No início da segunda metade da década de noventa, os resquícios das polêmicas envolvendo o burburinho causado pelos crimes do Inner Circle assombrava a mente tanto da Noruega como também em parte da Europa. Porém. ao mesmo tempo, o alvorecer de uma nova era faria um império já estabelecido ditar as regras e a reverência que aquele reinado recém conquistado passaria a adotar, tanto na cena extrema, como também na vasta musicalidade que abrange o metal, não importasse as terras onde o gênero mostrasse o seu domínio e imponente soberania.
Durante esse período, assim como para alguns colegas de cena conterrâneos, a situação para os membros do Emperor não era também das melhores. A banda enfrentava dificuldades para manter seu line-up após a saída forçada de Bard Faust para que cumprisse uma longa sentença, tanto quanto por conta do assassinato de Magne Andreassen no parque Olímpico em 1992 mas também pela sua participação na queima de igrejas, encorajada e liderada por Varg Vikerness, na qual também afetaria por um curto período de dois meses na liberdade de Samoth por ter integrado de forma mútua nos atos de danos à propriedade sacra. O baixista Tchort já não conseguia mais, por questões logísticas, fazer parte dos ensaios à longo prazo, uma vez que morava em uma cidade distante à Notodden, onde Ihsahn e Samoth ali moravam e cresceram juntos.

Mesmo com o risco de encerrarem as atividades devido ao desencorajamento causado pelas questões que a levaram nessa inconstância, o lançamento do constantemente adiado álbum In The Nightside Eclipse entre os meses de Dezembro de 1994 a Janeiro do ano de 1995 iria acender a chama nos dois remanescentes que iniciaram tudo aquilo que já acreditavam ter sido perdida. Embora tivesse recebido críticas mistas nos veículos impressos especializados em metal, o álbum foi muito bem recebido por um público jovem e sedento de novidade, que o continente vizinho do outro lado do mundo já não conseguia mais entregar devido a saturação daquele mercado. A identidade que obras até então recém lançadas como De Mysteriis Dom Sathanas (Mayhem), Frost (Enslaved), Transilvanian Hunger (Darkthrone) e Hvis Lyset Tar Oss (Burzum) entregavam tinham mais originalidade que uma cena no exterior dominada pelo som do Thrash da Bay Area e o Death Metal da Flórida na qual se encontrava hiper cansada e redundante.
Antes que a chance de um próximo álbum se tornasse realidade, Samoth não apenas fazia suas participações extracurriculares em álbuns de bandas como Gorgoroth, Satyricon e Arcturus, como também, mesmo em seu curtíssimo tempo detido pelas autoridades, já compunha esboços do que seria a nova empreitada da banda, enquanto Ihsahn cuidava de toda parte burocrática, como direitos para que distribuidoras ao redor do globo pudessem lançar seu primeiro trabalho, assim como o lançamento do EP anterior auto intitulado. Permaneciam de forma estática até que naquele ano de 1995, o baterista Trym Torson ao terminar suas obrigações com os Enslaved que desfrutou de uma turnê norte americana bem sucedida, assim como também no continente natal, havia sido convidado por Samoth à integrar o time, que já procurava incansavelmente por um baterista, tendo até mesmo Hellhammer, vivendo em um período de limbo com o Mayhem após a morte de Euronymous, como parte da banda por curto período de tempo.
Eis o baixista Alver, entra convidado para se juntar e completar a formação que teria quatro cavaleiros do apocalipse novamente, e que havia demonstrado interesse à ser parte da casa, uma vez que os teria conhecido por intermédio de Bard Faust na época em que estavam fazendo shows no ano de 1993 em promoção do EP citado no parágrafo anterior. Como problemas logísticos foram um problema recorrente, Trym se muda para cidade natal do grupo para facilitar a participação nos ensaios, assim como esses ocorriam em uma agenda fácil para Alver, ocorrendo nos finais de semana, se comparado a sua outra banda Dødheimsgard, cujas obrigações gerais eram de demanda estritamente semanal. Com a formação completa, era hora do grande império criar os hinos que no alto de suas montanhas, seriam cantados no firmamento de um novo crepúsculo.
