão original em vinil. Com seu refrão imediato e produção polida, tornou-se o primeiro sucesso comercial da banda, alcançando o Top 5 britânico. Ela consolidou o Roxy Music como parte ativa da cena glam, mesmo mantendo certa distância estética dos nomes mais pop do gênero.

A capa do disco, com a modelo Kari-Ann Muller em pose pin-up, causou debate e se tornaria parte da iconografia da banda. Ferry adotaria, ao longo da década, essa combinação entre erotismo retrô e sofisticação futurista. O visual, pensado de forma quase cinematográfica, influenciaria tanto o new romantic britânico dos anos 1980 quanto o art pop norte-americano do final dos anos 1970.

Apesar de ter sido bem recebido pela crítica, “Roxy Music” foi por muitos anos subestimado em comparação com os clássicos de Bowie ou Reed. No entanto, sua proposta estética — marcada pela justaposição entre estilos, épocas e referências — antecipou o discurso pós-moderno que se tornaria comum no pop das décadas seguintes.

A influência do disco pode ser ouvida em bandas como Japan, Ultravox, Talking Heads e até Radiohead. Seu ecletismo e sua liberdade estrutural ajudaram a definir o papel do art rock como ponte entre o mainstream e a experimentação.

Cinquenta anos depois, “Roxy Music” ainda soa particular. Sua ambição não está em grandes declarações, mas no uso de detalhes que se acumulam e criam uma atmosfera própria. Combinando humor, erotismo e estranheza, o álbum continua despertando o interesse de novas gerações.

É uma obra que desafia classificações simples. E que permanece como um dos discos mais inventivos de seu tempo — mesmo que à sua própria maneira.

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