Os galeses, em seu 15º disco de inéditas, mantém seu legado de quase 40 anos de carreira.
O conhecido jornalista de cultura André Barcinski certa vez, ao falar sobre o Mudhoney, disse que a banda de seattle não tinha o reconhecimento que merecia, porque nunca havia encerrado suas atividades, para depois encher os bolsos de dinheiro em uma turnê de reunião caça-níqueis.
Numa entrevista para a revista MOJO, por conta do lançamento de seu novo disco, os galeses do Manic Street Preachers vão por um caminho parecido: “Provavelmente somos um pouco subestimados, porque nunca paramos” disse na ocasião o baixista Nicky Wire.
Talvez o fato de terem seguido com a banda, mesmo após o baque do desaparecimento do membro fundador, guitarrista e compositor Richey Edwards, em 1995 (o corpo nunca foi encontrado, e Richey foi declarado morto em 24/11/2008), tenha feito com que a banda não levasse tanto em consideração estratégias mercadológicas (apesar do sucesso alcançado), focando na ideologia de trabalho de Edwards, conhecido por sua postura politizada. Esse posicionamento político sempre à esquerda seguido pelo grupo (que os levou a tocar até em Cuba) serviu de combustível para muitas das composições de Wire (principal letrista dos Manics dali em diante), especialmente em discos como “Know Your Enemy” (2001).
Ao longo da carreira, a banda vem alternando álbuns em que aposta nessa sonoridade digamos, mais clássica, e outros em que experimenta com sintetizadores (Lifeblood, 2004), sons acústicos (Rewind the Film, 2013) e Krautrock (o incrível “Futurology”, de 2014).
Nos últimos dois discos lançados, em 2018 e 2021, a banda parece ter se acomodado, tanto sonoramente quanto do ponto de vista político, abandonado as experimentações, porém sempre mantendo uma regularidade impressionante para uma carreira de quase quarenta anos. O espaço para novas sonoridades parece ter sido reservado aos discos solo lançados por James Dean Bradfield (guitarra e voz) em 2020 e pelo já citado Nicky Wire em 2023. O que nos leva ao recém-lançado, “Critical Thinking”, o 15º de inéditas da carreira.
O disco é daqueles que não se preocupa em reinventar a roda, apenas com a manutenção do legado do trio, completo pelo baterista Sean Moore. Ele já abre com a faixa-título, um pós-punk com vocais de Nicky, que coloca voz em outras duas faixas, talvez mais confiante após o lançamento de seu já citado disco solo. James também parece mais confortável enquanto compositor de outras três faixas, função que executava de forma esporádica nos discos da banda.
As faixas seguintes retomam a sonoridade que os consagrou, com arranjos épicos e refrães empolgantes, envoltos numa sonoridade hard-rock, mas com vocais não tão característicos deste subgênero. São músicas menos introspectivas, em comparação com o disco anterior “Ultra Vivid Lament” (2021), se conectando mais com “Resistance is Futile” (2018). Além disso, em comparação com estes dois discos, a banda retoma com maior contundência questões políticas. Inclusive o vocalista, em declarações recentes, disse ter se arrependido de terem de certa forma, “abandonado” a temática nos últimos trabalhos.
Um destaque do álbum é a 6a faixa, “Dear Stephen”, composição de Wire, cantada por Bradfield, e dedicada a um sr. chamado Stephen Patrick Morrissey, que em idos tempos liderou um tal de The Smiths. Em 1984, o baixista dos Manics perdeu um show da famoso grupo de Manchester, pois estava doente. Na ocasião, enviou uma carta ao grupo, recebendo uma resposta de Morrissey através de um cartão postal, desejando melhoras. Ao comparar este Morrissey com o atual, de opiniões no mínimo controversas (para não dizer xenofóbicas), o compositor da canção pede a volta daquele cara que, mesmo sempre irônico e rancoroso, ainda era capaz de belas atitudes, inclusive citando o clássico ‘I Know It’s Over’ da frase “It’s so easy to hate, it takes guts to be kind” em uma bela reflexão sobre a eterna discussão autor x obra.
A segunda metade do disco, por vezes, lembra a introspecção do disco de 2021, com acenos a synths em “Out Time of Revival” e “Deleted Scenes”, encerrando com “OneManMilitia”, escrita no dia do funeral da Rainha Elizabeth II (para orgulho do Stepehen homenageado no disco), mostrando que, mesmo com muitos anos de carreira, a banda ainda sabe contra o que se rebelar (I don’t know what I am for, but I know I am against). O mundo é complexo, como fica claro no caminho sinuoso exposto na capa de “Critical Thinking” e as discussões reducionistas das mídias sociais não deveriam mais ter espaço no mundo atual.
Pena que um grupo ainda tão relevante, com um histórico tão consistente e com posicionamentos tão importantes, seja ignorado na América Latina, tendo em vista que a banda nunca fez shows em nosso continente. Que o novo disco desfaça ao menos essa injustiça.
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