CANTOS DE GUERRA NOS ESTÚDIOS DE GRIEGHALLEN já estavam sendo preparados juntos do produtor Pytten, notório no cenário do black metal norueguês, que já havia trabalhado anteriormente 3 anos atrás em Nightside. A ideia desse trabalho, como relata Ihsahn à uma entrevista em vídeo da Kerrang em 2018, era manter um trabalho conciso do início ao fim, e não ser mais um álbum que fosse uma simples coleção de canções avulsas como outros lançamentos da indústria musical. Realmente, o relato dado pelo frontman bate totalmente com a descrição que o ouvinte, tanto de primeira viagem como mais conhecedor do som pode relatar da experiência, isso porque se o álbum anterior interligava de forma natural e compatível as faixas, sem perder a essência, o mesmo pode ser dito de Anthems To The Welkin At Dusk, que se comparado, possuía uma audição ainda mais estridente por parte das guitarras, e uma bateria que, ao invés de presa ao feeling, agora era carregada de técnica e intensos blast beats nos quais foram uma marca registrada de Trym Torson durante grande parte relevante de sua carreira.
A primeira faixa, Alsvartr (The Oath), pode assustar o mais desavisado, porém, impressiona com seu andamento crescente, que a torna em um grande épico orquestrado, atmosfericamente medieval, que ligada a seguinte, Ye Entrancemperium, abre com um intenso riff que mostra a sútil agressividade que será mantida durante grande parte do álbum, que apresenta uma característica inusitada vista apenas em Inno A Satana alguns anos antes, a volta de vocais limpos perto do final da canção. Essa tendência se repete em Thus Spake The Nightspirit, que não apenas mantém parte das características citadas anteriormente, mesmo que mais cadenciadas, como mostra uma evolução ainda maior na precisão técnica das composições instrumentais. É uma das canções obrigatórias no setlist dos shows, uma vez que é quase impossível de se imaginar uma celebração imperial dessas sem repetir a emblemática passagem “Nightspirit, nightspirit, embrace my soul” em sua repetitiva constante, porém, marcante melodia num majestoso coro capaz de emocionar e fazer o mais preconceituoso leigo a reconsiderar de suas opiniões sobre o gênero de uma forma geral.
Fecha-se o primeiro lado do disco Ensorcelled By Khaos, repetindo a porrada sonora da segunda faixa, encerrando o disco em um leve fade, que não lhe dará descanso com nenhuma faixa sequer no lado B, quando entra em cena o single The Loss And Curse Of Reverence, cheio de tempos quebrados e presença forte de harmônicos durante o verso, característica notória que fez a molecada da época quebrar a cabeça tentando replicá-las durante o aprendizado dessa música nas guitarras, que mesmo em uma estrutura 4×4, não apresentava desafio amistoso para o guitarrista intermediário mais corajoso e esnobe. Foi também lançada em mini lp meses antes do lançamento do full length, juntamente da diferenciada e lenta In Longing Spirit, um exclusive outtake para o formato, assim como também um notório, sombrio e épico videoclipe que teve presença marcante na MTV, seja na programação estrangeira ou no nosso Fúria Metal, apresentado pelo inigualável VJ de outrora, Gastão Moreira.
Se o musicista iniciante no ofício ou hobbie da guitarra se impressiona com o exibicionismo presente na introdução de The Acclamation Of Bonds, notará também uma faixa que é um tanto diferente em alguns momentos do que foi ouvido anteriormente, uma menos intensa e cadenciada, mas que porém, mantém da mesma parede sonora e agressiva na essência que só apenas os noruegueses que trazem esse grande trabalho conseguem fazer. Já surpreendido, With Strength I Burn pode não trazer tantas surpresas, mas trás passagens marcantes em seus longos 8 minutos e 17 segundos de reprodução, em que principalmente os shrieking vocals de Ihsahn dão lugar ao barítono inigualável de Ihsahn, que possui maior destaque ainda mais evidente nessa música, casando e muito bem com a conclusão épica de um álbum barulhento, que fecha com a instrumental The Wanderer, na qual foi trabalhada por Samoth desde a época em que encarava sua sentença de dois meses, e que mantém a atmosfera melódica e sinfônica, porém, com as guitarras mantendo o maior destaque nessa conclusão redondinha que termina de experienciar.
LIRICAMENTE a temática conceitual permanece, assim como também nos próximos dois lançamentos, sobre a figura de um imperador, imponente e destemido, porém, sem muito das peripécias do satanismo que eram presentes nos dois trabalhos anteriores de destaque, sejam as demos e ep’s que foram lançadas antes que esse álbum fosse concebido. Na história que nos é contada em primeira pessoa, agora dono de um majestoso reino, em Alsvartr (The Oath), o tirano conquistador profetiza sua vinda e roga, em seu próprio ego, a eterna durabilidade de seu legado e soberania, que ao fechamento desta para Ye Entrancemperium, sua magnitude no campo de batalha e o orgulho que seus seguidores, que se dedicam até a morte por lutar por esse reino são motivo de orgulho e cobiça de seu explendor. Tal repetido em Thus Spake The Nightspirit de forma romântica e espiritual, na qual a tradução do título, E Assim Falou o Espírito da Noite, evoca importância e ambição nas preces determinantes para seus objetivos de conquista e destruição, onde aqueles que se opõe a majestade, caem em total miséria e silêncio.
