A música popular brasileira dos anos 1970 nasceu em meio a um turbilhão de referências, entre elas uma que atravessou o Atlântico com força transformadora: o rock britânico.
Mais do que uma influência distante, os Beatles funcionaram como um verdadeiro catalisador, moldando a sensibilidade de uma geração inteira. Na década anterior, o quarteto de Liverpool já havia acendido a faísca da Jovem Guarda e inspirado o Tropicalismo, provando que a invenção melódica e a ousadia podiam ultrapassar fronteiras culturais.
Em 1972, essa influência se manifestou de maneira marcante com o lançamento de Clube da Esquina. O álbum, parceria entre Milton Nascimento e um jovem Lô Borges, então com apenas vinte anos, trazia nas canções uma clara admiração pela música dos Beatles. Lô encontrou na sonoridade britânica o impulso para definir sua própria identidade artística. Clube da Esquina não era apenas uma coleção de canções; era um marco que redefiniu os rumos da música brasileira ao unir regionalismo e experimentação.
Se Clube da Esquina se firmou como um dos pilares do rock brasileiro pela ousadia e riqueza harmônica, o primeiro álbum solo de Lô Borges, lançado no mesmo ano, apontou para um território ainda mais livre. Batizado simplesmente Lô Borges, mas conhecido como “o disco do tênis” por conta da icônica capa, o trabalho revelava uma estética despretensiosa, quase caseira, e uma atitude que antecipava o espírito do Indie (ou música independente). Era um som feito sem a preocupação de agradar o mercado, guiado apenas pela curiosidade e pelo desejo de expressão pessoal.
Mesmo sendo lançado por uma grande gravadora, a EMI, o disco tem o DNA da independência. A contradição é apenas aparente: dentro de uma estrutura comercial, Lô conseguiu imprimir uma voz autêntica, imune às pressões do sucesso fácil. O “disco do tênis” não buscava a aprovação do público em massa — ele nascia de um impulso artístico genuíno, de quem queria explorar novas formas de canção. Décadas depois, seria reverenciado por músicos de diferentes gerações e países, entre eles integrantes dos Arctic Monkeys, que citaram o álbum como influência.
Gravado com uma naturalidade que transparece em cada faixa, o álbum de 1972 é hoje visto como um dos trabalhos mais originais da música brasileira. Suas harmonias inusitadas, letras fragmentadas e melodias que soam familiares e estranhas ao mesmo tempo criam um universo próprio. Lô Borges parecia abrir uma janela para um futuro onde a liberdade criativa seria o bem mais valioso — algo que só se tornaria realidade para a maior parte dos artistas brasileiros décadas depois.
Outros discos de Lô, como Via Láctea (1979), continuariam explorando essa busca pela autenticidade, mas é no disco do tênis que se encontra o coração de sua obra. Revisitar esse álbum é mergulhar na mente de um artista que transformou o cotidiano em poesia e fez da simplicidade uma forma de arte.
Ouvir o primeiro trabalho solo de Lô Borges é compreender a essência de um criador que, embora mineiro e profundamente ligado à sua terra, pensava e compunha com um alcance universal. Sua música segue viva, atravessando gerações, como um lembrete de que a beleza pode surgir do gesto mais simples — ou, quem sabe, de um par de tênis gasto que, ao invés de marcar o chão, acabou marcando a história da música brasileira.
 
 
 
 
 
 


 
 
 
 
 
 
 
 
Excelente textos Parabéns.
Muito obrigado Rogério.