Mas aqui, os questionamentos filosóficos começam a tomar conta da mente do leitor mais atento no campo lírico quando Ensorcelled By Khaos reverbera durante a reprodução do trabalho. A vossa majestade, agora, começa a notar que há algo de errado em seu reinado. Esse se vê praguejando aqueles que maldizem e zombam de sua presença, sua fome por guerra não parece mais saciar, embora anseie por mais destruição e conquistas, em uma íra e obsessão que assustaria até mesmo figuras históricas mais aventuradas, e um tanto desenfreadas como Napoleão Bonaparte. Se encontra preso em um labirinto na própria cabeça, onde o mesmo ego que não o deixa ver além da própria figura projetada de forma superficial que criou de si mesmo, e que projeta um caminho de dor e sofrimento à todos que se recusam curvar diante de sua cega sede de poder e personalidade narcisista, nas evidentemente pesadas e tensas, porém, poderosas letras de The Loss And Curse Of Reverence, cuja carga de ódio do eu lírico prevalece sobre a razão, que aqui já não mais tem lugar. A promessa pela destruição da luz irá restabelecer a ordem e a honra perdida, não mais como uma virtude.
A legião cega e inferior irá ao campo de batalha por ordens de um ser empoderado muito maior que ele quando os evoca em The Acclamation Of Bonds, pois aqueles que são fieis irão manter a chama de seu império vivo, e a natureza celebra e o reverencia, porém, à que propósito? Seriam apenas marionetes de um delírio maior? Seria a tal liberdade e empoderamento na qual tanto almeja ser apenas uma ilusão baseada uma imagem romantizada e vazia de alguém que, a reflexão à ser apresentada em With Strength I Burn, o mostraria em uma constante batalha auto-destrutiva, levando junto outros que perecem diante de sua ganância? Quem é essa voz do verdadeiro “eu” que tanto deseja conhecer, porém, o medo da desconstrução impede que veja sua real identidade e a voz da razão, constantemente interrompida de ressoar em sua mente já tão e constantemente conturbada? A luz que a revela logo se apaga diante do receio pela verdade, e esse volta às montanhas, nada aprendendo e continuando em um ofício mortal que o levará ao declínio futuro e iminente, um andarilho que divaga, um espírito preso em eterna agonia numa jornada que o prende em círculos por toda a eternidade.
É de certo fazer uma associação clara com o mito de Sísifo, que condenado ao reino dos mortos, carregava uma pedra de mármore até o lugar mais alto da montanha, preso em um círculo de repetição onde essa escapava e rolava de volta para baixo, em um processo cansativo e auto destrutivo. Podemos ver que ao tentar escapar mais de uma vez da morte nas tentativas de Tânato em levá-lo para a terra dos mortos, o personagem principal do épico que nos é apresentado em Anthems […] escapa de todas as formas de seu destino e também da razão, porém, é constantemente perseguido e castigado pela ìra dos deuses, conforme seus atos e também fugas vão desordenando o processo daquele ambiente mitológico de uma forma geral. A fúria imperdoável originária da personalidade obsessiva de Zeus, que a cobiça eternamente o insatisfaz, faz justiça sob seus modos ao condenar Sísifo ao seu castigo eterno de esforço sem causa e invalidação do processo. Não seria a primeira vez que peripécias do panteão grego seriam mencionadas na carreira da banda, especialmente com a faixa An Elegy Of Icaros no álbum IX Equilibrium (1999) e no canto do cisne Prometheus: The Discipline Of Fire & Demise (2001), onde a influência no tema já é evidente logo de cara no título do derradeiro trabalho dos noruegueses.
Entretanto, fica um claro questionamento quando se trata da linha do tempo do grupo, especialmente nos primórdios daquela cena no país escandinavo. Pode-se fazer uma analogia profunda nos acontecimentos que marcaram a infâmia do Inner Circle, onde embora tivessem o suporte de Euronymous que os encorajava a explorar além de seus limites musicais e empreendedores na carreira, acabavam tendo seus amigos e alguns dos membros dessa cegados pela liderança fútil do colega de cena Varg Vikernes, cujo próprio comportamento narcisista e tóxico resultou na morte na morte no mentor de todos que ali estavam, e os levou, mesmo que por curtíssimo momento, à um declínio atrás das grades em tão tenra idade. O crepúsculo dá lugar á um alvorecer no destino de todos, e percebem que não precisam, com o passar do tempo, carregar essa mesma pedra na qual a culpa os consumia, ressurgindo então das trevas em que estavam aprisionados, de corpo e espírito.
O DISCO FOI LANÇADO em 19 de Maio do ano de 1997, e embora se encontravam plenamente livres para realizar planos de uma turnê que foi impeça no passado devido a situações já mencionadas anteriormente, a primeira aparição ao vivo em três anos aconteceria apenas em Dezembro do ano anterior que antecedeu o lançamento do álbum, e que promovia também o mais novo trabalho da banda Enslaved que chegaria também naquele mesmo período letivo. Durante e logo depois, seguiram para uma longa turnê de dois anos que os fariam passear por toda a Europa, e terem sua marca reconhecida tanto na mídia especializada, como também uma banda de médio porte que se destacava ao lado de outras que eram irmãs no gênero do Black Metal Sinfônico, como principalmente também dos Dimmu Borgir, que no final do mesmo mês de Maio, lançariam a porradaria sonora conhecida como Enthrone Darkness Triumphant, que assim como o que trás o tema dessa matéria, também dividiu uma base de fãs que estava selada à apenas ao som necro dos primeiros trabalhos da citada.

Embora não mencionado em números exatos, é dito que Anthems […] foi um sucesso de vendas, inclusive nas américas em que a cena do black metal escandinavo começava a se popularizar ainda mais de 1996 para frente, graças à também, inclusive, do trabalho de distribuição da gravadora alemã Century Media com o seu selo Century Black, que era responsável por lançar material desse porte fora de solo europeu, sendo originalmente lançado pela Candlelight Records, na qual todos os lançamentos e relançamentos que seguiram se mantiveram sob os direitos da gravadora, que possui um legado de amizade e tradição com os membros da banda. O primeiro show nos Estados Unidos aconteceria em 1998, no ciclo final da turnê de promoção no lendário festival Milwaukee Metal Fest, que na edição em que participavam, teve tanto colegas de cena como o Mayhem, assim como o inigualável Death, cujo ofício de Chuck Schuldiner a fazia se destacar no cenário floridense que carecia de novidade, dentre outras grandes atrações como Mercyful Fate, Impaled Nazarene, Sodom, Cannibal Corpse, Suffocation, e de um Destruction que, convenhamos, não se encontrava em sua melhor formação ou momento de carreira.
Durante os ciclos de turnês de reunião, em 2017 a banda iria voltar aos palcos desde 2014, para celebrar os 20 anos de lançamento desse petardo. Mesmo que a longeva turnê em cima celebração tenha perdurado por anos, e uma turnê latino americana fosse anunciada para primeira passagem desses, inclusive em terras brasileiras (constantemente adiada pela pandemia até sua realização), fãs norte americanos questionavam a falta de shows nos EUA para essa, voltando logo apenas entre 2022 / 2023 para celebrar o legado do disco. Em 2016, foi introduzido ao Hall da Fama da revista americana Decibel e posto na posição 57 da lista dos 100 Grandes Álbuns de Metal de Todos os Tempos em 2017. No ano seguinte, foi nomeado pela Loudwire como o melhor álbum de black metal de todos os tempos e no estopim da pandemia foi incluído na lista da Metal Hammer como um dos 10 melhores álbuns lançados no ano de 1997.
É um trabalho influente que merece seu pódio no gênero, apesar da capa, que novamente tem influência forte de Gustave Doré como imagem evidente, ainda assim, a tonalidade do forte verde, escolhida por Samoth acaba tanto por categorizar como único o inferno esverdeado, como também não faz jus à escolha estourada de de edição e sombreamento em cima da arte de Doré, escolhendo também uma péssima cor para tanto o nome da banda quanto o título do álbum, de tons verde-escuros que prejudicava, entretanto, na identidade desse. Foi arrumado com as fontes postas de cor dourada no relançamento de 1999 que teriam músicas extras, porém, que não seguiram, infelizmente, com o acerto no design nos próximos relançamentos. Mesmo com as guitarras falando mais alto em seu caos sonoro do que o elemento sinfônico, ainda assim, encontram um ponto de equilíbrio que destaca a maturidade tanto musical como característica que faz Anthems To The Welkin At Dusk ser parte do pódio de alta influência em seu subgênero.
Diante tanta sabedoria e empoderamento, será que o cinismo e o destino desse mesmo imperador pode se igualar a tragédia de Darth Plagueis, ocorrida também há muito tempo em uma galáxia muito, muito distante?
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